O COYOTE
Esta entrada foi publicada em 24/04/2012, in COLABORADORES. Crie um bookmark para o link permanente. Deixe um comentário
POR RENAN II DE PINHEIRO E PEREIRA
Recentemente, começou a se disseminar com muita força uma nova tendência no meio cultural, que é o “reconhecimento acadêmico da cultura do lixo”. Conforme seus defensores, embora rejeitados pela crítica, “artistas” como a banda Calypso, sertanejos como Zezé Di Camargo e Luciano, funkeiros como o DJ Marlboro e cantores bregas como Reginaldo Rossi seriam os verdadeiros representantes da cultura popular, tanto que vendem muito, mostrando a revolta do povo contra os “modelos pré-estabelecidos” do que é e do que não é bom. Dessa forma, deveriam ter o reconhecimento que merecem, ao invés de se dar atenção a artistas com vendagem limitada, como é o caso da maior parte dos “medalhões da MPB”, que no entanto têm destaque e reconhecimento por causa de “críticos ressentidos e engessados”. Tanto que essa mentalidade já começou a ser defendida por “intelectuais de primeira hora”, ávidos por idéias supostamente revolucionárias, gerou um livro sobre a contribuição da chamada “música brega” para a luta contra a ditadura militar, “Eu não sou cachorro não”, e existem projetos semelhantes sobre os bailes funk. Aliás, quanto a esses, muitos já dizem que eles são “a maneira que os favelados encontraram para se expressar”, e por isso seriam dignos de interesse e até incentivo, tanto que até já foram declarados “Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro”. E acabou de estrear uma novela que tem entre seus personagens principais cantores de forró e sertanejo universitário. Negar a importância dessas tendências musicais ou mesmo seu direito de serem reconhecidas como manifestações culturais seria nada além de preconceito e elitismo, provavelmente com resquícios do antigo relacionamento “Casa Grande e Senzala”. Mas será que essas teses se baseiam em premissas corretas?
Para começar, é muito romântico imaginar esse quadro de artistas talentosos e perseverantes aclamados pelo público e duramente perseguidos pelos críticos até alcançarem um reconhecimento tardio. Até porque é a história real de muitas “lendas” que hoje são consideradas de grande importância para a cultura brasileira ou mundial, como Villa Lobos, Tom Jobim e Elvis Presley, mas foram objeto de controvérsia no início da carreira, e esse arquétipo moderno foi apropriado com sucesso pelo filme “Os dois filhos de Francisco (que merece ser assistido independentemente dos méritos artísticos dos biografados)”. Contudo, não se aplica a todos: a maior parte dos cantores populares “da antiga”, como Carmen Miranda, Francisco Alves e Orlando Silva, tiveram origem humilde e foram o que se podia chamar de “fenômenos de massa”, o que também se deu com muitos artistas internacionais, como Carlos Gardel e Frank Sinatra, ambos filhos de imigrantes pobres (Gardel era até filho ilegítimo) e amados como heróis em seus países ou fora deles. É bom lembrar que quando Sinatra fez seu show no Brasil, em 1980, mais de 150.000 pessoas foram assisti-lo e a reação calorosa da platéia à sua apresentação, que não pode ser creditada aos seus fãs “intelectualizados”, geralmente mais sóbrios, chegou a comovê-lo. Com certeza ele tinha fãs mais humildes que estimularam aquele entusiasmo. E mesmo estilos considerados “extremamente elitistas”, como é o caso do jazz e o tango, não tem sua origem em berço de ouro, e sim nas senzalas onde os negros eram levados como escravos para o Novo Mundo, sendo que o segundo se “encontrou” nos cabarés de Buenos Aires. Na verdade, na maioria desses casos não foi a classe alta que criou um estilo musical novo e o impôs ao “povão”, e sim “o povão” que criou um estilo musical que acabou consolidando sua importância cultural depois de ser “descoberto pela elite”. É verdade que houve exceções, como as chamadas “músicas eruditas”, mas, caso se pesquise com afinco, sempre se descobrirão nelas elementos da cultura popular dos países de seus compositores, prática em que Villa Lobos foi mestre.
