| 02 MARÇO 2010
INTERNACIONAL - RÚSSIA
INTERNACIONAL - RÚSSIA
Os financiadores podem acreditar que o dinheiro faz o mundo girar. Deixe-os tentar parar uma salva de mísseis balísticos intercontinentais com o sentimento liberal e o dinheiro.
Conheça Marina Kalashnikova: uma historiadora, pesquisadora e jornalista moscovita. Em agosto de 2008, ela criticou "especialistas" estrangeiros que sugeriram que um conflito com Moscou não acontecerá porque a elite russa está intimamente ligada ao Ocidente. Segundo Kalashnikova: "O Ocidente vive um sonho produzido pelo desejo que a realidade seja o que o Ocidente quer que ela seja e não o que ela verdadeiramente é. E mesmo quando Moscou volta-se para a revivescência do culto à personalidade de Stalin e da ideologia da Cheka [isto é, da polícia secreta], o Ocidente não se preocupa em acordar desse sonho."
Temo que Marina Kalashnikova esteja certa. O Ocidente está sonhando, e o Ocidente sofrerá as conseqüências. Se o Kremlin gosta de Stalin, então haverá problemas. Se os funcionários da KGB criaram uma forma sofisticada de ditadura na Rússia, eles o fizeram por um motivo. Nós devemos lembrar os nossos políticos de memórias curtas que Stalin e sua polícia secreta não estavam liderando uma escola dominical. Além disso, o recente rastro de sangue e radiação que aponta para o Kremlin é como um dedo apontando para o maior perigo do nosso tempo - apagado da tagarelice midiática do momento. (Um agente da KGB aposentado disse recentemente que "ninguém é mais fácil de comprar do que um jornalista ocidental.")
A Rússia construiu uma aliança de ditadores, o que Kalashnikova chama de uma "aliança das forças e regimes mais desenfreados." Extremistas de todos os tipos servem ao objetivo de quebrar a paz, danificar as economias ocidentais e preparar o palco para uma revolução global na qual o equilíbrio de poder mude dos Estados Unidos e do Ocidente para o Kremlin e os seus aliados chineses. "Entre as idéias que animam os analistas gerais do Kremlin, há a idéia de difusão", diz Kalashnikova, "Não é que o Kremlin deva esforçar-se para ter uma expansão territorial e uma disseminação de seu modelo [político]. A coisa fundamental é o poder e o fulcro de um contexto estratégico geral. Nesse caso, mesmo que os americanos pareçam ter influência nos países pós-soviéticos, Moscou continua no comando. O Estado-Maior [russo], portanto, tem expandido com êxito a posição de Moscou para além e acima da posição da antiga União Soviética na África e na América Latina." O que prevalece, diz ela, é "a afirmação e a determinação de Moscou, sem medo de uma reação do Ocidente."
Em outras palavras, o Ocidente já foi suplantado. A KGB e o Estado-Maior russo já nos sondaram, e eles estão rindo de nós. Nossos líderes não percebem a sofisticação do seu inimigo. Eles não podem ver nem entender o que está acontecendo. Eles piscam, eles viram as costas, e continuam usando conceitos fornecidos a eles por agentes de influência soviéticos há muito tempo. Como nação, nós estamos confusos e desorientados, acreditando que o mundo está em dívida com o poder monetário do Ocidente - e, portanto, que a paz pode ser comprada.
"O Kremlin ativou uma rede de extremistas no Terceiro Mundo", escreveu Kalashnikova. "[Ao mesmo tempo], a Rússia conseguiu livrar-se de quase todas as convenções internacionais que restringem a expansão de seu poderio militar." Nesta situação, o único obstáculo para o poder russo é o poder americano. Mesmo assim, o presidente norte-americano se prepara para abdicar desse poder com uma série de acordos de controle de armas, que deixarão os Estados Unidos vulneráveis a um primeiro ataque. Colocando isso em contexto, as armas nucleares são armas de ultimato, de forma que a superioridade ocidental em armas convencionais deixe, portanto, de ter sentido. Quem ganhar supremacia estratégica nuclear governará o mundo; e as forças russas de foguetes estratégicos estão no lugar, prontas para o lançamento, enquanto as forças nucleares americanas estão apodrecendo por negligência.
A historiadora russa considera que o Ocidente depende da ganância da elite russa para manter o Kremlin na linha. Mas esse é um conceito tolo. Mao Zedong disse que o poder político "emana do cilindro de uma arma." Portanto, a lógica do Kremlin é dura: deixe o Ocidente manter sua moeda inútil. Moscou terá armas, e, no final, Moscou e seus aliados controlarão tudo. Os liberais podem acreditar que os protestos e apelos à humanidade são o trunfo final. Os financiadores podem acreditar que o dinheiro faz o mundo girar. Deixe-os tentar parar uma salva de mísseis balísticos intercontinentais com o sentimento liberal e o dinheiro. Até onde valem as leis da física, os seus instrumentos preferidos não podem parar um único míssil.
