O COYOTE
POR EMANUEL GRILO
A repercussão do recente episódio envolvendo o médico Onofre Lopes Júnior suscitou, como era de se esperar, uma gritaria histérica do beautiful people natalense que, entre outras coisas, afirmou por meio de seus arautos que a conduta do idoso é reflexo da cultura do“bandido bom é bandido morto”.
A mim, particularmente, chamou a atenção dois artigos publicados num site local chamadoCarta Potiguar, dos quais comentarei alguns trechos.
O primeiro deles é assinado pelo professor doutor – é assim mesmo que ele assina - Thadeu de Sousa Brandão, no qual o mesmo afirma o seguinte sobre as vítimas de violência:
“(…) o perfil da ampla maioria das vítimas é socialmente excludente: homem, de 14 a 24 anos, pardo ou negro, pobre ou miserável, segundo o Mapa da Violência 2011. Esse é o retrato mais nu e cru desse processo que Loic Wacquant chamou acertadamente de “criminalização da pobreza”. Pois não apenas este é o perfil das vítimas de homicídio, mas também da absoluta maioria dos apenados do sistema penal tupiniquim. Mata-se e prende-se muito no Brasil. Sabemos quem são as vítimas e os “bandidos”. Advêm do mesmo grupo social, sujeito a mais criminalização e preconceito.”
Embora adote o discurso pobrista, muito em voga nas universidades, o professor doutor Thadeu, em verdade, nada mais faz do que reproduzir uma visão assaz preconceituosa, há muito superada no âmbito do estudo da criminogênese.
A visão explicitada pelo professor doutor parte da premissa de que, por ser pobre, o sujeito estaria mais predisposto a cometer e ser vítima de crimes, o que daria origem a preconceitos sociais sofridos pelas classes mais pobres.
O professor doutor apresenta dados estatísticos em seu artigo, os quais não deixam dúvidas sobre quem são as maiores vítimas e autores de crimes no Brasil: os pobres.
Não se dá conta o professor doutor Thadeu que as entrelinhas de seu discurso reforça o preconceito que afirma combater, pois há muito foi superada a crença de que a pobreza por si só é o que enseja práticas criminosas.
Foi justamente combatendo esse preconceito social que a teoria macrossociológica da criminalidade inaugurada pela Escola de Chicago, encabeçada por Edwin H. Sutherland, formulou a Teoria da associação diferencial, segundo a qual não é a pobreza que dá causa aos crimes, mas a desorganização social, sendo o crime mera consequência desta desorganização.
A criminalidade, portanto, revelaria um vício na estrutura social que, caso não sanada, daria ensejo a uma subcultura criminosa que se reproduziria ad infinitum¸ até que fosse brecada não somente pela repressão policial, mas também pela solução atinente à desorganização social.
- Ora – poderia me dizer o professor doutor Thadeu – mas isso no fim das contas só revela que os mais pobres são numericamente maiores no cometimento de crimes!
Não contesto os dados trazidos pelo professor doutor, mas devo ressaltar que foi o próprio Sutherland, com sua Teoria da associação diferencial, que afirmou pela primeira vez que os ricos também cometem crimes, cunhando inclusive a expressão White collar crimes, que conhecemos por “crimes de colarinho branco”.
Sutherland afirmou que a maior parte dos crimes não são cometidos por pobres, uma vez considerados como crimes a corrupção, sonegação etc.
Ao ignorar tal fato e expor somente dados referentes a crimes cometidos com uso de violência não poderia levar o professor doutor Thadeu a outra conclusão.
Na sequencia o professor repete a mesma ladainha preconceituosa nos termos seguintes:
“(…) A questão é que, quando fala-se em “bandido”, referimo-nos ao perfil supracitado. Não falamos dos estelionatários, rufiões, agiotas, corruptos, etc., que passeiam em seus carrões, moram em seus apartamentos de luxo e transitam nos mais caros restaurantes.”
Ora, professor doutor, não seria mais natural que a população – sobretudo os pobres, que são as maiores vítimas – se indignasse mais ao ver um bandido armado subtrair a bolsa de uma velhinha que ao saber que fulano de tal sonegou imposto de renda?
Ou será que o professor doutor teria a mesma reação ao presenciar, num dia, um homicídio e noutro um superfaturamento em uma licitação?
O professor Thadeu prossegue dizendo:
“Eles não são “ameaças públicas”. Embora representem um dano econômico e social enorme em suas ações criminosas, não são taxados como tais. Um desvio de verba da saúde pode levar (e leva!) à morte um sem número de pessoas. Um dano incomparável frente a um ladrão de celular. Mas, repito, este último enquadra-se no perfil que, socialmente, representa uma ameaça. Assim, o “Bandido morto bom” é o bandido pobre, pardo ou negro. Afinal, os colarinhos brancos não invadem nossas casas e nosso sagrado patrimônio. Nos roubam na surdina e dentro de uma legitimidade sócio-cultural onde ainda são chamados de “doutor”.”
Caso o professor doutor Thadeu tivesse dado uma folheada no Código Penal Brasileiro, ia descobrir que aquele que desvia verba pública, como no exemplo por ele citado, tem conduta tipificada no art. 312 do referido diploma legal e pode pegar até 12 anos de cadeia.
Já o ladrão de celular, caso aja com violência em sua empreitada criminosa, pode pegar até 10 anos, e no caso de agir sem uso de violência, pode pegar até 4 anos, ou seja, embora o professor Thadeu diga o contrário, a pena para o “crime de colarinho branco”, no exemplo dado por ele, é mais severa que a cabível ao ladrão de celular.
