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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A bíblia da esquerda herbívora - livro As Veias Abertas da América Latina

Fonte: VEJA

"As Veias Abertas da América Latina é um livro errado desde as primeiras letras, uma coleção de lamúrias e desastres em busca de culpados. Pouco importa que os fatos desmintam sua tese. Para as esquerdas, mais importante é a moral da história. Na de Eduardo Galeano, o lobo, como sempre, come o cordeiro"

Evan Vucci/AP

Para Obama, com afeto

O ditador Hugo Chávez oferece um exemplar de As Veias Abertas ao presidente americano: as vendas do livro dispararam nos Estados Unidos


Alguns equívocos já nascem póstumos. Ficarão estampados nas mentalidades, a indicar o caminho mais fácil e errado para compreender problemas complexos. É o caso de As Veias Abertas da América Latina. O livro do uruguaio Eduardo Galeano (1940), publicado em 1971, é sucesso nos Estados Unidos desde que o ditador da Venezuela, Hugo Chávez, presenteou com um exemplar o presidente americano, Barack Obama. Os dois se encontraram na 5ª Cúpula das Américas, na semana retrasada, em Trinidad e Tobago. Pensadores dividem hoje a esquerda latino-americana em "vegetariana", a mais moderada, e "carnívora", a mais radical. Galeano é a esquerda herbívora.

As Veias Abertas é um livro errado desde as primeiras letras: "Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países se especializam em ganhar, e outro em que se especializam em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta".

Fotos dos chefes de estado presentes à cúpula evidenciam o erro: quase não há brancos – "europeus" – ali. Resultado certamente de muita dor e de muita luta, as Américas são governadas por mestiços. A mistura de europeus e índios foi "amaciada pelo óleo da mediação africana", como diria o brasileiro Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala. Galeano, branco e de olhos azuis, só vê exploração, sangue e miséria.

O erro persegue todo o livro, na 46ª edição no Brasil (Paz e Terra; 365 páginas; 50,50 reais). Observem que a América Latina aparece sob o signo da derrota desde o alvorecer. Para o autor, os EUA são os continuadores da espoliação espanhola e portuguesa. E como ele estabelece o liame entre o mercantilismo, a expansão capitalista dos séculos XVIII e XIX e a potência imperial do século XX? Não estabelece! Devemos acreditar que alguns países nascem do lado errado da força. No trecho citado, Galeano fala em "divisão internacional do trabalho" no Renascimento! Até um marxista simpático às suas lamúrias deve se constranger com a bobagem.

Mas por que o livro ainda enfeitiça as esquerdas? Galeano, um jornalista com ambições literárias, conseguiu reunir uma formidável coleção de clichês da luta do opressor contra o oprimido – eu não inverti os termos, não. Um suposto paradoxo marca suas análises: se há países bons no lado mau da divisão internacional do trabalho – e também o contrário –, a história da América Latina é uma sucessão de confrontos entre homens bons invariavelmente derrotados, e vice-versa. A condição de vítima, na política, é um lugar disputado porque confere licença para uma luta que dispensa pruridos morais.

As Veias Abertas pretende fazer a síntese de quase 500 anos de "exploração" segundo a ótica do "explorado". O sangue latino-americano teria sustentado o fausto das metrópoles, trapaceadas, por sua vez, pelos ingleses, e continuaria, no mundo contemporâneo, a exportar os excedentes de capital para os países centrais. Leiam um trecho em que Galeano cita o economista brasileiro Celso Furtado:

"Celso Furtado adverte que os senhores feudais obtinham um excedente econômico da população por eles dominada e o utilizavam, de uma forma ou de outra, em suas próprias regiões, enquanto o objetivo principal dos espanhóis, que recebiam do rei minas, terras e indígenas na América, consistia em subtrair um excedente a fim de transferi-lo para a Europa (...) No fim das contas, em nosso tempo, a existência dos centros ricos do capitalismo não pode ser explicada sem a existência das periferias pobres e submetidas: umas e outras integram o mesmo sistema".

Não sei se notam a indiscreta simpatia pelo feudalismo... Karl Marx lhe daria umas boas chicotadas. Vejam como o mundo se torna fácil de explicar: os ricos existem porque existem os pobres, e a exploração destes faz aqueles. Era assim em 1500, era assim em 1971, é assim hoje – e Chávez pretende convencer Obama dessa verdade.

Falemos um pouco da mentalidade de uma época. A referência das esquerdas era o economista americano Paul Baran (1910-1964), um marxista para quem o subdesenvolvimento é um produto necessário do imperialismo, e a impossibilidade de o capitalismo se desenvolver nos países periféricos é um dado da equação, já que estão impedidos de ter mercado interno. Tornam-se variantes modernas das colônias de exploração do século XVI. Na sociologia e na política, um livro reflete esse espírito: O Colapso do Populismo no Brasil (1968), de Octávio Ianni, para quem a falência dos governos populistas, provada em 1964, demonstrava que o Brasil teria de escolher uma de duas opções: ou revolução ou subdesenvolvimento.

Os dois livros são quase contemporâneos de uma tese bastante conhecida, que sustenta o contrário: a possibilidade do desenvolvimento do capitalismo nas nações "dependentes". Seu autor? O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que escreveu, em parceria com o chileno Enzo Faletto, o livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina. O Brasil nem acabou nem fez a revolução socialista. Adivinhem quem estava com a razão. O mercado interno foi a principal força de sustentação do regime militar e é, hoje, um dos esteios da economia em plena crise global. Bingo!

Não foi só o tempo que se encarregou de evidenciar o erro de Baran e seguidores. Livros como o de Galeano e o de Ianni já nasciam velhos. Qual é a bobagem fatal do autor de As Veias Abertas? A suposição, a partir já de eventos da colonização (e ele fala como um asteca ou um inca, não um Galeano de olhos azuis...), de que o atraso é sempre obra do estrangeiro explorador. O Brasil é um exemplo de que a tese é falsa. O país rompe o século XIX como a maior economia das Américas. Entre 1800 e 1900, seu PIB passa a ser um décimo do PIB dos EUA. Obra legítima dos nativos. Fizemos e fazemos o nosso próprio atraso.

O livro de Galeano é uma coleção de lamúrias e desastres em busca de culpados. Pouco importa que os fatos desmintam a sua tese. Para as esquerdas, mais importante é a moral da história. Na de Galeano, o lobo, como sempre, come o cordeiro. Alguns líderes latino-americanos, a exemplo de Chávez, pretendem se fingir de cordeiros para "fincar os dentes na garganta" dos adversários. Galeano é o delírio herbívoro da esquerda carnívora.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".