FOLHA
28/11/2011 - 07h32
A Benetton ainda existe. Quem diria. Caminho pelas ruas e vejo a última campanha polémica da marca: grandes líderes mundiais em beijos apaixonados.
As parelhas são óbvias em sua óbvia diferença ou inimizade. Temos Barack Obama beijando o presidente chinês Hu Jintao. O israelense Benjamin Netanyahu beijando o palestino Mahmoud Abbas. O premiê sul-coreano beijando o ditador norte-coreano Kim Jong-il.
E o Papa Bento 16, claro, que nunca pode ser esquecido nessas ocasiões solenes, beijando com solenidade o imã da Grande Mesquita do Cairo.
A mensagem da Benetton, como sempre, é "simpática", "leve" e "divertida": para que tanto ódio quando um beijo cura tudo?
Divulgação/Benetton |
Campanha da Benetton apresentou montagem com Hu Jintao e Obama, presidentes da China e dos EUA, respectivamente |
O problema da campanha da Benetton é que ela revela, de forma cristalina e aparentemente inofensiva, o que existe de ilógico na mensagem pacifista. Porque não há nada de mais ilógico do que a ideia "consensual" de que todos os seres humanos têm igual mérito moral.
Não interessa o que você é. Não interessa o que você faz. Para a Benetton, não existem diferenças entre um democrata e um ditador; não existem diferenças entre alguém que respeita os direitos humanos e quem os nega ou viola.
A Benetton é pacifista. E o pacifismo não discrimina: nunca atribui a nenhum sujeito uma qualidade moral distinta de acordo com a sua conduta ou carácter. Para a Benetton, somos todos iguais: criminosos ou respeitadores da lei; fundamentalistas ou tolerantes - somos todos, numa palavra, beijoqueiros.
Eis, em propaganda publicitária, a filosofia do nosso tempo. Um tempo que fez da neutralidade perante qualquer valor o seu único dogma aceitável. "É proibido proibir!", dizia-se no maio parisiense de 1968. Hoje, é proibido condenar.
E se as vítimas, ou as famílias das vítimas de alguns desses ditadores ou torcionários, ainda alimentam um grão de ódio pelas injustiças dos carrascos, a Benetton tem um conselho para elas: fechar os olhos, juntar os lábios - e beijá-los.
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na Ilustrada e quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha.com.
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