CELSO GALI COIMBRA
09/05/2012 — Celso Galli Coimbra
Por Celso Galli Coimbra
Em 09 de março de 2012, foi publicada a notícia de que a Comissão de Juristas nomeada pelo Senado para elaborar o anteprojeto de lei do novo Código Penal está ampliando as regras para o aborto legal. Se formos examinar o conteúdo desta suposta “ampliação” veremos que é mais uma pegadinha jurídica em torno desta questão, pois o que está de fato sendo proposto é a total liberação do aborto [1].
É induzir a erro a sociedade brasileira dizer que existe mera “ampliação” das hipóteses de aborto, mas que ele “continua sendo crime”, pois o texto em que está exarada confere norma em branco à administração da subjetividade de profissionais da medicina e da psicologia para autorizar o amplo abortamento, quando preceitua que abortar é possível sem punibilidade “Por vontade da gestante até a 12ª semana de gravidez, se o médico ou o psicólogo atestar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade”
Se qualquer médico ou psicólogo puder atestar que a mulher pode abortar até a 12a. semana de gravidez por não ter “condições de arcar com a maternidade”, então o aborto pode ser objeto de mera concessão em aberto de médicos e psicólogos e ainda sob o indefinido pretexto de “não poder arcar com a maternidade”. Para resumir o assunto: é suficiente uma mulher dizer para médico ou psicólogo que não quer continuar a gestação, que isto pode, sem dúvida alguma, ser aceito como “falta de condições para arcar com a maternidade”.
Porém, antes deste estratagema, é notória a falta de permissão legislativa para o Congresso Nacional aprovar a alteração do momento de proteção ao início da vida humana estabelecido na concepção ou sequer exceções ao mesmo (art. 4, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos), que por disposição constitucional – ao final demonstrada – NEM por Emenda Constitucional pode ser objeto de tramitação no Poder Legislativo. E um Código Penal é apenas legislação ordinária federal.
LEI COM CONTEÚDO ABORTISTA NÃO PODE TER TRAMITAÇÃO NO LEGISLATIVO ou LEI INCONSTITUCIONAL É DIFERENTE DE TRAMITAÇÃO INCONSTITUCIONAL
Dizer que uma lei é inconstitucional é diferente de dizer que a tramitação de projetos de lei que têm por objeto a alteração do momento de proteção à vida humana, ou abertura de exceções ao mesmo, não podem ter andamento para votação pelos parlamentares.
Uma lei pode ser inconstitucional e, mesmo assim, pode ter andamento nas casas legislativas, seguida da sanção dos Executivos e entrar em vigor no Brasil, de tal forma que sua inconstitucionalidade somente possa vir a ser declarada para todos ou para alguns mediante ação judicial própria.
Ao contrário, quando o valor maior protegido pela Constituição é de caráter pétreo por dizer respeito a tratados de direitos humanos firmados pelo Brasil e que seguiram a ratificação interna e formal prevista na época dentro do país, é a própria tramitação de Emendas Constitucionais e leis ordinárias que NÃO são permitidas, na vigência da atual Constituição.
Isto é assim determinado para não haver risco de que uma lei inconstitucional – alterando o início da proteção da vida humana na concepção – possa entrar em vigor para ter posteriormente a sua inconstitucionalidade levada a julgamento.
Nestes casos especiais, o legislador constitucional impede, então, é a tramitação no Congresso Nacional.
Esta diferença vital entre lei inconstitucional e projeto de lei com a tramitação legislativa proibida, passa normalmente despercebida. No último caso, em situações excepcionais, como a alteração do momento de proteção à vida humana ou exceções a este momento, o que é inconstitucional é desde logo a tramitação de um PL ou emenda constitucional com este conteúdo.
Isto significa que apenas com uma nova Constituição seria cogitável esse encaminhamento, não com a que está em vigor.
A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Norma específica da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), firmada pelo Brasil em 1992 e, por isso integradacomo norma de direitos humanos da Constituição Federal como cláusula pétrea por força do disposto no art. 5º, § 2º (“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte.”) e § 3º (“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos [...] serão equivalentes às emendas constitucionais.”), assegura a proteção à vida humana desde a concepção, no seu art. 4º: “Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”
Diante destes mandamentos constitucionais, acrescidos pela integração da CADH ao constitucionalismo brasileiro, em 1992, verifica-se:
1) o nascituro, desde a concepção, passa a ser considerado pessoa para o direito, não mais apenas vida humana que já seria protegida por ele; e
2) seu direito à vida está protegido desde o momento da concepção sob o status de cláusula pétrea constitucional por ser preceito de direitos humanos;
3) o que significa que a vida do nascituro, desde a concepção, não pode ser desrespeitada até mesmo por emenda à Constituição, diante do art. 60, § 4º, IV, da CF: “Não será objeto de DELIBERAÇÃO a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.” (grifos nossos)
Enfatizamos: no seu artigo 60, § 4º, IV, a Constituição está proibindo que projetos de lei e emendas de conteúdo abortista possam seguir para deliberação do Poder Legislativo. Ou seja, a própria tramitação destes projetos, sejam de leis, sejam de emendas, não podem ir além da Comissão de Constituição e Justiça do Poder Legislativo, onde constatada esta inconstitucionalidade de conteúdo impedido de tramitação, eles terão que ser obrigatoriamente vetados e excluídos de encaminhamento para deliberação do Poder Legislativo Federal, por força do citado acima.
Portanto, é um direito pétreo à proteção da vida humana, a proibição de deliberação de leis ou emendas que comprometam a sua existência. Como a todo direito sempre corresponde uma ação judicial em sua defesa, caso aquele não seja respeitado, desde esta fase proibitiva de deliberação, cabe acionar o Poder Judiciário até o STF no Brasil e recorrer em última instância à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sem que isto represente interferência alguma em outro poder, se a CCJ aprovar para deliberação do Poder Legislativo emenda ou projeto de lei que conflite com o art. 60, § 4º, IV, da CF.
Nos casos que envolvem o conteúdo da Convenção Americana de Direitos Humanos, quem tem a decisão final é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, após esgotadas as instâncias judiciais no país de origem. No caso do Brasil, o STF não tem a palavra final como vem sendo divulgado.
Esta jurisdição final da Corte Interamericana está no artigo 5º., § 4º. da Constituição: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.”
Celso Galli Coimbra OABRS 11.352 cgcoimbra@gmail.com
1. Comissão do novo Código Penal amplia regras para aborto legal e eutanásia
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