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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Um “governo mundial” em gestação?

Fonte: HEITOR DE PAOLA


CASIMIRO DE PINA


John Gray, professor de Pensamento Europeu na London School of Economics, é autor de livros bastante "populares" sobre filosofia política e história das ideias.

Em 2003, precisamente dois anos após o "11 de Setembro", publicou um livro intrigante, mas notavelmente perspicaz: "Al-Qaeda e o significado de ser moderno". Nesta obra, vertiginosa e altamente bem documentada, Gray acaba por concluir que a Al-Qaeda, ao contrário do que se tem dito por aí, não é um projecto arcaico, medieval ou "primitivo".

Ela é, pelo contrário, um subproduto da modernidade e do Iluminismo ocidental.

A "rede" islâmica, responsável pelos espectaculares ataques de Nova Iorque (11 de Setembro de 2001), aparece, então, como um actor globalizado que pretende, à semelhança dos anarquistas russos do século XIX e dos totalitarismos europeus (nazismo, comunismo) do século XX, criar um "mundo novo" a partir do terror. O islamismo fundamentalista defende, à sua maneira, a globalização não a globalização de inspiração liberal capitaneada pelas instituições de Bretton Woods, mas um “califado universal”, imposto pela força dos mujahedines. Há, sem dúvida, várias ideias sobre a globalização.

Gray tem toda a razão. Neste ponto, Al-Qaeda é, de facto, um produto acabado da modernidade. Não temos notícia de algo parecido nas cidades-Estado da antiguidade ou nos modestos Principados medievais.

Essa formidável capacidade de projectar violência ao nível mundial/planetário, numa espécie de "Internacional do Terror", é realmente, quer gostemos ou não do argumento do pensador britânico, um acquis sombrio da modernidade.

Trata-se, pois, de uma criação demencial do Iluminismo e dos seus profetas mais radicais, empenhados na "reconstrução" da condição humana e na utopia "libertária". Karl Popper denominaria esses indivíduos "inimigos da sociedade aberta".

Tanto a União Soviética (mediante uma teoria "científica" da classe) como a Alemanha nazi (mediante uma teoria "científica" da raça), antecedentes "vitais", naquele sentido intuído por Ortega Y Gasset, da Al-Qaeda, visavam, aliás, o mesmíssimo objectivo de base: edificar a Cidade Ideal, um mundo "liberto" do poder e dos conflitos, onde o "governo dos homens" seria simplesmente substituído pela impolítica "administração das coisas". Como escreveu John Gray (p. 16), "Nenhuma época anterior acalentou projectos semelhantes. As câmaras de gás e os gulags são modernos. Há muitas maneiras de ser moderno, algumas delas monstruosas".

O livro de Gray lembra-me um outro escrito por Paul Berman ("Terror and Liberalism"), no qual este autor, numa viagem empolgante entre a literatura (Baudelaire, Victor Hugo, Fichte, Dostoievsky, Camus, Saramago, etc.), a estratégia diplomática e as relações internacionais, procura, num mapeamento complexo e fascinante, as "raízes" do terror nas correntes românticas (e filosóficas) franco-alemãs e nos movimentos políticos que se inspiraram, justamente, nessas correntes místico-totalitárias. Camus e Raymond Aron foram dos poucos franceses que escaparam dessa teia imoral supostamente "progressista".

Existe, ouso afirmar, um estranho ponto em que o romantismo toca o "disco duro" do iluminismo: a utopia da perfeição, a superação das "desigualdades" – isto é, a eterna sinfonia do utopismo revolucionário! Há uma linha que une Sayyid Qutb (o grande pensador egípcio, membro da Irmandade Muçulmana e um dos ídolos de Osama bin Laden), Foucault, Marcuse e tantos outros: a “decadência” espiritual do Ocidente e a necessidade de um pensamento renovador e mais “puro”, enquanto antídoto contra o mercado livre e o “consumismo”. J.J. Rousseau havia explorado o tema, explicando que o progresso (material, sobretudo) pode ser um factor de “corrupção” da sociedade.

John Gray vai, todavia, mais longe. Tentando "situar" a origem (precisa) da crença no progresso humano inevitável, redescobre Henri de Saint-Simon, o fundador do Positivismo, e Auguste Comte, o seu discípulo mais brilhante, que pretendia fundar, a partir do cientismo, uma nova "Religião da Humanidade". Tanto um como outro viveram fases agudas de loucura e tiveram que receber tratamento psiquiátrico. Comte, nos dias de maior perturbação mental, assinava assim o seu nome: "Brutus Napoleon Comte". Tinha uma paixão extrema por Clothilde, mulher casada, a ponto de declarar, após a morte da senhora, que ela deveria ser adorada como "Virgem Mãe da Igreja da Humanidade"!

Como Gray salienta, e muito bem, A Igreja Positivista exerceu uma tremenda influência em várias partes do mundo: foram construídos "Templos da Humanidade" em Paris e Londres e a bandeira do Brasil incorporou uma frase célebre de Comte: "Ordem e Progresso". O pensamento político latino-americano incorpora uma dose forte do positivismo.

O Positivismo comteano, segundo Gray, contribuiu para "identificar o liberalismo com o humanismo laico" (p. 48).

Isso é fantástico, porque nos transporta para um tópico decisivo que muito tem preocupado Olavo de Carvalho (
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=6644&amplanguage=pt) e outros pensadores e analistas de proa: o problema do "governo mundial". Trata-se, no fundo, e em síntese, de uma elite "tecnocrática" que, ancorada em certas fundações bilionárias, quer desenhar o futuro da humanidade a partir de uma religião laica e do "progresso" administrado para todos, abstraindo-se da história, das culturas locais, das tradições morais e religiosas (especialmente o Cristianismo), da filosofia perene (direito natural clássico, etc.) e da realidade profunda do Estado-nação.

O grande objectivo dos Positivistas – durante os séculos XVIII e XIX – era, dir-se-ia, o de formar um "Clero" permanente, pela reunião dos "cientistas" disponíveis.

O conde Saint-Simon chegou mesmo a imaginar, explica John Gray, uma fantástica "assembleia dos 21 eleitos da humanidade", cujo nome seria emblematicamente..."o Conselho de Newton"!

Será que existe no horizonte das relações internacionais algo parecido com a sedutora parafernália Positivista?

O novo Presidente do Conselho Europeu (segundo o figurino constitucional do Tratado de Lisboa), o belga Herman van Rompuy, num recentíssimo discurso de aceitação do cargo, retomou o tema, mostrando-se favorável ao “global management” do planeta. O mistério adensa-se. A “global governance” está a caminho. Qual será, porém, o equilíbrio de poderes?

Haverá ainda, no plano jusinternacional, “remédios republicanos” para os males do governo republicano, como queriam os autores dos Federalist Papers?
Não se esqueça que o “défice democrático” é uma crítica recorrente no interior da própria União Europeia.

Para Paul Belien, um destacado analista dos assuntos europeus, “não há separação de poderes na União Europeia”. A Comissão Europeia acumula poderes executivos e legislativos.

O Parlamento Europeu não tem poderes legislativos, tendo apenas a faculdade de rejeitar o orçamento anual proposto pela Comissão. O desenho institucional da União é, assim, atípico. A Europa não é tão “kantiana” como parece. E o mundo, como será? Qual é o futuro da Liberdade? Demain, la technocratie?

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".