Por Klauber Cristofen Pires | TERÇA-FEIRA, NOVEMBRO 18, 2008
O famoso jurista Paulo Nader, em seu livro Introdução ao Estudo do Direito[i], tece uma interessante discussão sobre o Direito Natural, acerca do qual pareceu-me um disposto entusiasta. Sendo a doutrina dos liberais austríacos fundamentalmente alicerçada sobre princípios de Direito Natural, não pude deixar de acompanhar com interesse o pensamento do ilustre magistrado quanto à matéria.
No ambiente jurídico-acadêmico pátrio, não é de se desprezar qualquer linha deitada no papel que trate do Direito Natural, haja vista a sólida tradição positivista que ainda goza de uma ampla hegemonia. Não obstante o insigne mestre mencionar que a ortodoxia kelseniana começa a mostrar sinais de cansaço no meio doutrinal, o Direito Natural ainda é apresentado de uma forma um tanto incipiente, de forma que não seria exagero admitir que entre os caboclos ainda se o conceba de forma não mais que intuitiva, seja recorrendo à sua concepção divina ou ainda, panteisticamente, a uma alegada natureza do homem.
Entretanto, atribuir alguma origem às coisas não é o mesmo que explicá-las. Qualquer conhecimento que seja pode ter origem divina, desde que assumamos que Deus existe e que tudo ao nosso redor funciona sob Seu decreto. O mesmo se dá quando afirmamos que qualquer conhecimento social tem origem no homem, uma vez que as relações humanas decorrem, obviamente, das ações por eles cometidas. O Universo existe, foi criado por Deus, mas o estudamos, para compreender as leis que regem o seu funcionamento. Para conduzirmos uma embarcação de um lugar a outro, não basta crermos em Deus, mas antes, precisamos descobrir o conhecimento necessário à segura navegação.
O Direito Natural filosoficamente estudado de uma forma sistemática tem como precursores os escolásticos espanhóis dos séculos XVI e XVII, com destaque para o padre jesuíta Juan de Mariana[ii], que com sua mais importante obra, De monetae mutatione (Sobre a alteração do dinheiro), publicada em 1605, deduziu que o rei não pode exigir tributos sem o consentimento do povo, desde que são simplesmente uma apropriação de parte da riqueza dos indivíduos. Mariana teve no frade dominicano Francisco de Vitória a base epistemológica segundo a qual o Direito Natural é moralmente superior ao poder do estado. Vitória foi o fundador da tradição escolástica espanhola de denúncias contra a conquista e a escravidão dos índios pelos espanhóis no Novo Mundo. Também são nomes ilustres desta escola Diego de Covarrubias y Leyva, Luis Saravia de la Calle, Juan de Lugo, Jeronimo Castillo de Bovadilla, Luis de Molina e Martin Azpilcueta Navarro.
Da tradição escolástica, a chama do Direito Natural tem sido mantida acesa com os franceses Cantillon, De Say e Turgot, com o polonês Carl Menger, o tcheco Eugen von Böhn-Bawerk, o austríaco Friedich Wieser e veio a brilhar com esplendor pelo pensamento do judeu-austríaco Ludwig von Mises. Na era contemporânea, abundam nomes tais como Friedich Hayek, Murray Rothbard, Hans-Hermann Hoppe, Llewellyn H. Rockwell Jr. e outros tantos.
Com tanta profusão literária, e justamente proveniente da tradição continental européia, é de se estranhar que nenhum destes ilustres sábios conste nem sequer como nota de rodapé nos compêndios acadêmicos da área jurídica. Certo é que houve uma gradativa evolução do Direito Natural para a Economia, tendo esta por sua vez evoluído, pelas mãos de Mises, para a Praxeologia, por meio de sua magistral obra “Ação Humana[iii]”. Nada de se estranhar, porém, eis que a Economia e o Direito, para os “austríacos”, são ciências afins, de modo que Direito Natural tem a informar a ambos pelos mesmos raciocínios.
Atribuir, portanto, ao Direito Natural a sua prevalência sobre o Direito Positivo por ter origem divina ou decorrente da natureza humana, conquanto verdadeiro isto possa ser, pode antes mistificar do que explicar, e pior, pode abrir as portas para a inserção de postulações que se pretendam naturais sem o devidamente ser. O Direito Natural não é o que andam a chamar de “Direito achado nas ruas...”.
