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Dr.Milton Simon Pires
Médico Cardiologista e Intensivista
2º Tenente Médico R2
Reserva da Foça Aérea Brasileira.
Residente em Porto Alegre – RS
Soldados ingleses em 1916 – Antes da Guerra o Consenso sobre a “Morte” de Deus. Depois; a Escuridão como única Verdade.
Há muito tempo atrás li que a característica da verdadeira arte é “transcender o seu tempo”. Tenho certeza que não entendi a afirmação e lembro que não havia, antes ou depois dela, qualquer definição geral do conceito de arte e muito menos de tempo. Sem nenhuma qualificação formal em filosofia é portanto um atrevimento o que pretendo sustentar no início deste artigo – a ideia, evidentemente nada original, de que as grandes questões do entendimento humano são comuns à arte e a filosofia. Mesmo sendo um clichê, permitam que eu escreva que Brahms, Thomas Mann, Kant, Monet e tantos outros usaram formas diferentes de expressão para abordar nosso desespero perante a morte, a indagação do que é o belo, qual a melhor maneira de viver uma vida justa e alguns acrescentariam e perfeita, o que são o mal, o tempo, o amor, a verdade....e assim por diante.
Na minha profissão e especialidade é possível curar algumas vezes, aliviar com frequência e consolar quase sempre. Um médico intensivista, com pretensões de “filósofo”, deveria portanto escrever sobre o tema da morte. Ainda assim não é a morte o enfoque deste texto. Eu gostaria de discorrer sobre a questão da verdade.
É possível, em filosofia, distinguir cinco conceitos fundamentais de verdade – como correspondência, revelação, conformidade com uma regra, coerência, ou utilidade. Assim, Kant afirmava que a verdade é a concordância da razão com seu objeto. Moisés teve a verdade revelada por Deus, nossos juízes sabiam que a verdade deve estar em conformidade com a lei, Maquiavel sustentou que os fins justificavam os meios e Deng Xiaoping (antecipando Lula) afirmava que na verdade não importa se o gato é branco ou preto desde que ele mate os ratos. Embora pueris, são alguns exemplos das maneiras (algumas delas catastróficas) de entender o que seria a verdade.
Em 1987, Allan Bloom em The Closing of the American Mind, afirmou (para desgosto da New Left Americana) que “há uma coisa que todo professor pode ter certeza absoluta: quase todos os estudantes que entram para a Universidade acreditam, ou dizem que acreditam, que a verdade é relativa”. O objetivo de seu livro era mostrar como a democracia ocidental acolheu inconscientemente ideias vulgarizadas de niilismo, desespero, e de relativismo disfarçado de tolerância. Seguindo uma tradição filosófica que entende a história como ciência exata substituímos razão pelo consenso e acabamos com toda possibilidade de revelação na busca pela verdade. Partindo do materialismo histórico, concluímos que a verdade pode ser construída, que a ferramenta é a democracia e o mestre de obras é o Estado. Neste sentido, desde Hegel até Hitler o que assistimos foi o ocaso do indivíduo, a diluição do ser humano na multidão e aquilo que ouso chamar de patologia do tempo - uma espécie de doença onde não há mais passado nem futuro e portanto não há lugar algum para Deus nem para Razão (a Razão como processo fundamenta-se em causa e efeito e portanto transcorre no tempo).
Assim sendo, não foi a toa que em 1926 Ortega y Gasset afirmou que “dentro de pouco tempo se ouvirá um grito formidável que se elevará do planeta como uivos de inumeráveis cães, até as estrelas, pedindo alguém e algo que mande, que imponha uma tarefa ou alguma obrigação”. Tomando o lugar da verdade revelada, a obsessão pelo consenso construído liquidou com a noção de mérito. Não podemos portanto afirmar “ nascer, morrer renascer ainda e progredir sempre - tal é a lei” e não podemos fazê-lo não por que não acreditamos na lei da reencarnação, mas por que não acreditamos mais em lei alguma!
O legado final, e verdadeira desgraça do materialismo, não foi a extinção da religião ou de um conceito “social” de Deus. Mesmo Antônio Gramsci sabia que o Estado não pode substituir a consciência do indivíduo, mas ao confundir verdade com consenso destruímos para sempre a noção de que a caridade é feita em silêncio e que fora dela não há salvação.
Para o Pai.
Porto Alegre, junho de 2011
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