MÍDIA SEM MÁSCARA
ESCRITO POR JOSÉ MARIA E SILVA | 13 FEVEREIRO 2012
ARTIGOS - MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
As ONGs se tornaram aparelhos ideológicos da esquerda — mas sem abrir mão de serem financiadas pelo Estado capitalista que tanto combatem.
A corrupção tem sido uma constante na história do Brasil. Desde as capitanias hereditárias que a promiscuidade entre público e privado vem marcando a vida nacional. Entretanto, como não poderia deixar de ser, as formas da corrupção se transformam com o tempo, acompanhando as mudanças dos costumes e a evolução tecnológica. E uma das novas formas de desvio de dinheiro público já não se dá nas frinchas e, sim, nas franjas da máquina estatal. Ou seja, naquela nebulosa social a que se dá o nome de “organizações não governamentais”.
Prova disso é o verdadeiro caso de polícia em que se tornou o Ministério do Esporte. Cerca de três anos antes das denúncias da Veja (que devem custar o cargo do ministro Orlando Silva), a própria revista já havia levantado suspeitas de desvio de recursos no Ministério dos Esportes. E, há onze meses, o jornal O Estado de S. Paulo fez uma reportagem investigativa sobre irregularidades na pasta de Orlando Silva, apresentando fortes indícios de corrupção que já deveriam ter custado a cabeça do ex-dirigente da UNE, caso a faxina da presidente Dilma Rousseff fosse mesmo para valer.
Publicada em 19 de fevereiro de 2011, a reportagem, assinada pelo jornalista Leandro Colon, mostrou que o Programa Segundo Tempo, menina dos olhos do Ministério do Esporte, estava marcado por entidades de fachada e núcleos esportivos fantasmas. As entidades encarregadas de desenvolver o programa, em sua maioria, eram organizações não governamentais ligadas ao PC do B. E, somente no ano de 2010, elas foram beneficiadas com cerca de R$ 30 milhões.
A reportagem do “Estadão” percorreu os Estados de Goiás, Piauí, São Paulo e Santa Catarina, além do Distrito Federal, e desmontou os pilares do Programa Segundo Tempo, que era apresentado pelo Ministério do Esporte como um programa de “inclusão social” — como se esporte para pobre não fosse quase sempre uma imersão na vadiagem. Mas isso é assunto para outro artigo. Agora, quero apenas chamar a atenção para a matéria-prima da corrupção no Ministério do Esporte — as organizações não governamentais.
Fantasma goiana
O Programa Segundo Tempo era basicamente desenvolvido por essas entidades difíceis de classificar. E uma das organizações não governamentais mencionadas na reportagem é da cidade goiana de Novo Gama, no Entorno do Distrito Federal. Segundo a reportagem, um dos núcleos do programa cadastrado na cidade era fantasma. No lugar onde deveria funcionar um campo de futebol, havia um terreno baldio. Mesmo assim o programa foi usado como palanque eleitoral pelo PC do B na última eleição, segundo o jornal.
Em Teresina (PI), a situação era ainda pior. No lugar onde estava prevista a construção de uma sala poliesportiva, jovens usavam um matagal improvisado como campo de futebol e vôlei, por meio de bambus e alguns tijolos. E a entidade responsável pelo projeto inexistente já tinha recebido R$ 4,2 milhões. Mais grave ainda foi o desvio na cidade de Jaguariúna, no interior de São Paulo, onde uma ONG sozinha já tinha recebido R$ 28 milhões do programa desde 2004.
Apesar de todas essas denúncias, o Programa Segundo Tempo continuou distribuindo dinheiro para essas e outras ONGs denunciadas pela reportagem de oito meses atrás. Agora, depois que o escândalo do Ministério do Esporte ganhou as páginas da revista Veja, outros veículos entraram no caso e o Estadão deu continuidade à sua investigação pioneira, mostrando que nem mesmo a ONG de Novo Gama, suspeita de fraude, foi cortada do projeto. No final de agosto seu convênio com o ministério, no valor de R$ 911 mil, foi renovado, segundo denunciou o jornal na quinta-feira, 20.
Filhas bastardas do Estado
Que paradoxo é esse: uma entidade dita não governamental seviciar-se em dinheiro do governo? Eis aí um problema que se tornou parte da essência das ONGs e dificulta sua definição. A origem do termo ONG remonta à Resolução 288 da ONU, de 1950, que definiu as organizações não governamentais como sendo aquelas que não tinham sido instituídas mediante acordos governamentais. Tratava-se, portanto, de uma definição restrita às relações internacionais, mas, com o tempo, a expressão passou a ser usada para definir também as organizações nacionais sem fins lucrativos.
No Brasil, as ONGs floresceram a partir da redemocratização do país e se fortaleceram com a Constituição de 88, que estimula a participação direta da população nas questões de Estado. É o que se vê em seu artigo 204, que trata das ações governamentais na área da assistência social. Em seu inciso I, o artigo determina a “descentralização político-administrativa” dessas ações, estabelecendo que a coordenação e execução dos programas sociais devem ser compartilhadas com “entidades beneficentes e de assistência social”. No inciso II, enfatiza a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”.