Outro enfoque do jurisconsulto apresenta-se como uma proposta de solução intermediária entre este incipiente e abstrato Direito Natural e o Direito Positivo. Neste aspecto, o mestre defende a Concepção Humanista do Direito, a qual, pretendendo conciliar os valores justiça (Direito Natural) e Segurança Jurídica (Direito Positivo), sustenta que o Direito deve proteger o direito à vida, à liberdade e à igualdade de oportunidades. Mais uma vez, o insigne professor não deixa de chamar a atenção, dado que o tripé dos austríacos é formado pelos conceitos de proteção à vida, à liberdade e à propriedade.
Afinal, o que teria a nos informar o Direito Natural, isto, é, tal como o concebido pela tradição escolástica e atualmente a base dos liberais “austríacos”? Encontrar-se-ia a justiça na defesa da igualdade de oportunidades ou na defesa do direito à propriedade?
Quem aqui nos responde com indubitável clareza é o filósofo Hans-Hermann Hoppe, por meio do seu livro “Uma Teoria sobre o Socialismo e o Capitalismo[iv]” a nos ensinar que a sociedade pautada pela busca desenfreada da igualdade de oportunidades é sim, uma sociedade que adota uma das piores e mais perversas formas de socialismo: “Como conseqüência, terá lugar um grau jamais visto de politização. Qualquer coisa parece propícia agora, e tanto produtores quanto não-produtores, os primeiros por motivos defensivos e os segundos por propósitos agressivos, serão orientados a gastar mais e mais tempo no papel de levantar, destruir e contestar demandas distributivas”. O fato é que, segundo o professor alemão, a sociedade começará a gravitar em torno de grupos de pressão política, sendo que, a cada conquista de um deles, surgirá o pretexto para os demais reivindicarem a correção do alegado desequilíbrio decorrente, num processo crescente e interminável.
No site da International Society for Individual Liberty[v], jaz disponível, em português, uma brilhante animação, em que se declaram os valores vida, liberdade e propriedade como indissociáveis e aprioristicamente fundamentais (Cavaleiro do Templo: acesse o site ou assista o vídeo logo abaixo, a Filosofia da Liberdade). Segue a exposição: “perder a liberdade é perder o presente; perder a vida é perder o futuro; e perder o produto de sua vida e liberdade (a propriedade) é perder o seu passado”.
Do exposto, não temos dúvida que a idéia de uma sociedade que tem como fundamento de justiça a igualdade de oportunidades tende a não ter justiça nenhuma, e do ponto de vista econômico, vir a sofrer um relativo ou até mesmo absoluto empobrecimento.
Temos, todavia, que possivelmente o sábio e experiente jurisconsulto refira-se, quando cita a igualdade de oportunidades, a deveres mínimos que a Nação deve constitucionalmente aos seus cidadãos, entre os quais o direito a uma educação de qualidade que possibilite aos mais pobres condições mínimas de se erguerem na vida.
De um ponto de vista conservador, tal defesa é louvável em um país onde os estudantes, não raro, chegam ao ensino superior com graves deficiências cognitivas, embora sob o ponto de vista liberal a melhor solução ainda seria a privatização – e desregulamentação - total do ensino. Mal e mal, grandes nações livres se formaram graças a políticas públicas massivas neste sentido.
[i] NADER, Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 2008. 30ª ed.
[ii] DE SOTO, Jesus Huerta, Juan de Mariana:the influence of the spanish scholastics, Site do Institutto Ludwig von Mises, com acesso em http://mises.org/resources/3238 em 18/11/2008.
[iii] MISES, Ludwig von Mises, Ação Humana, Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1990, 3ª ed.
[iv] HOPPE, Hans-Hermann, Uma Teoria sobre o Socialismo e o Capitalismo, tradução de Klauber Cristofen Pires, disponível para download em http://libertatum.blogspot.com/ .
[v] International Society for Individual Liberty - http://www.isil.org/resources/introduction-portuguese.html, em 18/11/2008.
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