16/10/2008
Meu caro leitor, a conseqüência mais inesperada e importante da catastrófica crise que se instalou nas economias ditas ricas (merecem esse qualificativo porque viviam a crédito, dinheiro falso, não eram tão ricas assim) é separar o trigo do joio ideológico. Está muito claro que a raiz da crise é a exorbitância do Estado. O Estado gastou demais, incentivou o surgimento de créditos “podres”, gerou déficits orçamentários inadministráveis, o mesmo se dando no balanço de pagamentos. Todos os desequilíbrios agora aflorados são de responsabilidade exclusiva do Estado.
Mais especificamente: todos os desequilíbrios originam-se de políticas estatais de inspiração socialista. Então atribuir ao mercado – ou, pela variante, à ausência de regulação estatal sobre o mercado – a origem da crise é simples mentira, falsificação dos fatos. Mas é isso que eu tenho lido nos artigos daqueles que professam a fé socialista: que a crise é uma crise do mercado, doneoliberalismo.
O que mais me espanta não é que os defensores das doutrinas socialistas continuem na sua crença infernal. Quem adora Satanás por escolha que o faça! E o fazem, eles que controlam a maioria dos governos pelo mundo. A reação foi instantânea: para se combater os males causados pelo Estado receitam maior agigantamento da Besta. E tome estatizar bancos, emitir moeda, regular tudo. Mais do mesmo. Vale o bordão: é apagar fogo com gasolina. A conseqüência é que vivemos no momento o mais alto grau de estatização fora daquela verificada nas economias centralmente planificadas de toda a História.
O que me espanta mesmo é ver liberais doutrinários, de boa fé, receitando e aceitando esse crescimento da Besta estatal, como se ele fosse solução para os males do mundo. Configura-se um trágico engano, não apenas ideológico, mas científico. A ciência econômica tem a sua utilidade e a principal é demonstrar a superioridade da economia de mercado sobre as economias socialistas. Outra, não menos importante, é demonstrar que confiar no agigantamento do Estado é trilhar caminho da servidão, que bem sabemos onde vai dar: no totalitarismo.
A crise vai cobrar seu preço em empresas falidas, em empregos destruídos, em desordem política e social, em algum grau. Faça o que fizer a Besta estatal não escaparemos à purgação. Agora, na ilusão de que o Estado teria o poder de eliminar essa “destruição criadora”, permitir que a Besta cresça e esmague os indivíduos é mais do que cegueira, é suicídio. Vimos que o crescimento do Estado é secularmente irreversível, como bem o demonstra a participação da carga tributária no PIB.
A atitude certa agora é aceitar os fatos. Quem quebrar, quebrou, como fazemos quando acorre o falecimento de alguém querido: quem morreu, morreu. É fato irreversível. O Estado não tem o poder da ressurreição econômica, como não tem o poder de fazer nenhum defunto retornar à vida. Essa é a grande mentira socialista que engana as multidões, mas que não deveria enganar aqueles que tiveram a luz da ciência econômica. O Estado só tem o poder de gerar injustiça, ao custo de roubar os que trabalham.
Até o momento a vitória ideológica dos partidários do socialismo – os sacerdotes da Besta – foi total. A quantidade de pessoas que percebem a realidade como ela é, a de que o Estado é o grande perigo, na verdade o único grande perigo para a humanidade é cada vez menor. O caminho da servidão está pavimentado, em uma ida sem volta, em escala mundial. Não é só nos aspectos econômicos que os tempos atuais lembram os anos Trinta: é também na subserviência à Besta estatal e na crença irracional de que dele possa vir o Bem.
O altar do holocausto está posto e falta apenas riscar o fósforo. Quem viver verá.
EVOLUÇÃO DO PODER DE ESTADO
16/03/2008
Tenho escrito uma série de artigos analisando o Estado nos tempos atuais, utilizando o símbolo do Estado Total e da Hydra mitológica. Esses textos podem ser encontrados na minha homepage(www.nivaldocordeiro.net). Penso que vale a pena agora dar uma olhada ampla na história o Estado, tentando captar as grandes tendências, esmiuçar a sua evolução.
