A idéia de estabelecer paralelos entre o maior dos presidentes norte-americanos e nosso operário-presidente é tão antiga quanto o encerramento da contagem dos votos em outubro de 2002. Afinal, ambos foram homens do povo, pessoas de origem humilde que chegaram ao topo de seus respectivos países. Mas as semelhanças terminam aí, como é fácil mostrar...
A história de Lula todos conhecem: nascido em Garanhuns, Pernambuco, migrou de pau-de-arara para São Paulo, fez curso de torneiro no Senai, trabalhou algum tempo na Volkswagen de São Bernardo do Campo, tornou-se líder sindical, comandou greves, fundou um partido, perdeu três eleições presidenciais e, finalmente, na quarta, conseguiu eleger-se. Durante as três décadas que precederam sua chegada ao poder, dedicou-se exclusivamente à militância político-sindical, ostentando profundo desdém pela leitura e pelo estudo e declarando abertamente que não precisa ler porque aprende de ouvido. Também naquele período, fez amizades com ricos empresários, em especial os que fazem negócios com o Estado e ganham dinheiro por meio dos ideais que dizem abraçar. Conviveu intensamente com os chamados “intelectuais de esquerda”, aqueles que endeusam a miserável e cruel ditadura cubana, mas passam as férias em Paris. Nesses anos preparatórios, ele e seu grupo aprenderam a apreciar os prazeres que o luxo proporciona e nada representa melhor o quanto mudou o retirante-operário do que seu gesto de comemorar a vitória presidencial com a célebre garrafa de Romané Conti, de R$ 7.000,00.
No poder, caracterizou-se pela dissociação entre seus atos e palavras: renegou a essência do que pregara em campanha, manteve a política econômica do antecessor e, ao mesmo tempo em que dela colhia os frutos, vociferava contra a chamada “herança maldita”. Do Congresso comprou abertamente apoios através de cargos, privilégios, benesses e malas cheias de dinheiro. Da população inculta comprou votos através de bolsas-família, cotas raciais e outras medidas populistas. Estimulou a divisão entre pobres e ricos, entre o Sul e o Nordeste, entre empregados e patrões e entre as etnias que compõem o povo brasileiro. Aparelhou o Estado, inflando sua já inchada máquina, contratando 400 mil novos funcionários públicos federais e dando a eles aumentos bilionários, que sugam os recursos que faltam para os investimentos. Aumentou muito acima da inflação as despesas de custeio e, para sustentar sua estratégia de compra de apoios, elevou a carga tributária a 40% do PIB.
Não foi o inventor da corrupção brasileira, mas tornou-a endêmica e institucionalizou-a como instrumento de poder. Calou a imprensa por meio de verbas publicitárias ou de perseguições políticas e judiciais a órgãos e seus jornalistas e criou uma TV estatal povoada de esquerdistas para promover seu governo. Concedeu pensões e indenizações milionárias a esquerdistas supostamente vítimas de discutíveis perseguições políticas, muitos deles assassinos, assaltantes de banco, seqüestradores ou, simplesmente, companheiros a quem interessava privilegiar com dinheiro público. Permitiu que, todos os anos, bilhões de reais sejam desviados para ONGs controladas por grupos de esquerda ou, como no caso da ONG 13, de sua filha Lurian, simplesmente para enriquecer amigos e familiares.
Na política externa alinhou-se com o neocaudilhismo esquerdista da América Latina, inclusive com a narco-guerrilha colombiana das FARC, o que, aliás, era esperável de quem, ainda como eterno candidato, batera às portas do Carandiru para exigir de FHC a libertação dos seqüestradores de Abílio Diniz. Sempre que ele ou algum membro de seu grupo são apanhados cometendo delitos, mente com deslavado cinismo e vangloria-se de sua capacidade de ser uma “metamorfose ambulante”, falando a cada platéia aquilo que mais lhe convém. Como costuma acontecer com pessoas ignorantes bafejadas pelo sucesso, tornou-se presunçoso, arrogante e dono da verdade, manifestando-se a todo momento e sobre qualquer tema de forma verborrágica, vaidosa e autolaudatória. Suas freqüentes manifestações públicas são lastimáveis shows de vulgaridade e desrespeito à língua portuguesa.
