“Mas o psicopata não é um doente mental da forma como nós o entendemos. O doente mental é o psicótico, que sofre com delírios, alucinações e não tem ciência do que faz. Vive uma realidade paralela. Se matar, terá atenuantes. O psicopata sabe exatamente o que está fazendo. Ele tem um transtorno de personalidade. É um estado de ser no qual existe um excesso de razão e ausência de emoção. Ele sabe o que faz, com quem e por quê. Mas não tem empatia, a capacidade de se pôr no lugar do outro.”
Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva
Psiquiatra e escritora, diretora das clínicas Medicina do Comportamento, no Rio e em São Paulo, onde atende pacientes e supervisiona tratamentos.
“... (janeiro de 2003) E só foi possível graças a uma ação política de companheiros. Não era uma ação política de um Estado com outro Estado, ou de um presidente com outro presidente...”
“...Foi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política...”
Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no ato político de celebração aos 15 anos do Foro de São Paulo
Fonte: site do Palácio do Planalto
São Paulo – O direito internacional público é uma frágil construção erguida através dos tempos e que visa promover o estado de Direito entre os Estados e demais sujeitos às suas normas. Muitos dos tratados internacionais consolidam direito internacional pré-existente, incorporando normas que já faziam parte de outras convenções ou que eram costumeiramente aceitas pelas nações.
Para os países em desenvolvimento, sem poderio militar relevante, sempre interessou a construção do direito internacional de modo a evitar a prevalência do arbítrio e do exercício arbitrário das próprias razões no âmbito das relações entre Estados. Assim, os países emergentes tradicionalmente são rigorosos observadores das normas internacionais e os primeiros a denunciar suas violações.
A Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, de 1961, é um daqueles tratados basilares que trata da regulamentação e proteção das atividades da diplomacia, essencial para promover as relações entre os Estados de maneira tanto pacífica quanto eficiente de modo a gerir os diversos temas, situações e problemas que ocorrem na área.
A maioria das regras da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas antecedem de há muito sua data referencial de vigor de 1961, De fato, muitas de tais normas já haviam sido descritas como direito internacional consuetudinário, como por exemplo da parte de Vattel, em Le Droit des Gents, em 1758, e permaneceram estáveis durante mais de 200 anos.
Dentre essas regras, conta-se aquela que consagra ao Estado o dever de não intervenção nos assuntos internos de outro e que foi consagrada no artigo 41.1 da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, nos seguintes termos: “Sem prejuízo aos seus privilégios e imunidades, é o dever de todas as pessoas protegidas por tais privilégios e imunidades com respeito às leis do Estado recipiente. Eles também têm o dever de não interferir nos assuntos internos daquele Estado.”
Tal dispositivo deriva, como ensinava meu grande mestre, Washington de Barros Monteiro, do princípio jurídico fundamental de que a obrigação é a sombra do direito. De fato, a Convenção assegura o direito a imunidades e privilégios aos diplomatas para que possam exercer sua função. Na contrapartida, está a obrigação de não intervenção nos assuntos internos do Estado que os acolhe.
O dever de não intervenção nos assuntos internos de outro país está tão sedimentado na ordem jurídica internacional, que também passou a compor o ordenamento constitucional interno de praticamente todos os países, como maneira de balizar a conduta do poder executivo dos Estados em suas relações exteriores.
No Brasil, o princípio da não intervenção é consagrado no art. 4, iv, da Constituição Federal. No direito comparado, mencione-se apenas a título exemplificativo, aparece também, inter alia, na Constituição da República Popular da China, em seu preâmbulo.
Pois bem, ao acolher o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, com um contingente de 60 assessores na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, fora do instituto do asilo político, e permitir ações políticas diversas de sua parte, o Itamaraty violou flagrantemente o direito internacional de regência e mesmo a Constituição Federal.
Ao violar os termos da Convenção de Viena, o Brasil para além de promover grave instabilidade num terceiro país, abriu um precedente perigoso porque poderá expor-se, no futuro, a situações assemelhadas e terá contraposta a qualquer descumprimento de outros Estados a seu respeito a ação hondurenha. Mais ainda, num sentido mais amplo, a atabalhoada diplomacia brasileira está a deconstruir o direito internacional, uma herança de mais de 200 anos que reflete um verdadeiro consensus humani generis.
No âmbito constitucional, a trôpega, malfadada e ilegal, ação do Poder Executivo brasileiro em Honduras configura claramente, em tese, o crime de responsabilidade previsto no artigo 85 da Constituição Federal, sujeito à ação penal pública a ser promovida pelo Ministério Público Federal, conforme artigo 129, i e ii da Lei Maior.
Por que teria o Itamaraty cometido um erro tão crasso? Seria talvez por falta de suporte jurídico adequado? Seria por inconseqüente arrogância política? Seria por desprezo ao direito internacional? Seria por sobrançaria face à Constituição? Seria por manipulação externa da política internacional do Brasil por agentes estrangeiros? Seria por descontrole do pessoal da missão? Ou seria simples incompetência sistêmica?
É hoje ainda cedo para se afirmar quais foram as exatamente as causas, mas pode-se assegurar sem riscos de exageros que o Brasil merece uma diplomacia mais focada, mais disciplinada e, principalmente, balizada pela Lei, seja ela doméstica ou internacional.
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