Vários outros dispositivos constitucionais que tratam da participação popular estimulam a formação de organizações não governamentais. E esses comandos constitucionais começaram a ser postos em prática pelo Estado brasileiro sobretudo a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, quando ocorreu o processo de privatização. Como a Nação brasileira é umbilicalmente ligada à concepção de Estado forte (por isso, talvez, o Brasil devesse ter continuado monárquico), na medida em que o Estado foi saindo da sociedade, a sociedade órfã foi-se agarrando a ele. No fundo as ONGs são filhas bastardas do Estado, cujo DNA ele não reconhece, mas não se furta de lhes pagar pensão.
Terceiro setor nos EUA
Não se trata de um fenômeno brsileiro. Nos Estados Unidos, as ONGS — lá chamadas de terceiro setor – também apresentaram um crescimento exponencial nos últimos anos. Lester Salamon, diretor do Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, afirma que o setor sem fins lucrativos é o “subcontinente invisível” sob a paisagem econômica dos Estados Unidos. O pesquisador acaba de publicar um estudo sobre o emprego no terceiro setor no Estado norte-americano de Michigan.
Graduado em economia em Princeton, em 1964, e Ph.D. pela Universidade de Harvard, em 1991, Lester Salamon vem realizando vários estudos sobre o terceiro setor e calcula que ele já movimenta US$ 1,9 trilhão por ano, ou R$ 3,1 trilhões. De acordo com seus estudos, se o terceiro setor fosse um país independente, ele já seria a quarta economia do mundo. O que também significa geração de empregos. Em Michigan, o emprego no terceiro setor cresceu 17,4% entre 2001 e 2007, compensando, segundo Salamon, a perda de emprego em massa nas empresas privadas norte-americanas. Os 374 mil trabalhadores do terceiro setor de Michigan ganharam cerca de US$ 14,5 bilhões em salários em 2009 e pagaram US$ 90 milhões em impostos.
No Brasil, o estudo mais aprofundado sobre o papel das organizações não governamentais na economia foi feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e publicado em 2005. Naquele ano, o IBGE constatou que “estavam registradas 338 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos, que empregavam 1,7 milhão de pessoas em todo o País, com salários médios mensais de R$ 1.094,44”. Ainda de acordo com o estudo, “o tempo médio de existência dessas instituições era de 12,3 anos e o Sudeste abrigava 42,4% delas” — confirmando o perfil marcadamente urbano das entidades privadas sem fins lucrativos.
Dependente da verba estatal
Mas um dado chama a atenção no levantamento do IBGE: o fato de 79,5% das organizações não governamentais — ou 268,9 mil ONGs — não possuírem sequer um empregado formalizado. É um número muito expressivo que aponta para um fenômeno típico das organizações não governamentais brasileiras — seu caráter parasitário, de sanguessuga do Estado, funcionando mais como pensão de seus dirigentes do que como fonte de prestação de serviços à sociedade. Muitas ONGs são entidades de fachadas, criadas especialmente para arrancar dinheiro dos cofres públicos sem oferecer nada em troca.
Nos Estados Unidos, o espírito de livre iniciativa é um pilar da própria nação e não se limita ao setor privado, estendendo-se também às atividades sem fins lucrativos. Desde seus primórdios como país independente, os Estados Unidos se caracterizam por uma forte filantropia, fundadora de grandes hospitais e universidades de ponta. Não são raros os milionários que doam parte de sua fortuna ou toda ela para instituições sem fins lucrativos, alicerçando definitivamente essas instituições. Até institutos científicos, como a National Geographic Society, nasceram desse caráter empreendedor.
No Brasil é praticamente o contrário. A tendência da sociedade é esperar que o Estado resolva tudo. Por isso, as entidades filantrópicas, mesmo aquelas que prestam relevantes serviços à sociedade, em áreas como saúde e educação, não sobrevivem sem a ajuda do poder público, em sua maioria. Geralmente são subvencionadas pelas prefeituras, que pagam ao menos sua manutenção básica, como custos de aluguel e salários. Com isso, a ajuda sazonal proveniente da iniciativa privada passa a ser lucro. O problema é que isso tende a acomodar a entidade, que se torna dependente da verba estatal, mesmo em situações em que poderia aumentar a ajuda privada.
A “ONG” de Paulo Freire
Todavia, o mais pernicioso viés das organizações não governamentais é sua transformação em instrumento ideológico — um fenômeno especialmente forte nos países de Terceiro Mundo, especialmente latinos, sem tradição de voluntariado autêntico. Hoje, as organizações não governamentais que atuam na área social são praticamente partidos políticos disfarçados, buscando aplicar em áreas como educação, saúde e segurança um ideário utópico esquerdizante. E as ONGs ideológicas, é bom lembrar, contam com o apoio de grandes fundações internacionais, como a Fundação Ford, que é pródiga em liberar recursos para dezenas de ONGs brasileiras. O movimento negro, o movimento gay e o feminismo são exemplos disso, pois esses movimentos se alimentam com recursos do governo e também das fundações internacionais.