Abraham Lincoln nasceu no dia 12 de fevereiro de 1809, em uma choupana feita de troncos de árvores, em um vilarejo perdido nos matos do Kentucky. Seu pai era um carpinteiro permanentemente assolado pela pobreza e sua mãe faleceu quando ele tinha 9 anos. Tendo o pai mudado várias vezes de cidade, freqüentou esporadicamente as péssimas escolas então existentes na região de fronteira e, somadas as semanas esparsas em que esteve em alguma sala de aula, não estudou formalmente por mais de um ano. Mas seu interesse em aprender levou-o a ler compulsivamente todos os livros que lhe caíam nas mãos e, assim, à luz de velas, em choupanas geladas nas noites de inverno, Lincoln estudava gramática, aritmética e os clássicos da língua inglesa. Ainda menino começou a trabalhar em atividades humildes como lenhador, balconista de armazém, responsável por uma serraria, ferroviário e agente de correio. Mas já nessa fase da juventude passou a distinguir-se pela capacidade de contar histórias, pela força de seu caráter, pela honestidade, pelo senso de justiça e pela sinceridade. O apego à verdade valeu-lhe o apelido pelo qual até hoje é lembrado: “Honest Abe”. Ao longo de todos esses anos jamais parou de estudar por conta própria, interessando-se em especial pelo Direito e pelas leis do país. Pela força exclusiva de sua reputação, inteligência e facilidade de argumentação, foi eleito deputado estadual em 1834. Em 1836, sem jamais ter feito um curso universitário, foi aprovado nos exames para o exercício da profissão de advogado, carreira na qual permaneceu até que a política o afastou dela.
De 1847 a 1849 ocupou uma cadeira no Congresso e ali ousou obedecer a sua consciência, manifestando-se contra a guerra de conquista que os EUA travavam contra o México. Mesmo perdendo popularidade em casa, ele jamais deixou de defender o que lhe parecia justo, tomando partido claro no tema que dividia a América de então – a escravidão, considerada por ele um mal e uma injustiça. Em 1856 concorreu ao senado e, na campanha, fez célebres discursos em que conclamava os americanos à união, alertando-os sobre as tragédias que adviriam dos embates pró e contra a escravidão. Embora não tenha sido eleito, a célebre frase que proferiu em Springfield ainda ecoa nos ouvidos americanos: “Uma casa dividida contra si mesma não consegue manter-se em pé”. Em 1860, por uma conjunção de fatores altamente improváveis, veio a ser indicado candidato a Presidente na convenção do Partido Republicano. Elegeu-se sem obter a maioria dos votos populares e sua posição anti-escravatura fez com que, no dia de sua posse, 7 Estados do Sul se declarassem fora da União. Lincoln condenou essa separação, prometeu fazer tudo a seu alcance para trazê-los de volta, mas afirmou que não usaria a força. O primeiro tiro partiu do Sul e Lincoln agiu com firmeza, determinado a manter a União a qualquer preço. Quem o conheceu de perto testemunhou a tristeza e dor que tomavam conta de seu coração enquanto soldados americanos dos dois lados tombavam em uma das maiores guerras do século XIX. Após vencer a batalha de Gettysburg, em 1863, onde 40 mil soldados perderam a vida, ali proferiu um dos mais belos e célebres discursos de todos os tempos, declarando que no local repousavam eternamente aqueles que morreram para que “o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”.
O final todos sabem: Lincoln venceu a guerra, a União foi preservada, a escravatura foi abolida, ele foi assassinado por um fanático sulista e os Estados Unidos tornaram-se o mais poderoso país do mundo. Seu nome transformou-se em lenda e ele é o americano sobre quem mais se escreveu em todos os tempos. Episódios de sua vida, cartas e discursos são ensinados aos jovens nas escolas, como exemplos de humildade, honestidade, sabedoria, bondade e maestria no uso da língua inglesa. Ao reeleger-se, um ano antes do final da guerra, modestamente declarou que isso se dera porque o povo “preferira não trocar a parelha de cavalos enquanto a carroça ainda atravessava o rio”. Em seu segundo discurso de posse, diante da derrota iminente do Sul, Lincoln prometeu agir “sem malícia e com caridade para com todos”. Embora apiedado dos miseráveis, declarou que “não ajudarás os pobres combatendo os ricos”. Em meio às estafantes tarefas na Casa Branca durante a condução da guerra, ao saber de uma mãe que havia perdido 5 filhos em batalha, encontrou tempo para escrever-lhe de próprio punho uma carta que se imortalizou pela sensibilidade, concisão, estilo e perfeição no emprego do inglês:
“Prezada senhora Bixby
Foi-me mostrada nos arquivos do Departamento de Guerra uma declaração do General de Massachusetts de que a senhora é mãe de 5 filhos que morreram gloriosamente em campo de batalha. Eu sei o quanto devem ser fracas e infrutíferas quaisquer palavras minhas que tentem aliviar seu sofrimento por uma perda tão esmagadora. Mas eu não posso conter-me ao encaminhar-lhe a consolação que pode ser encontrada nos agradecimentos da República por cuja salvação eles morreram. Eu rezo para que o Pai Celestial possa aplacar a angústia de seu sofrimento e deixá-la apenas com as memórias queridas dos amados perdidos e o solene orgulho que deve ser o seu por haver depositado no altar da liberdade um sacrifício tão custoso.
