Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Liberdade e ordem

Liberdade e ordem

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 15 de fevereiro de 2010
http://www.olavodecarvalho.org/semana/100215dc.html



Sei que magôo profundamente os sentimentos de meus amigos liberais ao afirmar que nenhuma filosofia política séria pode tomar como princípios fundantes as idéias de "liberdade" e "propriedade" – precisamente as mais queridas dos corações liberais. Mas, sinto muito, as coisas são mesmo assim.


Entendo por filosofia política séria aquela que não se constitui de meras justificativas idealísticas ou pragmáticas para ações que se inspiram, de fato, em razões de outra ordem, quer sejam estas ignoradas ou propositadamente escondidas pelo agente.


A missão da filosofia política não é dar uma aparência de racionalidade a opções e decisões pré-racionais. É dar inteligibilidade ao campo inteiro dos fenômenos políticos, possibilitando que ações e decisões tenham firme ancoragem na realidade dos fatos e na natureza das coisas. Para isso é estritamente necessário que seus próprios conceitos tenham inteligibilidade máxima, para que não se caia no erro de explicarobscurum per obscurius.


A liberdade, embora clara e nítida enquanto vivência subjetiva, não se deixa traduzir facilmente num conceito classificatório que se possa aplicar à variedade das situações de fato. A noção e a própria experiência da liberdade são de natureza essencialmente escalar e relativa. De um lado, é muito difícil dar um significado substantivo à noção de liberdade política sem ter esclarecido primeiro o da liberdade em sentido metafísico – uma questão das mais encrencadas. De que adianta defender a liberdade política de uma criatura à qual se nega, ao mesmo tempo, toda autonomia real? Se somos produtos do meio, de um condicionamento genético ou de um destino pré-estabelecido, é ridículo esperar que a mera promulgação de leis reverta a ordem dos fatores, assegurando-nos o direito de fazer aquilo que, de fato, não podemos fazer. Lembro-me, sem conter o riso, de uma conferência em que o filósofo da hermenêutica, Hans-Georg Gadamer, negava toda autonomia à consciência individual, fazendo dela o efeito passivo de mil e um fatores externos, e logo adiante reclamava dos regulamentos da universidade alemã, que não concediam espaço suficiente à liberdade de expressão individual. Com toda a evidência, ele exigia que a burocracia universitária revogasse mediante portaria a estrutura da realidade tal como ele próprio tinha acabado de descrevê-la.


De outro lado, a “liberdade” é, com freqüência, nada mais que um adorno retórico usado para encobrir a vigência de algum princípio totalmente diverso. Quando, com a cara mais bisonha do mundo, o liberal proclama que “a liberdade de um termina onde começa a do outro”, ele está reconhecendo implicitamente – embora quase nunca o perceba – que essa liberdade é apenas a margem de manobra deixada ao cidadão dentro da rede de relações determinada por uma ordem jurídica estabelecida. O princípio aí fundante é, pois, o de “ordem”, não o de “liberdade”. Isso basta para demonstrar que a “liberdade” não é jamais um princípio, mas apenas a decorrência mais ou menos acidental da aplicação de um princípio totalmente diverso.


Compare-se, por exemplo, a noção de liberdade com a de “direito à vida”. Esta é um princípio universal que não admite exceções nem limitações de espécie alguma. Quando você mata em legítima defesa, ou para proteger uma vítima inerme, não está "limitando" a vigência do princípio, mas aplicando-o na sua mais plena extensão: a morte do agressor aparece aí como um acidente de facto, que em nada afeta o princípio, já que é imposto pelas circunstâncias em vista da defesa desse mesmo princípio. Nenhum raciocínio similar se pode fazer com relação à “liberdade”. Quando você limita a liberdade de um para preservar a de outro, o que aí está sendo aplicado não é o princípio da “liberdade”, mas o da “ordem” necessária à preservação de muitas liberdades relativas.


Do mesmo modo, não existe “propriedade absoluta”, de vez que a propriedade é essencialmente um direito, portanto uma obrigação imposta a terceiros. O mero poder de uso de uma coisa não é propriedade, é posse. A propriedade só surge na relação social fundada pela “ordem”. O mero fato de que existam propriedades legítimas e ilegítimas mostra que a propriedade é dependente da ordem, portanto não é um princípio em si. Só para fins de contraste, imaginem se pode existir um “direito à vida” meramente relativo. Esse direito é um princípio que está na base mesma da ordem, a qual se torna desordem no instante em que o nega ou relativiza. A própria ordem, nesse sentido, não é um princípio (ao contrário do que imaginam seus defensores tradicionalistas e reacionários). Se, na hierarquia dos conceitos, toda ordem se coloca acima da "liberdade", como garantia da possibilidade de haver liberdade em qualquer dose que seja, nem por isso a noção de "ordem absoluta" deixa de ser impensável.

O primeiro dever de uma filosofia política séria é depurar os seus conceitos de toda contradição intrínseca e de toda confusão categorial. Sem isso, qualquer diagnóstico de um estado de fato ou todo fundamento que se possa alegar para ações e decisões é apenas um sistema de pretextos retóricos destinado a enganar não só o público, mas o próprio agente. Infelizmente a maioria dos opinadores políticos, acadêmicos ou jornalísticos, está incapacitada para essas distinções, que lhes parecem demasiado abstratas e etéreas, quando, por uma fatalidade inerente à inteligência humana, nunca é possível apreender cognitivamente o fato concreto senão subindo no grau de abstração dos conceitos usados para descrevê-lo.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
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Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".