Segundo Kalashnikova, "Está claro que o regime [do Kremlin] não tem limites e irá cometer qualquer crime, quebrar qualquer regra, superar qualquer referência a fim de consolidar seu já ilegítimo poder..." Até mesmo o antigo chefe da KGB, Vladimir Kryuchkov, ficou chocado: "Putin e outros têm de responder pelo que estão fazendo com o país hoje", disse ele. Mas o Ocidente dorme. O Ocidente não quer ouvir sobre o perigo que se levanta no Oriente - desde o Kremlin e de seus aliados chineses. Como Kalashnikova aponta, as advertências de observadores russos, como Viktor Suvorov e Vladimir Bukovsky, foram quase totalmente ignoradas. O chauvinismo ocidental está profundamente arraigado, e o homem ocidental dá por garantida toda a sua superioridade militar e econômica. Ele ri da idéia de que "os russos estão chegando." Mas a piada é sobre a América. A vantagem psicológica do Kremlin é vital e imediata, e se estende ao domínio político. Isso é significativo porque o resultado de cada guerra é pré-determinado pelo processo político que levou à guerra.
Kalashnikova lamenta que Suvorov e Bukovsky permaneçam tão desconhecidos, "e são até odiados peloestablishment ocidental..., [que] evita verdades desconfortáveis sobre o mundo e sobre si mesmos, especialmente quando a verdade vem de críticos russos." Será que os americanos têm senso? Eles são pessoas sérias? Não, disse Suvorov mais de duas décadas atrás. Não, diz hoje Kalashnikova. Os generais russos estão se preparando. Eles estão consolidando a sua influência, porque a próxima guerra exige isso.
"A idéia da OTAN de intimidação pela posse de armamento nuclear não significa absolutamente nada para os generais russos", escreveu Kalashnikova. "Ao contrário dos seus homólogos ocidentais, eles não têm medo das grandes perdas militares e civis. Isso já era verdade na época de Stalin. Perdas não afetam a popularidade dos governantes do Kremlin..." O filósofo Nietzsche escreveu certa vez que sacrificar pessoas para um Estado ou para uma idéia faz com que o Estado ou a idéia sejam os mais preciosos de todos para aqueles que fizeram o sacrifício. Tal é a psicologia humana ontem, hoje e amanhã.
"O equilíbrio estratégico", alertou Kalashnikova, "não funciona e nunca funcionou." Estando do lado de fora da lógica da intimidação nuclear, os líderes do Kremlin estão modernizando seus bunkers nucleares. Eles estão preparados para sobreviver. "Os militares russos de hoje não são mais fracos do que os da URSS", diz ela, "e em algumas áreas ultrapassam os militares soviéticos." - Isto vindo de uma escritora que entrevistou pessoalmente generais, chefes de espionagem e estadistas russos. Ela vai além e diz que, depois de 11/9, pode-se supor de forma realista que terroristas aliados da Rússia tenham desempenhado um papel fundamental na equação estratégica. E então ela providencialmente cita um funcionário da OTAN que falou sobre o papel da Al Qaeda e de Bin Laden da seguinte maneira: "Isso [o ataque de 11/9] está além de suas capacidades intelectuais." Este tipo de idéia é conhecida por provocar "reações de polônio", como no caso do ex-tenente-coronel da FSB Alexander Litvinenko - que declarou publicamente que Vladimir Putin era o terrorista mestre por trás da Al Qaeda.
E aqui é onde a coisa se complica. Quando Marina Kalashnikova apresentou sua análise aos leitores russos e ucranianos em 26 de agosto de 2008, ela irritou o regime e tornou-se um alvo da polícia secreta russa. Sua residência em Moscou foi arrombada. Papéis privados foram roubados. Ameaças foram feitas. E, por último, mas não menos importante, ela foi presa contra sua vontade em uma clínica psiquiátrica por 35 dias. "Estou completamente saudável", disse-me Kalashnikova durante uma entrevista por telefone no domingo. "Foi algo totalmente político... não há nada de clínico."
E que desculpa eles deram para quebrar a fechadura e pegá-la? "Alegaram que fui agressiva", explicou ela, "mesmo estando eu atrás da porta da minha própria casa." O que ela fez, é claro, foi revelar as intenções hostis do governo russo em relação aos Estados Unidos. "Ontem mesmo", explicou ela, "eu recebi ameaças de que eles iriam me levar de volta à clínica, porque eu não cumpri o acordo de não interferir em assuntos políticos aqui. Estou proibida de fazer jornalismo, política, entrevistas e tudo mais. Então eu só posso lidar com a minha vida cotidiana. Meus esforços, e minha comunicação ativa com o Ocidente sobre esta prisão psiquiátrica [estão proibidos]. Sinto-me completamente insegura aqui. Não é piada. Não é exagero. A realidade é ainda mais terrível e criminosa. Tento não assustar as pessoas. O povo americano está muito confortável. Minha descrição da situação está muito aquém e abaixo da realidade. É muito perigoso. A situação precisa urgentemente do discernimento deles."
E sobre qual situação ela está falando?
"Eu acho que a Rússia sempre teve a América como o inimigo", Kalashnikova me disse, "e continua da mesma forma. Eu acho que todos os preparativos feitos pela Rússia são preparativos militares, são preparativos para a guerra. Recentemente, eu falei três vezes com... um ex-político, funcionário do partido e brilhante diplomata... e ele confirmou que eles esperam a guerra".
Espero que Marina Kalashnikova esteja a salvo, e que os americanos irão apreciar a sua coragem, dar atenção a seus alertas, e evitar a eclosão de uma guerra com zelo e vigilância. Marina me deu permissão para contar sua história e relatar suas palavras àqueles que estão dormindo no Ocidente. Ela precisa da nossa ajuda, e ela merece.
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