Sincera e respeitosamente, A. Lincoln”.
Certa vez, após ouvir um presunçoso falastrão discorrer longamente sobre banalidades, disse: “De todas as pessoas que conheço, ele é capaz de comprimir a maior quantidade de palavras dentro da idéia mais insignificante”.
Quando lhe pediam sinecuras ou empregos públicos, costumava contar aquela que veio a ser conhecida como Lincoln’s Fable (A fábula de Lincoln): “Um rei decidiu sair para caçar, após ouvir de seus conselheiros que faria bom tempo. No caminho, o rei encontrou, montado em seu burrinho, um velho que o alertou sobre uma chuva próxima. Confiando em seus conselheiros, o rei seguiu em frente, mas a chuva realmente veio. Mandando questionar o ancião sobre como conseguira prever a chuva e seus conselheiros não, ouviu dele que quando as orelhas de seu burrinho ficavam em determinada posição era chuva na certa. Diante disso, o rei demitiu os conselheiros e colocou o burro em seu lugar. ‘Isso’, finalizava Lincoln, ‘foi um precedente terrível porque, a partir de então, qualquer burro acha que pode ser empregado público’ ” .
Ao morrer, Lincoln deixou um patrimônio material ínfimo e sua viúva padeceu bastante para manter a família com a pequena pensão que lhe era paga pelo governo.
Esse foi Lincoln, o estadista honrado, culto, generoso, afável, sincero, verdadeiro e honesto que os bajuladores oficiais querem equiparar a Lula, apesar das gritantes diferenças. Para tanto, a máquina publicitária do Planalto não pára de divulgar fotos, como a de Lula falando na Academia Brasileira de Letras (!?), diante de uma casa repleta de imortais boquiabertos, ou de nosso estadista-operário sendo homenageado pelo rei da Espanha, pelos relevantes serviços prestados à difusão da língua e da cultura espanhola.
Esse é o Brasil de sempre, tão bem caracterizado por Rui Barbosa em 1922, na Oração aos Moços:
“Haveis de conhecer, como eu conheço, países onde quanto menos* ciência se apurar, mais sábios florescem. ... Um homem (nessas terras de promissão) que nunca se mostrou lido ou sabido em coisa nenhuma, tido e havido é por corrente e moente no que quer que seja; ... e o povo subscreve a néscia atoarda. Financeiro, administrador, estadista, chefe de Estado, ou qualquer outro lugar de ingente situação e assustadoras responsabilidades, é ... fórmula viva a quaisquer dificuldades, chave de todos os enigmas. ... Ninguém vos saberá informar por quê. ... Não aprendeu nada, E SABE TUDO. LER, NÃO LEU. ESCREVER, NÃO ESCREVEU. RUMINAR, NÃO RUMINOU. PRODUZIR, NÃO PRODUZIU. É um improviso onisciente, o fenômeno de que poetava Dante: ‘In picciol tempo gran dottor se feo’ ”.
Podemos esperar, portanto, que em breve os livros didáticos passem a ensinar aos jovens os mais exemplares episódios da vida de Lula e que seus discursos sejam utilizados como paradigmas de produção e interpretação de textos. E, qual um Pedro I do século XXI, os livros de História se encarregarão de consagrar uma nova data de nossa Pátria: “O Dia do Sifu”.
* Ou seria “menas”?
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