Com um patrimônio de US$ 13,7 bilhões, a Fundação Ford destinou US$ 280 milhões, em 2001, para criar programas de pós-graduação voltados para a formação de lideranças emergentes de comunidades marginalizadas fora dos Estados Unidos. E, antes mesmo dessa moderna infiltração das fundações estrangeiras nas próprias raízes do movimento social, já havia precedentes de relevo na história recente do País. Talvez a mais expressiva delas seja o movimento de alfabetização promovido pelo pedagogo Paulo Freire (1921-1997).
Em 1963, no município de Angicos, no interior do Rio Grande do Norte, Paulo Freire realizou sua experiência de alfabetização de adultos, que se tornaria mítica, alicerçando a futura fama do pedagogo brasileiro no mundo. Hoje, Paulo Freire é citado de forma recorrente na literatura pedagógica internacional, graças àquela experiência de resultados duvidosos. Irônico é que ele a desenvolveu já nos moldes do esquerdismo pós-moderno dos ongueiros atuais: com as fartas verbas do capitalismo. Além do apoio do então governador do Rio Grande do Norte, Aluízio Alves, Paulo Freire realizou a campanha de alfabetização — base de sua “Pedagogia do Oprimido” — com recursos da Usaid, a agência de assistência externa norte-americana criada em 1961.
Racialismo pago em dólar
Como se vê, Paulo Freire fez escola. E não apenas dentro das salas de aula, mas também no movimento social. Hoje, muitas reivindicações gritadas nas ruas — aparentemente de modo espontâneo — são forjadas nos gabinetes de ongueiros profissionais, pagos em dólares. É o caso do movimento negro. No livro Uma Gota de Sangue, Demétrio Magnoli afirma que “as subvenções da Fundação Ford replicaram nas universidades brasileiras os modelos de estudos étnicos e de ‘relações raciais’ aplicados nos EUA e consolidaram uma rede de organizações racialistas que começaram a produzir os discursos e demandas dos similares norte-americanos”.
E aí entram as universidades que, cada vez mais, estão se tornando elas próprias verdadeiras ONGs, no sentido pejorativo do termo, ou seja, em seu viés político. Na década de 70, as universidades recebiam apenas 4% das verbas destinadas ao Brasil pela Fundação Ford; hoje, ficam com 54%, graças ao seu ativismo social, geralmente à esquerda. É ainda Demétrio Magnoli quem afirma que muitas universidades brasileiras começaram a receber verbas da referida fundação justamente quando aderiram ao proselitismo racialista importado dos Estados Unidos. Foi o caso, segundo ele, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que recebeu uma doação de US$ 1,3 milhão; da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que resistiu até 2007, quando recebeu US$ 130 mil ao instituir cotas raciais; e da Universidade de São Carlos, contemplada com US$ 1,5 milhão, em 2007, ano em que aderiu ao sistema de cotas.
De 1962 até 2001, só a Fundação Ford investiu US$ 347 milhões no Brasil, em valores corrigidos pela inflação. Os grupos mais beneficiados foram as minorias reais ou imaginárias, reconhecidas ou forjadas pelas universidades. É o caso dos indígenas, negros, mulheres e gays, que se tornaram um lobby altamente expressivo no Congresso Nacional, maculando as leis com seus casuísmos, justamente devido a esse financiamento de que desfrutam. As passeatas dessa gente tem um alto custo de organização, facilitado justamente por conta desses recursos.
Estatização ideológica
O movimento gay, por exemplo, que se vende como uma conquista espontânea de seus militantes, não passa, na verdade, de uma criação estatal. As paradas gays foram criadas e mantidas com verbas do Ministério da Saúde, a pretexto de fazer a prevenção da Aids — mesmo o ministério mentindo criminosamente sobre os dados estatísticos e afirmando que os casos da doença não tinham tendência a ser em maior número entre os gays. Depois, na medida em que o movimento gay foi ganhando força, ele começou a mostrar as mangas de fora e intensificou sua estratégia de ataque à sociedade, calcada no falso conceito de homofobia.
E a tendência das ONGs que vivem por conta do Estado é só aumentar. Sobretudo agora que a Constituição passou a tratar marmanjos de 29 anos como menores de idade, o que vai demandar a criação de novas organizações não governamentais para atender essa clientela. Hoje, problemas como uso de drogas, violência doméstica, menores de rua, preservação ambiental são todos tratados ideologicamente por ONGs financiadas pelo Estado capitalista que elas próprias combatem. O governo Lula, continuado por Dilma Rousseff, aprofundou essa tendência que já vinha do governo Fernando Henrique. É uma espécie de estatização ideológica, em que a ONG privatiza os lucros de seus sonhos futuros e socializa os prejuízos de suas loucuras de sempre.
Publicado no Jornal Opção.
José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
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