QUARTA-FEIRA, 26 DE JANEIRO DE 2011
Uma cena absolutamente normal
na programação da MTV Brasil
Roger Scruton:American Enterprise Institute, 13 de outubro de 2009
Original: TV Will Never Poison My Children's Minds
Tradução e links: Dextra
Para minha surpresa, o governo australiano voltou-se contra a televisão. É verdade que seu relatório limita-se ao efeito sobre crianças pequenas e toma a forma de diretrizes não-obrigatórias: o relatório diz que não se deveria permitir que nenhuma criança com menos de 2 anos assistisse TV.
Mas nenhum segmento da população é mais viciado em TV do que os políticos, que competem entre si por um lugar na tela, e eu já desesperei de ouvir a verdade a respeito deste veneno da parte de alguém com o poder de controlá-lo. Governos que assumem uma postura contra a televisão são tão inverossímeis quanto donos de destilarias que se opõe ao álcool ou proprietários de gado de leiteiro que se opõe ao leite.
Há 20 anos ou mais se sabe que a televisão induz a distúrbios mentais, tais como maior agressividade, capacidade de atenção diminuída e uma abilidade reduzida de se comunicar, e que todos estes distúrbios implicam num custo social ainda maior do que a obesidade e a letargia, que são os efeitos colaterais físicos normais da TV. A pesquisa dos psicólogos Mihaly Csikszentmihalyi e Robert Kubey mostrou que a televisão também é viciante, estabelecendo atalhos para o prazer que precisam de constante reestímulo. Como ameaça para a saúde da nação, ela ocupa uma posição muito acima do álcool, das drogas ou do tabaco e a preocupação é que pode ser tarde demais para se fazer algo a respeito, já que o vício é simplesmente universal.
Ela é uma constante presença piscante que compete por atenção com todo o andamento necessário da vida diária. Ainda pior do que o efeito da televisão sobre os adultos é seu efeito sobre as crianças pequenas. O cérebro humano não está totalmente desenvolvido no nascimento e continua crescendo ao longo dos primeiros anos, de maneiras que dependem de uma constante exploração do meio ambiente. Esta característica de nosso desenvolvimento é exclusiva de nossa espécie e está no cerne do que é ser humano. Muitas das conexões vitais para uma vida adulta plena -- sobretudo as que envolvem uma compreensão da vida social -- não existem no nascimento e surgem à medida em que o cérebro se desenvolve, nos primeiros cinco anos.
Cérebros sujeitos aos estímulos errados nos primeiros anos ficarão mal conectados; capacidades vitais, tanto intelectuais quanto emocionais, não poderão ser adquiridas e o resultado será um ser humano com seu desenvolvimento comprometido. Se você não acredita nisto, basta se perguntar como você poderia explicar o súbito aparecimento, na era da televisão, de tantos jovens que são pouco articulados, têm pavio curto e são incapazes de formarem relacionamentos duradouros ou cordiais.
Esta síndrome -- que testemunhamos em toda parte, na sala de aula e em nossas ruas -- é exatamente o que os neurologistas prevêem. Quando as crianças são distraídas por uma tela bruxeleante desde a mais tenra idade e nunca são encorajadas a explorarem o mundo real, elas não desenvolverão a capacidade de se comunicarem com outros humanos ou de lidarem com as tensões de conflitos reais. Elas tomarão o caminho mais curto, que não é o caminho da comunicação, mas da agressão.
Como todo meio de comunicação, a televisão tem suas utilidades. Há importantes programas educacionais, nos quais as imagens comunicam o que não pode ser transmitido de nenhum outro modo. Há clássicos na TV e formas de entretenimento inocente que se adequam de forma ideal à tela. Um programa sério de TV deve ser tratado como um livro ou uma visita ao teatro -- a ser absorvido com uma disposição mental crítica.
Mas não é assim que a televisão é utilizada. Ela é uma constante presença piscante que compete por atenção com todo o andamento da vida diária. Com o passar dos anos, à medida em que seu impacto perdia vigor, ela recorreu a roupagens cada vez mais vulgares, a uma linguagem cada vez mais grosseira e a closes faciais cada vez mais hipnóticos. Quando a TV está ligada, e em um terço dos lares australianos, aparentemente, ela nunca está desligada, é impossível conversar e as habilidades conversacionais não podem se desenvolver. Além do mais, mesmo a mais sábia e meiga observação perderá seu sabor quando ouvida simultaneamente às clamorosas vulgaridades que saem da tela.
Tudo isto era óbvio muito antes de a pesquisa psicológica tê-lo confirmado. Devo dizer que esta pesquisa não me surprendeu em nada. Na minha infância, a televisão era um luxo raro; as transmissões começavam às 6 da manhã e eram constantemente interrompidas por problemas técnicos. Meu pai assumiu uma postura de princípios em relação a esta intrusa, que minha madrasta havia contrabandeado para dentro de casa, e a desligava sempre que entrava na sala de estar. Naqueles poucos anos antes de ele finalmente tê-la despachado com um martelo, a TV nunca conquistou uma posição segura que lhe permitisse competir com os livros e a música. Então eu cresci fora da cultura que a televisão gerou.
E é por isto que hoje não há nenhuma televisão na Scrutópia. É claro que nossos filhos a vislumbram de tempos em tempos, quando visitam amigos e vizinhos. E eles adquiriram competência o bastante nas bobagens mais comentadas para conseguirem seguir as conversas um tanto limitadas dos que a assistem. Quando conosco, no entanto, eles seguem hábitos antiquados, como conversar, ler, andar a cavalo e tocar piano. Não me surpreende que elas tenham perdido todo o desejo de possuriem sua própria televisão e estejam bastante satisfeitas, no que se refere à tela, a verem DVDs no computador, selecionados e censurados por seus pais.
Pode ser que eles estejam perdendo. Mas as coisas boas que eles têm, me parece, compensam de longe as coisas boas que lhes faltam. O triste é que tão poucos pais pareçam concordar comigo.
Roger Scruton é membro do AEI.
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