Na origem era o duelo entre Beemoth, as massas desembestadas, o caos original, e o incipiente Leviatã, fundado por uma elite de homens iluminados, a elite guerreira. O poder de Estado é o princípio civilizador que precede a sociedade. A própria polis só surge depois de a instituição de Estado surgir. No início se confunde com a força militar e depois, pouco a pouco, foi constituído também um sistema de justiça. Por primeiro a segurança diante do inimigo externo. Depois a lei válida para os súditos de um rei. O sistema tributário nasce com o próprio Estado.
A história do Estado, até a Revolução Francesa, tem sido a história da domesticação do poder. Foi Platão quem criou a idéia de dar caráter jurídico ao poder, grande idéia que na prática foi umaauto-limitação de sua ação. O filósofo está inscrito no rol dos maiores benfeitores da humanidade por essa realização. Nada será feito a partir de então pelos governantes que não aquilo previsto em lei e a inovação da ação estatal deverá ser precedida de uma inovação no corpo de leis. Terá sido essa uma das grandes conquistas da civilização, a própria domesticação do poder.
Um segundo momento da maior importância nessa marcha civilizatória foi o surgimento da Igreja. Claro, para que essa viesse a existir antes foi necessária a revelação do Deus único em Israel. Os impérios cosmológicos da antiguidade ocidental viam no poder político a própria encarnação da divindade. O imperador era o deus vivo. O próprio Júlio César percebia-se como a encarnação de Júpiter Capitolino. Obviamente que tal confusão pagã permitia o arbítrio autoritário do poder temporal. Nada era maior do que o poder político.
O Deus único de Israel foi uma revolução transcendental sem paralelo. A verdade teológica afirmava que o Deus único não tinha território, não era um Deus estatal, portanto. Sequer era um Deus nacional, era a verdade de toda a humanidade. A revolução no poder foi ainda maior do que aquela levada a cabo por Platão. A cisão do poder de Estado da realidade divina provocou a maior de todas as revoluções, que culminou na harmonia medieval: o poder político agora deveria ser balizado pela lei e pela Igreja. Carlos Magno foi coroado pelo papa, em nome de Deus e a ele submisso. Foi um fantástico salto civilizacional.
Essa revolução está belamente relatada nas Escrituras com a libertação do povo judeu do Egito. Recordemos que o Faraó era a máxima autoridade, o deus na terra, e a ordem dependia da própria integridade de sua pessoa. Eu vejo a travessia do Mar Vermelho como o grande momento de ampliação da consciência jurídica e política da humanidade, o momento da desdivinização do poder, tão essencial para o que viria depois. A Páscoa cristã que agora se aproxima é o coroamento dessa libertação: a libertação do próprio pecado, da escravidão.
O cristianismo virá identificar no poder o oposto do bem, um grande pecado, um grande perigo para a integridade da alma. A terceira tentação a que Cristo foi submetido ilustra essa mudança formidável na percepção do poder de Estado. Agora o poder temporal não apenas foidesdivinizado, como foi identificado com o mal. O fruto mais radical do Deus único de Israel. Pedro dirá: “Mais vale obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5,29).
