FIDES ET RATIO
Por franciscorazzo, fevereiro 21, 2012 1:24 pm
Não é fácil encontrar critérios para delimitar o nível de civilidade de uma determinada cultura. Beiramos sempre o limite entre barbárie e civilização sem saber exatamente qual a linha de fronteira que separa uma da outra. No entanto, é assustador perceber que diante de uma tragédia moral o único centro das preocupações gira em torno da cobrança de fiscalização e não do dever.
Assisti a uma reportagem sobre o acidente em Bertioga, uma garotinha de três anos de idade foi morta por um jet ski pilotado por um menino de quatorze anos, que me deixou preocupado. Não que eu tenha um critério claro para dizer o que é ou não barbárie, ou o que é ou não civilização, mas uma coisa é certa, quando a preocupação dos jornalistas é apenas, e tão somente, saber se havia ou não fiscalização suficiente na praia, há um vestígio da barbaridade por aí.
A questão é simples: devemos agir moralmente só, e somente só, na presença de um agente fiscalizador? Isso me lembra uma passagem do Miguilim do Guimarães Rosa. Miguilim pergunta para o irmão Dito: “‘Dito, como é que a gente sabe certo como não deve de fazer alguma coisa, mesmo os outros não estando vendo?’”. Responde, Dito, o irmãozinho mais velho de maneira kantiana: “‘- A gente sabe, pronto.’” O que é certo ou errado a gente sabe e pronto!
Não obstante, qualquer malandro brasileiro certamente responderia: “uai, não existe certo e errado quando não tem ninguém vendo”. Pois é, eis a consciência moral do herói brasileiro. Tirar proveito ao máximo de qualquer situação quando não tem ninguém olhando.
Recentemente li um comentariozinho, mesmo que medíocre, num post de uma adolescente no facebook muito revelador, “é preciso viver, independente do que é certo ou errado, viva!”. Poderia ter sido tirado de qualquer manual de auto-ajuda. Voltando a pergunta: o que é certo, afinal, quando não há ninguém olhando?
Se importar demais com isso é sinal de que você não tirará proveito da vida! Tirar proveito da vida não tem nada a ver com individualismo e capitalismo, antes de os críticos apontarem pra isso, mas com um tipo muito bizarro de modelo ético, na verdade, uma distorção de um modelo ético, é uma forma de hedonismo irresponsável, ou melhor, um hedonismo desleixado.
Basicamente existem três modelos de moralidade: uma ética do dever, uma ética da virtude e uma ética consequencialista. Se investigarmos qualquer um desses modelos de moralidade filosóficas, por mais antagônicos que eles sejam, nenhum, por incrível que pareça, aposta na presença de uma instância fiscalizadora para nos dizer aquilo que devemos ou não fazer.
A ética do dever diz que o certo ou errado está na intenção da ação, a ética do consequencialista, por outro lado, diz que o valor moral da ação está no resultado da ação. E uma ética da virtude busca definir, de forma mais genérica, a excelência humana como um todo.
Em todos esses grandes modelos éticos a presença de um agente fiscalizador externo à consciência individual é verdadeiramente um sinal de barbárie. Ninguém age moralmente porque tem alguém mandando e ameaçando punir. É na ausência de fiscalização externa que somos verdadeiramente livres para fazer aquilo que é certo.
No Brasil se estimula mais a presença do Estado fiscalizando do que o aprendizado de lidar com a própria liberdade. Se eu tivesse de escolher um critério para delinear a fronteira entre civilização e barbárie seria esse: é na barbárie que se cobra mais fiscalização e não consciência individual de dever. Ou seja, civilização começa no silêncio interior da própria consciência de indivíduo livre tomando decisões diante de outros indivíduos livres.
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