Além disso, ao contrário dos grandes vendedores de discos de hoje, que não fazem mais do que reproduzir até o desgaste e “adaptar” até o limite da blasfêmia fórmulas já consagradas, como o “forrock” faz com o forró-pé-de-serra (a ponto de nos festivais em homenagem a Luiz Gonzaga promovido em Exu, sua terra natal, quase não haver representantes do verdadeiro forró nordestino), a música sertaneja faz com a música caipira, o funk, o rap e o hip-hop com a música negra e a música brega faz com a legítima música romântica para ter “sucesso certo”, os compositores e os cantores “de antigamente” acreditavam no valor de seu trabalho. E vale recordar que, enquanto “a velha guarda” privilegiava a qualidade das letras e a beleza das imagens que elas descreviam, gerando pérolas como “Chão de Estrelas”, “Arranha-Céu”, “Risque”, “Asa Branca”, “Triste Partida”, “Assum Preto”, “El dia que me quieras”, “Por una cabeza”, “Mi Buenos Aires querido”, “Over the rainbow”, “Night and day” e “Cheek to cheek”, que são poesia da mais sublime, os novos “gênios” que essa tendência celebra só chegam, no máximo, a “Vou passar cerol na mão”, “2345678 – Tá na hora de molhar o biscoito” e “Meu marido tomou a pílula do amor e a perna é que ficou dura”, que além de não serem nada criativos primam pela vulgaridade. Sendo assim, ao invés de se “dar valor” ao que o “povão” supostamente gosta dever-se-ia dar espaço igual a todas as tendências musicais e ver o que acontece.
E nesse sentido se pode perguntar: mas não é errado impor ao público uma determinada tendência cultural, quando há espaço para todos? De fato, não se deve exigir que todas as pessoas gostem de um estilo específico, e em tese há liberdade para todos terem o seu espaço, seja enquanto artistas ou enquanto público consumidor. Contudo, a realidade do mercado é bem cruel, e só dá destaque aos profissionais que se enquadram no perfil desejado pela maioria. Assim, cantores de estilo popularesco alcançam cada vez mais público, fama e espaço, enquanto artistas de outras tendências têm dificuldade de encontrar mercado, gravadoras e espaço de divulgação nas rádios e na TV, por mais talentosos que sejam (ou às vezes por causa disso). Sem mencionar que, além da vulgaridade e pobreza dessas letras, existem casos, como na musica funk, em que ela faz apologia da violência, do tráfico e da vulgarização da mulher, mas poucos se atrevem a falar abertamente sobre isso porque é “politicamente incorreto”. Do mesmo modo que não poucos se posicionam contra projetos culturais que pretendem ensinar crianças carentes a tocarem musicas eruditas, que lhes possibilitariam ampliarem seus horizontes ou seguirem uma carreira sólida, porque isso as “descaracterizaria culturalmente”.
Por último, seria interessante relembrar uma piada que circulou na Internet há algum tempo com uma hipotética prova de Vestibular de meados do Século XXI, onde se analisa o conteúdo e as influências literárias e semânticas da letra da “Egüinha Pocotó”. Independentemente de preconceitos, reflitam sobre o assunto e perguntem a si mesmos se é o tipo de prova que gostariam que seus filhos e netos fizessem no futuro. Sim, pois é o que acontecerá se deixarmos que essa tendência prevaleça.
Dessa forma, gostaria de usar esse espaço para começar uma campanha entre a população para que a mídia e as gravadoras divulguem mais música de qualidade e combater esse intelectualismo barato e vazio, dizendo NÃO AO RECONHECIMENTO ARTÍSTICO DO LIXO CULTURAL.
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