Com a Igreja estabelecida e a submissão do poder temporal ao poder espiritual a Europa viveu séculos de harmonia, que foi quebrada quando a aceitação da verdade transcendente foi abandonada pela classe letrada. Ainda assim, mesmo com as loucuras da modernidade, foi possível aos filósofos modernos propor o corpo de idéias liberais fundado na tese do Estado mínimo. Ortega y Gasset pôde registrar no livro A REBELIÃO DAS MASSAS:
“A forma que na política representou a mais alta vontade de convivência é a democracia liberal. Ela leva ao extremo a resolução de contar com o próximo e é protótipo da “ação indireta”. O liberalismo é o princípio de direito político segundo o qual o Poder público, não obstante ser onipotente, limita-se a si mesmo e procura, ainda à sua custa, deixar espaço no Estado que ele impera para que possam viver os que nem pensam nem sentem como ele, quer dizer, como os mais fortes, como a maioria. O liberalismo – convém hoje recordar isto – é a suprema generosidade: é o direito que a maioria outorga à minoria e é, portanto, o mais nobre grito que soou no planeta. Proclama a decisão de conviver com o inimigo; mais ainda, com o inimigo débil. Era inverossímil que a espécie humana houvesse chegado a uma coisa tão bonita, tão paradoxal, tão elegante, tão acrobática, tão antinatural. Por isso, não deve surpreender que tão rapidamente pareça essa mesma espécie decidida a abandoná-la. E um exercício demasiado difícil e complicado para que se consolide na terra. Conviver com o inimigo! Governar com a oposição! Não começa a ser já incompreensível semelhante ternura?”
Um grande auge que foi sucedido por seu declínio. Desde então o Estado muda de figura e reassume a velha idolatria. As idéias coletivistas que triunfam no século XX são a reencarnação do Faraó. O homem-massa anseia por Beemoth, que exige a presença do grande Leviatã. Por isso Ortega podia concluir nos anos trinta:
“Nada acusa com maior clareza a fisionomia do presente como o fato de que vão sendo tão poucos os países onde existe a oposição. Em quase todos, uma massa homogênea pesa sobre o Poder público e esmaga, aniquila todo o grupo opositor. A massa – quem o diria ao ver seu aspecto compacto e multitudinário? – não deseja a convivência com o que não é ela. Odeia de morte o que não é ela”.
O totalitarismo, o Estado Total, é a forma primitiva assumida pelo poder político que renasce com toda força nos tempos modernos. O drama é que tal regressão política não ocorre apenas nos países nominalmente totalitários, embora neles a coisa ficasse mais evidente. Mesmo nos EUA e na União Européia vemos essa divinização do poder traduzida na crença das massas de que o Estado pode ser provedor de seus meios de vida, de saúde, educação, de emprego. Nos governantes é como se Júpiter Capitolino ressurgisse investido dos poderes redentores. Acontece que o Estado mitológico romano dependia de suas guerras de conquista para manter a plebe saciada. Hoje o Estado precisa saquear sua própria gente, via impostos e supressão da liberdade, para manter privilégios que jamais poderão ser generalizados. Serão sempre privativos de uma minoria. O reino da injustiça foi novamente implantado. Em política o descenso foi rápido e perigoso. Novamente é necessário um enviado para libertar o povo do Faraó redivivo e guiar na travessia no Mar Vermelho.
Quando se vê que uma boa metade do PIB em muitos países é tomado na forma de impostos é que podemos constatar que a liberdade econômica foi suprimida, que se vive na abjeta opressão burocrática, que os homens deixaram de ser pessoas e passaram a ser um mero número na assistência social. Uma ordem política dessa não pode se manter muito tempo. Mais do que se perguntar qual a ordem que sucederá essa loucura impõe-se a pergunta de como ela mudará equem fará a mudança. Eu não tenho respostas.
13/03/2006
O relatório da fundação Pew Center on the States (http://www.pewcenteronthestates.org/) sobre as incríveis taxas alcançadas pela população carcerária nos EUA deu-me o que pensar. Não creio que a moralidade dos norte-americanos tenha piorado, mas a “eficiência” do sistema para aprisionar certamente aumentou. Pela primeira vez a instituição registrou, em janeiro último, que mais de 1% da população masculina adulta encontra-se atrás das grades, sendo que o Estado da Flórida já contabiliza quase 5%. Destaque para a população negra: mais de 10% dos homens adultos estão presos, não estando disponível a informação específica para a Flórida.
