por Percival Puggina em 14 de julho de 2008
Resumo: A história caminha e a China está bombando seu crescimento numa surpreendente versão do capitalismo posto a serviço do totalitarismo.
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Parte ativa de um vastíssimo processo de acomodação de forças determinado pela globalização, a China se agiganta no contexto da economia internacional com a força de um player peso pesado. A atual curiosidade sobre o país excede, em muito, a que existia ao tempo dos mistérios e brumas resguardados pela Grande Muralha.
Nunca é demais lembrar que a partir de 1949, quando o comunista Mao Zedong finalmente derrotou os nacionalistas do Kuomintang, essa mesma China repartiu com a União Soviética os amores e os suspiros ideológicos de praticamente toda a esquerda mundial. Centenas de camaradas daqui, inclusive o núcleo central da Ação Popular e, posteriormente, da Guerrilha do Araguaia, foram buscar treinamento militar em Pequim. Em 1967, Jean-Luc Godard acabou sendo profético ao retratar no filme “La Chinoise” a influência da Revolução Cultural e do comunismo chinês sobre a burguesia estudantil francesa que se levantaria em Nanterre e na Sorbonne no ano seguinte. Em certo momento do filme, a personagem Véronique, em consonância com as receitas dos livrinhos vermelhos que se empilhavam no apartamento, afirma: “Eu botaria uma dinamite na Sorbonne, no Louvre e na Comédie Française”. O Livrinho Vermelho dessa China maoísta substituía a Playboy no banheiro da rapaziada daqueles anos muito loucos.
O tempo passou. Após a queda do Muro de Berlim sobreveio algo ainda mais inacreditável: a Grande Muralha arrombou seus portões aos investimentos estrangeiros. O capitalismo já havia chegado à Rússia, é verdade. Mas para a China ele se mudou com armas, bagagens, tecnologia, máquinas, marcas e grifes. A economia do país, crescendo segundo taxas anuais assustadoras, incontroláveis, será a segunda força mundial bem antes de 2020, suplantando o conjunto dos 27 países da União Européia. E, em seguida, ultrapassará a economia norte-americana. No livro “Cuentos Chinos”, publicado em 2005, o argentino Andrés Oppenheimer prenuncia que a hegemonia mundial, em meados do século, estará repartida entre China e Estados Unidos.
E a velha esquerda não democrática, como fica? Hoje está bem nítido que o anti-americanismo é seu grande fator de unidade, levando-a a abraçar-se com o que há de mais retrógrado no planeta - ditadores africanos, terroristas islâmicos, narco-guerrilheiros colombianos e por aí afora. Esses laços de ternura anti-americanistas ficaram evidentes na recente visita de Lula ao Vietnã, quando nosso homem no exterior transbordou entusiasmo ao lembrar o êxito vietnamita na guerra contra os EUA: “Fiquei tão orgulhoso da vitória quanto os próprios vietnamitas (...) foi a vitória dos oprimidos. E nós nos sentimos co-participantes e muito orgulhosos do significado para a humanidade da vitória de vocês". A tal grande vitória dos oprimidos matou, logo após, mais de dois milhões de seres humanos, mas acho que o co-participante Lula estava tão orgulhoso que não ficou sabendo.
Contudo, a história caminha e a China está bombando seu crescimento numa surpreendente versão do capitalismo posto a serviço do totalitarismo. É um capitalismo do pior feitio, sanguinário, destituído de quaisquer escrúpulos, que teria causado engulhos ao mais ganancioso empresário manchesteriano do século 19. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos enfrentam uma poderosa força destrutiva interna, que ataca seus valores e seu sistema. E pode acabar se tornando, num mundo bi-polarizado com a China, a versão política e ideológica domesticada pela velha esquerda, sendo por ela adotado como única alternativa remanescente. Já pensou?
O autor é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública. puggina.org
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