Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O anestesiamento moral da humanidade

ESTADÃO DE HOJE
Domingo, 22 de Fevereiro de 2009

Em O Paradoxo da Moral, o filósofo Vladimir Jankélévitch diz que o homem passa a maior parte da vida numa cegueira ética

Regina Schöpke

Para o filósofo e musicólogo francês Vladimir Jankélévitch (1903-1985), "o homem é um ser virtualmente ético, que existe como tal, isto é, como ser moral". Ele complementa a frase com uma afirmação surpreendente: ele é um ser moral "de tempos em tempos e de longe em longe". Parece haver algum sarcasmo nestas palavras, mas trata-se apenas de uma simples constatação: a de que embora os homens não possam prescindir dos seus valores, a verdade é que eles passam a maior parte de suas vidas numa espécie de cegueira moral ou ética, algo que Jankélévitch chama de "eclipses da consciência", "anestesiamento moral". Isso quer dizer que o homem vive transigindo com os próprios valores, praticamente alheio aos princípios nos quais diz acreditar: em suma, fala uma coisa e vive outra. No entanto, basta que algo ameace o seu castelo de areia e, então, a moral ressurge forte. "A moral tem sempre a última palavra", diz Jankélévitch.

De fato, nada parece descrever melhor a existência humana do que o eterno conflito entre os desejos e as necessidades mais profundas do indivíduo e a vida social, as obrigações e os deveres para com "o outro". Para Jankélévitch, a moral sempre será um problema filosófico, e o primeiro deles, independentemente de ser chamado de ética ou outro nome. Afinal, o homem é um animal social e, nesse sentido, o "outro" estará sempre em nosso horizonte, senão o tempo inteiro, ao menos nos momentos mais decisivos. É isso que defende Jankélévitch em seu livro O Paradoxo da Moral (tradução de Eduardo Brandão, ed. Martins Fontes, 252 págs., R$ 37,50). Nele, deparamos com a descrição dos mais profundos dilemas humanos, do eterno medo de desviar-se das obrigações por causa das paixões e até mesmo as incertezas de se viver um grande amor, não apenas quando ele se choca com as conveniências sociais, mas pela própria natureza paradoxal dessa entrega total e atordoante.

Jankélévitch, que ocupou a cadeira de filosofia moral na Sorbonne entre 1951 e 1979, faz uso de linguagem teológica quando nos fala da vox conscientiae. É assim que ele descreve esse "outro" em nós, essa voz sem interlocutor ou, simplesmente, a própria consciência "face a face" consigo mesma. Aliás, há maior paradoxo do que esse ser cindido, que vê a si próprio (ou pensa se ver)? Num âmbito mais profundo, a consciência é aquela que nos alerta dos perigos, que deseja nos conservar, é a que nos lembra de nossos deveres. Para Nietzsche, ela é uma espécie de carcereira do homem, e não um instrumento que lhe sirva de guia. Shakespeare (em Hamlet) também dizia algo semelhante ao afirmar que é ela que faz de todos nós covardes. 

Bem, sendo um conjunto de valores, normas, preceitos, proibições e ideais, a moral é, no fundo, a voz do campo social e de tal maneira ela está impregnada em nossa consciência (e inconsciente) que parece mesmo impossível romper com ela. É isso, pelo menos, que pensa Jankélévitch: por mais que nos julguemos livres, os valores que nos constituíram estão sempre agindo sobre nós. Isso é verdade e mais ainda numa moral teológica como a ocidental, que com seu jogo profundo de culpas e remorsos, eleva o drama do indivíduo à enésima potência. O homem, criado dentro dessa moral de renúncias absolutas e sacrifícios pessoais demasiado humanos (diria Nietzsche), não poderia deixar de ser melancólico e confuso. É assim que a sua vida interior, tão bem retratada por Jankélévitch, mostra-se repleta de crises de consciência, desesperos e, sobretudo, de pavor diante das paixões e dos prazeres, sempre considerados perigosos para a conservação da vida social.

Mas será mesmo a moral algo inescapável? Será que o "eu" é sempre privado de seus direitos à felicidade ou à liberdade em prol dos "outros" (o que, no fim das contas, quer dizer "todos são privados", todos os "eus": eis o paradoxo real)? Sim e não. É claro que somos seres sociais, mas sem felicidade individual também não pode haver felicidade coletiva. É verdade que a vida em sociedade exige que o indivíduo ponha o grupo acima de seus desejos egoístas, mas não de suas necessidades essenciais; uma moral ou uma sociedade que exige isso age contra o próprio homem. Eis o que Nietzsche já havia nos mostrado (e é impossível não tocar em Nietzsche quando o assunto é a moral).

Em outros termos, numa moral de renúncia total, o homem torna-se um ser cheio de falsidades: eis porque as promessas feitas serão quase sempre traídas ou cinicamente vividas (porque, no fundo, o homem não consegue e não pode abrir mão completamente dos seus desejos e paixões; ele apenas os viverá de modo atormentado). Se há algo que Nietzsche ensinou de superior a todos os outros filósofos é que tendo sido o próprio homem o criador de seus valores é sempre possível recriá-los. No fundo, a diferença capital entre Nietzsche e Jankélévitch é que se, para Jankélévitch, o homem vive anestesiado quando fecha os olhos para a moral que o constituiu, para Nietzsche, a moral acaba se convertendo no próprio anestesiamento do homem quando esses valores estão fundamentados em falsos pressupostos. 

Jankélévitch, de fato, conhece bem o homem e a moral. Mas é Nietzsche quem ensina o caminho da vida sem hipocrisias. Ele faz a guerra contra os valores que nos condenam a viver covardemente, a aceitarmos nossa condição como inexorável, a tratarmos como pecado e tentação o que é parte do nosso ser. Se Jankélévitch fala em elevação moral, Nietzsche fala em elevação real. Afinal, para o filósofo alemão, "elevar-se" significa viver de fato os valores na sua máxima potência, e não só de "tempos em tempos". Mas, para isso, é preciso estar em consonância consigo mesmo e com a vida (e não contra ela). É preciso, antes de qualquer outra coisa, ter coragem de romper as amarras e viver de verdade. 

Regina Schöpke é filósofa, historiadora e, atualmente, faz pós-doutorado na Unicamp

2 comentários:

Anônimo disse...

vc é um otario de merda que nao tem um sonho e é obsoleto e sempre sera

Cavaleiro do Templo disse...

Verdade seja dita, é quem sonha com um mundo melhor criado por decreto que é "devalirante" (devaneio + delírio).

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".