A população encarcerada dobrou em cinco anos e, mantida a tendência, pode dobrar nos próximos cinco. Se, para cada prisioneiro, houver um burocrata do sistema jurídico-policial cuidando do assunto, inclusive os seus terceirizados, teríamos algo como 4% da população adulta masculina envolvida nessa economia, dobrando a cada lustro. Um disparate e um delírio só possível em estágios avançados da implantação do Estado Total, sempre um Estado policial.
É próprio do totalitarismo latente no Estado moderno essa tendência de esmagar os indivíduos de qualquer forma e o sistema jurídico-policial é o instrumento mais feroz desse processo. O prisioneiro é o cliente ideal: é compelido depois da sentença, ficando inteiramente na dependência do Estado-mamãe: é alimentado, cuidado, curado e mimado. Gera milionários contratos para fornecedores e empregos bem remunerados em toda a “cadeia produtiva” em torno do prisioneiro. E o eleitor homem-massa, sem desconfiar dos perigos, a cada problema na área de segurança clama por mais intervenção estatal. Mais polícia, mais justiça, mais prisões.
Os EUA estão na vanguarda do esmagamento das pessoas indefesas diante do Estado. Estou dizendo isso não porque não reconheça o papel que tem o Estado nessa área. Mas o que vemos é o descolamento dos códigos penais do direito natural. Há um clamor por tipificar cada vez mais áreas da ação humana enquanto crimes. Deveria ser crime o que sempre se reconheceu como tal, sem haver esparramo e exorbitância. Polícia e prisões não redimem e nem aperfeiçoam a humanidade, muito ao contrário. O sistema serve apenas como forma de castigo e de retirada dos elementos perigosos de circulação.
Pudemos ver a crônica dessa realidade exorbitante do Estado no filme O GANGSTER, de Ridley Scott, um roteiro biográfico estrelado por Denzel Washington e Russel Crowe. O notável do roteiro, além de ter um negro como chefe de gangue, é ter um único policial incorruptível nas forças de repressão. Quando o personagem cai e entrega os nomes quase toda a equipe policial da sua região foi presa. Vícios de uso de drogas, corrupção e abuso de poder é o menos que se viu naqueles policiais. O sistema de repressão não tem qualquer compromisso com as virtudes pelas quais supostamente vela. Os agentes não estão acima da lei, são a própria lei e tiram proveito disso.
Quantas vezes não vimos esse filme aqui no Brasil? Todas as grandes atividades do chamado crime organizado que chegam para a opinião pública têm suporte e sociedade de policiais, juízes e outros elementos envolvidos na repressão, a dar crédito ao que sai na imprensa. Cabe uma reflexão sobre tudo isso.
Muita coisa que não devia ser crime foi criminalizada. Vimos agora a ilustrativa queda do governador de Nova York causada por escutas telefônicas legais (novamente!), feitas por agentes do Estado. Qual o crime? Prostituição. Justo com ele, um promotor público que se notabilizou por perseguir pessoas em causas moralistas. Ironia. Nem prostituição deveria ser crime e nem seus clientes deveriam ser grampeados, mesmo sendo um fariseu desses. O ex-governador não deveria cair por isso.
A reação automática de toda a gente é clamar por mais Estado sempre que algum problema coletivo surge. E a classe política, juntamente com a burocracia estatal, responde solícita a cada apelo. O resultado é essa coisa teratológica que se criou, esse Estado monstruoso. Não se pode mais ter uma vida sossegada, tem-se que estar de prontidão permanente, pois qualquer descuido pode custar a liberdade da pessoa. Defrontar-se com o Estado pode ser o encontro marcado com o destino. O Leviatã é gigantesco e insaciável. O sensato é que a coletividade passe a vê-lo dessa forma, como grande perigo ao indivíduo e não como redentor de quem quer que seja. E assim mudar o seu comportamento, passando a clamar por menos Estado. Restaurar a liberdade exige uma redução do Estado: redução nos impostos, na regulação e também no número de pessoas feitas prisioneiras. Estamos longe disso, infelizmente.