O segundo artigo ao qual me referi no primeiro parágrafo é assinado por Alyson Freire.
Em determinado trecho ele afirma que:
“A ideologia do “bandido bom, é bandido morto” não costuma vir desacompanhada. Apelos raivosos e cheios de razão são disparados contra os Direitos Humanos ‒ entendidos como “direitos de bandidos” ‒ e contra sociólogos e outros especialistas em segurança pública que, por sua vez, têm suas análises e “teorias” contrapostas a infames sofismas: “se fosse com você ou com alguém da sua família, você não pensaria assim” ou “tá com pena, então leva pra tua casa!”. Discutir nesse nível não é lá uma tarefa fácil, e, muito menos, atrativa. Prossigamos por outro caminho.”
É amiguinho, discutir nesse nível é mesmo complicado, pois reunir uma gama de clichês do senso comum e refutá-los é muito conveniente.
Há que se observar que os aplausos à ação do médico Onofre Lopes Júnior não refletem um discurso unanime, como tenta levar a crer o autor do texto.
É bem verdade que há setores que reverberam os clichês apontados, mas ao mesmo tempo, cidadãos que elogiaram a reação do médico são sim legítimos defensores dos direitos humanos!
Entre os direitos fundamentais do ser humano, indubitavelmente o de maior relevância é o direito à vida. Por conseguinte, reagir na mesma proporção da agressão é um direito inerente a todos, conforme preconiza o art. 25 do Código Penal.
O dispositivo legal fala em “repelir injusta agressão”. Não teria sido injusta a agressão sofrida pelo médico e sua esposa, ambos idosos, ao serem expulsos do interior de seu carro com gritos e palavrões sob a mira de uma arma?
Alyson acha que quem defende o exercício do direito de proteger a si ou a outrem de injusta agressão, o faz por considerar tal medida eficaz para solucionar o problema da criminalidade. Nada mais falso!
Vejamos o que o rapaz diz:
“Por outro, a despeito do pano de fundo legítimo de insatisfação social a partir do qual, em parte, frise-se, alça-se esse tipo de discurso, ou melhor, o saúda como alternativa legítima e eficaz de enfrentamento da criminalidade, essa mentalidade é extremamente nociva e perigosa às sociedades que se pretendem democráticas e regidas pelo estado de direito.”
Sacaram a confusão? Alguém deveria informar ao autor que a legítima defesa nunca foi utilizada como política de combate ao crime, mas desde Roma é tido como um direito fundamental do indivíduo, conforme leciona Gabriel César Zaccaria de Inellas em sua obra Da exclusão de ilicitude: “A observação do mundo animal revelava aos juristas romanos, que os seres atacados em sua integridade física reagiam contra a agressão, visando, pela defesa, preservar a própria existência. Daí concluíram pela naturalidade do direito de defesa”.
A legítima defesa não só é coerente com o estado democrático de direito, como é inerente a ele!
Pois bem, após todo esse blá-blá-blá, o senhor Alyson afirma que:
A insegurança e a indignação são sentidas por essas classes de pessoas ordeiras como violências imerecidas. (…) Assim, a morte do bandido, do infrator, daquele que atenta contra a paz e os bens e direitos legítimos das classes abastadas e que ousa adentrar, como um invasor estrangeiro, no universo social onde ele, de modo algum, deveria estar, é sentida e desfrutada como expiação, como um ato de vingança legítimo, justo e merecido.
Aqui vemos mais um amontoado de palavras mal conectadas entre si, mas que denota muito bem a confusão mental do autor, uma vez que afirma que a morte (…) daquele que atenta contra (…) direitos legítimos das classes abastadas (…) é sentida e desfrutada como expiação.
Ora, atentar contra direitos legítimos, seja de classes abastadas ou não, é ato que pode ser repelido com violência proporcional. É isso que a lei assegura por considerar tal reação um direito natural. Quando o bem que sofre ameaça é a vida é legítimo e legal reagir, mesmo que tal reação resulte na morte do bandido.
A reação do médico que matou o marginal foi celebrada por certos setores não por ter sido uma execução sumária à margem do ordenamento jurídico como tentam fazer aparentar certos setores. Mas sim por ser uma exceção numa sociedade em que somente o Estado e os bandidos detêm o monopólio da violência.
Segundo a cartilha que o beautiful people decora nos bancos da faculdade, os criminosos seriam verdadeiras vítimas de um conjunto abstrato de coisas chamada sistema e poderiam invocar o próprio conceito de justiça para legitimar o cometimento de atrocidades contra o cidadão indefeso.
Os bandidos, coitados!, são as verdadeiras vítimas de uma sociedade injusta.
Um comentário:
Meu professor de Direito Penal já dizia que nós veríamos a cada vez mais o bandido ser considerado uma "vítima social". Segundo ele, o erro já vinha do promotor de justiça e do delegado. Ambos não enchergavam o bandido como alguém com capacidade de escolha. E que escolhia o mal. Ao invés de defender a sociedade, passam a proteger o marginal. Contamina os juízes, os diretores de penitenciária e toda a sociedade.
Faltam noções de moral social e de civismo.
E aí, chegamos onde chegamos. Fazem uns quinze anos das aulas para cá.
Não adianta esconder a realidade: há indivíduos que rejeitam a moral fundadora da sociedade e agem em nome apenas de seus interesses pessoais. São predadores. São perigosos. Com ou sem arma. Com ou sem terno. Não importa. Escolheram o mal.
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