Luís Nassif diz que "notória especialização" justifica sua contratação sem licitação pela estatal que mantém TV Brasil
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O jornalista e empresário Luís Nassif mantém um contrato anual, fechado sem licitação, de R$ 1,28 milhão com a estatal EBC (Empresa Brasil de Comunicação), vinculada ao Palácio do Planalto e responsável pela TV Brasil.
A empresa de Nassif, Dinheiro Vivo Agência de Informações, produz um debate semanal, de uma hora, e cinco filmetes semanais de três minutos.
Do R$ 1,28 milhão do contrato, o jornalista fica com R$ 660 mil anuais a título de remuneração, o que equivale a salário de R$ 55 mil. Os pagamentos começaram em agosto. O programa estreou segunda-feira.
À Folha, por e-mail, Nassif afirmou que os insumos de produção cresceram de forma "não prevista no contrato original", por conta de "demandas adicionais da EBC", e que a parte destinada à Dinheiro Vivo corresponde a R$ 49 mil brutos mensais (ou R$ 39 mil líquidos), e não R$ 55 mil.
Os outros R$ 558 mil do contrato são destinados ao pagamento de uma equipe de nove pessoas e à compra de equipamentos. A gravação do debate é feita no estúdio da EBC, que também custeia deslocamento e hospedagem de convidados.
Em seu blog, Nassif tem se posicionado a favor do governo em várias polêmicas, discussões e escândalos. A página também se caracteriza por críticas a jornais e jornalistas.
Após a Folha ter revelado, no mês passado, que a Eletronet, empresa interessada em atos do governo, pagou R$ 620 mil ao ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, Nassif tentou desqualificar os jornalistas e fez a defesa de Dirceu.
A Dinheiro Vivo foi contratada por inexigibilidade de licitação, prevista na lei que regula as licitações. Indagado sobre isso, Nassif respondeu que a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), vinculada à Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, adquiriu em 2009, também por inexigibilidade de licitação, 5.499 assinaturas da Folha.
Segundo a assessoria da Secretaria de Educação, idêntico procedimento foi adotado para a aquisição de assinaturas do jornal "O Estado de S. Paulo" e das revistas "Veja", "Época" e "IstoÉ". O objetivo das compras, segundo a secretaria, é abastecer as bibliotecas de de escolas públicas no Estado.
Para dispensar a licitação e contratar Nassif, a EBC argumentou que há uma singularidade no programa. Trata-se de um debate de uma hora semanal com três convidados, mediado por Nassif, que também recebe perguntas da plateia e de internautas.
Nassif disse à Folha que seu projeto já existia na TV Cultura, mas foi "descontinuado" logo depois de ele ter escrito artigos sobre "a piora dos balanços da Sabesp". Sobre a dispensa da licitação, o jornalista afirmou: "Presumo que por dois motivos. Ponto um: notória especialização. Os prêmios que acumulei ao longo de minha carreira e nos últimos anos atestam essa minha especialização. Ponto dois: sou o criador do Projeto Brasil de discussão de políticas públicas casando TV e internet apresentado à EBC".
Outros contratos
A EBC informou que mantém outros quatro contratos fechados por inexigibilidade de licitação. São relativos aos programas "Samba na Gamboa" (R$ 1,2 milhão anuais), da produtora Giros, "Papo de Mãe" (R$ 1,99 milhão), da produtora Rentalcam, apresentado pelas jornalistas Mariana Kotscho e Roberta Manrezi, "TV Piá" (R$ 1,34 milhão), dirigido pela jornalista Diléa Frate, e "Expedições" (R$ 1,66 milhão), da jornalista Paula Saldanha.
O diretor jurídico da EBC, Luís Henrique Martins dos Anjos, diz que a contratação de programas artísticos ou jornalísticos, cujos direitos autorais pertencem a outras pessoas, sem licitação e por notória especialização está amparada em um entendimento firmado pelo plenário do TCU, no acórdão nº 201/2001, relatado pelo ministro Benjamin Zymler.
Sérgio Sbragia, sócio de Diléa Frate na produtora Serpente Filmes, afirmou que a escolha de sua empresa "foi um processo muito criterioso", que durou cerca de um ano.
A produtora Giros defendeu a dispensa da licitação. "O projeto "Samba na Gamboa" é apresentado pelo artista Diogo Nogueira. Em função do saber notório atribuído ao artista no mundo do samba (...), este contrato foi assinado de forma excepcional, dispensando licitação", afirmou Maria Carneiro Cunha, da Giros.
A jornalista Paula Saldanha disse que o programa "Expedições" "está há 15 anos no ar, conquistando os melhores índices de audiência em todas as emissoras em que foi exibido (Manchete, TVE e TV Cultura)". Procurada pela Folha na última terça-feira, a Rentalcam não ligou de volta até o fechamento desta edição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário