ESTADÃO
Procuradores acusaram o militar pelo sequestro de líder sindical desaparecido desde 1971
23 de maio de 2012 | 18h 32
Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A Justiça Federal rejeitou denúncia criminal contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi – núcleo militar de torturas nos anos de chumbo –, e o delegado da Polícia Civil Dirceu Gravina, o JC, acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) por crime de sequestro qualificado e continuado do bancário e líder sindical Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, preso em maio de 1971, até hoje desaparecido.
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Em sentença de 18 páginas, o juiz Márcio Rached Millani, da 10.ª Vara Criminal Federal em São Paulo, assevera que a Lei 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, “sancionada pela presidente Dilma Rousseff, ela própria uma das vítimas do regime de exceção, não tem o intuito de punir os autores dos delitos, mas apenas a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos”.
O MPF imputou a Ustra, hoje coronel reformado, e a Gravina, ainda no exercício da função, crimes de detenção ilícita, privação da liberdade e torturas contra Ferreira. Citando voto do ministro Celso de Mello, do STF, o juiz Millani invoca o alcance da Lei de Anistia. “Pode-se asseverar que os crimes praticados durante o período do regime militar foram anistiados, não somente aqueles perpetrados pelos que combatiam o regime então vigente, mas também aqueles cometidos por aqueles que visavam a sua manutenção.”
O juiz assinala que "não é segredo que alguns segmentos da sociedade querem a revogação da Lei de Anistia".
"Sucede que nem este juízo, tampouco a Comissão da Verdade têm legitimidade para as mudanças propostas”, assinala. “Outra interpretação da Lei de Anistia só poderá ser realizada pelo Supremo Tribunal Federal, ao passo que a revogação da lei é de responsabilidade do Congresso Nacional. Não vislumbro qualquer intenção do Estado brasileiro na punição dos crimes cometidos no período de exceção."
"O recebimento da denúncia implicaria, por um lado, na desconsideração, por via oblíqua, de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em processo concentrado de controle de constitucionalidade e, por outro, na aceitação de tese (do MPF) comprovadamente dissociada da realidade”, adverte Millani.
O juiz federal observa que “o MPF demonstra preocupação com as sanções a que estará sujeito o Brasil caso a denúncia não seja recebida, uma vez que ela tem, entre as suas finalidades ‘prevenir futura nova condenação do Estado brasileiro pela omissão no cumprimento das obrigações voluntariamente assumidas, notadamente no que se refere ao cumprimento das decisões emanadas da Corte Interamericana de Direitos Humanos’”.
Para Millani, o recebimento ou não da denúncia é irrelevante para tal prevenção. “Independentemente do resultado deste processo, o Brasil continuará a desrespeitar o julgado da Corte Interamericana, pois ainda restarão sem punição os casos de homicídio, tortura, etc. [...]Constata-se a total incompatibilidade entre o decidido pelo STF e o decidido pela Corte Interamericana e, seja qual for o caminho escolhido, haverá o desrespeito ao julgado de uma delas.”
Márcio Millani anota que embora haja provas de que Ferreira realmente foi vítima de sequestro, as últimas notícias de que se tem dele são de maio de 1971. O juiz destaca que se Ferreira ainda estivesse vivo "teria hoje cerca de noventa anos, idade que, com certeza, não atingiria caso ainda estivesse em cativeiro".
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