Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Para além dos milagres


Diário do Comércio, 16 de janeiro de 2009


Eric Voegelin usava o termo "fé metastática" para designar a crença ou esperança numa repentina transfiguração da estrutura da realidade e na subseqüente emergência de uma ordem paradisíaca. A expectativa dessa transformação perpassa toda a literatura revolucionária desde o século XVI. Com o tempo, acabou por se tornar uma figura de pensamento incorporada de tal modo nos usos populares, que a ela se pode recorrer com relativa certeza do efeito psicológico, a despeito do fracasso de todas as transfigurações anteriores.


O pressuposto embutido na expectativa revolucionária é que as limitações e entraves à realização dos desejos humanos não vêm da ordem geral do universo nem muito menos da natureza humana, mas de algum fator específico, inessencial e removível, cuja destruição abrirá as portas para um novo reino de felicidade e realizações majestosas. O obstáculo pode ser uma classe social, uma raça, um país, uma religião ou uma instituição. Destruído o inimigo, "tudo será mais belo", como dizia Antonio Gramsci num arremedo de conto de fadas que escreveu para a doutrinação de sua própria filha. Trotski assegurava que, eliminada a exploração capitalista, o potencial de auto-realização humana seria liberado ao ponto de cada varredor de rua ser um novo Leonardo da Vinci. Marx sonhava com um reino de possibilidades ilimitadas no qual não haveria nem mesmo divisão de trabalho e a própria noção de "profissão" seria eliminada: cada cidadão seria operário, artista plástico, gênio das ciências naturais, esportista, militar e político, tudo isso no mesmo dia.


Voegelin enxergava a origem remota da fé metastática revolucionária no profetismo hebraico: "Na profecia de Isaías defrontamo-nos com a esquisitice de que Isaías aconselhasse ao rei de Judá não confiar nas fortificações de Jerusalém ou no fortalecimento do seu exército, mas na fé em Iavé. Se o rei tivesse verdadeira fé, Deus faria o resto, produzindo uma epidemia ou espalhando pânico entre os inimigos, de modo que o perigo para a cidade se dissolveria." Ele confessa que só não usou o termo "magia" para não ofender a memória do profeta, mas a fé metastática – a esperança numa metástase da realidade por efeito de um ato de fé – não passa, no fim das contas, da aposta num poder mágico.


Qual a diferença, então, entre a esperança metastática e a fé em milagres de modo geral? Afinal, uma súbita reversão no curso das batalhas, sem aparente iniciativa humana que a justifique, é algo de bem menos espantoso do que a "dança do sol" em Fátima, testemunhada por setenta mil pessoas. Por que a fé extremada do rei de Judá no auxílio divino seria mais insensata do que a confiança com que três crianças portuguesas, advertidas por Nossa Senhora, compareceram fielmente na data e local marcados para o encontro com um sinal dos céus? Se o rei se abstivesse de construir as fortificações, confiando-se folgadamente à promessa de uma intervenção divina, ele teria rompido por sua própria iniciativa a lógica de causa e efeito, antecipando-se à ação de Deus e apostando em poder controlar a realidade por meio dela. Aí reside a diferença entre a magia e o milagre, ação divina transcendente ao controle humano. Mas o milagre, como se vê no exemplo de Fátima e como eu mesmo expliquei numa conferência recente (resumida por Jack Elliott na revista eletrônica The Voegelin View), não tem nada a ver com uma transfiguração da ordem da realidade: ele é apenas a abertura localizada e temporária do mundo humano para uma ordem de realidade maior e mais abrangente, onde o aparentemente impossível se revela possível, mas só em circunstâncias excepcionais que levam o nome de “milagres” justamente por serem raridades dignas de admiração (miraread-miraremiraculum). Em torno da área beneficiada pelo milagre, a ordem do universo permanece intacta. A fé metastática, ao contrário, aposta numa transfiguração radical da ordem geral: as possibilidades divinas seriam postas ao alcance humano de maneira universal e definitiva. A fé metastática não imita a estrutura do milagre, mas a do Apocalipse: não se trata de uma intervenção vinda dos céus para alívio e encorajamento dos homens neste vale de lágrimas, mas da transfiguração completa do vale de lágrimas em paraíso de liberdade, paz e abundância. Isso é infinitamente maior do que um simples milagre ou mesmo do que a coleção completa dos milagres registrados desde o início da história humana.


Mais ainda: na visão bíblica, o advento do novo céu e da nova terra só é possível com a extinção do presente universo e a conseqüente absorção da realidade finita na escala do infinito. A fé metastática, ao contrário, despreza essa exigência e se proclama capaz de espremer as possibilidades infinitas dentro das medidas finitas do universo físico presente. Eis por que ela não é fé religiosa: é loucura em sentido estrito. Graças à onipresença da fé metastática entre os componentes da moderna cultura revolucionária, a esperança nessa loucura é hoje em dia uma força latente no inconsciente das massas, podendo ser ativada a qualquer momento, seja para impeli-las à violência genocida ou para transformar um farsante medíocre, um Barack Hussein Obama qualquer, em nova encarnação do Messias.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".