ENTENDENDO O ESTADO TOTAL
01/03/2008
Podemos listar pelo menos cinco visões alternativas sobre o Estado. A primeira e a mais antiga, consagrada pela tradição, é a que vem da linha greco-cristã, que estabelece a tríade razão, legalidade e ordem (logos/nomos/taxis) para conduzir os negócios do Estado. E esta, por sua vez, substituiu a antiguíssima visão mitológica do Estado, a luta sem tregua entre o caos original (Beemoth) e o Leviatã. A visão greco-cristã deu ao Estado a racionalidade que perdura, de uma forma ou de outra, até os nossos dias, fundamentando seu caráter jurídico. Desde Platão aceitou-se que o poder não é um fim em si mesmo, mas deve ser regulado pelo princípio de Justiça, a fim de alcançar o bem-comum. Há, por assim dizer, um fundamento teológico (ou metafísico) do poder, cabendo aos estadistas ter compreensão desse princípio para bem realizar o seu mister.
A visão greco-cristã é adequada e aplicável a quaisquer das formas de governo conhecidas, o que demonstra a sua verdade permanente e universal, sendo ela talvez a maior conquista da ciência política de todos os tempos. Esse objetivo de alcançar a Justiça como forma de se chegar ao bem-comum foi aquele de todos os governantes ocidentais até o surgimento de Maquiavel, que deu forma ao Renascimento refazendo o cerne da ciência política. Desde então o mundo mudou de forma célere. As razões de Estado substituíram o nobre objetivo antes perseguido pelos governantes. A conquista e a manutenção do poder passaram a ser o norte dos novos príncipes.
Uma nova forma foi divisada por Lincoln, no famoso Discurso de Gettysburg. Recordemos:
“Cumpre-nos, antes, a nós os vivos, dedicarmo-nos hoje à obra inacabada até este ponto tãoinsignemente adiantada pelos que aqui combateram. Antes, cumpre-nos a nós os presentes, dedicarmo-nos à importante tarefa que temos pela frente – que estes mortos veneráveis nos inspirem maior devoção à causa pela qual deram a última medida transbordante de devoção – que todos nós aqui presentes solenemente admitamos que esses homens não morreram em vão, que esta Nação com a graça de Deus venha gerar uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra”.
Lincoln aqui explicita um dos ângulos mais essenciais dessa mudança de perspectiva, arrancando qualquer elemento metafísico da representação política. O povo, as massas, é que passaram a ser o juiz e a motivação dos governantes, quebrando completamente a hierarquia natural das coisas. O maior curva-se miseravelmente ao menor, a cabeça passou a ser conduzida pelas patas. É a Ação Direta com outro nome, a massa assumindo o papel de legislador. Em todos os tempos o povo foi estúpido e reconhecia numa minoria nobre a condição de governante e esta, por sua vez, buscava nos filósofos e nos teólogos o aprendizado da arte de bem governar. Com Lincoln, ecoando os novos tempos da Revolução Francesa e das novas teorias do direito natural, vemos o reboar das massas em movimento, a subversão de toda a hierarquia natural que só poderia levar aonde levou: ao tenebroso século XX.
Já Mussolini, o homem-massa alçado diretamente ao poder (como Hitler e Lula), em um discurso datado de 1928 fez a sua famosa declaração: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”. O Estado é a expressão da massa, a unidade da turba desconectada de qualquer valor. É o apogeu do populismo e a expulsão da razão enquanto luz para gerenciar os negócios do Estado. Claro que uma distorção da realidade da alma dessa envergadura só poderia levar ao desastre mais completo. Mussolini e Hitler morreram violentamente porque esse é o destino do homem-massa que se liberou de qualquer liderança sensata e quis ele mesmo ser o príncipe.
Já Lenin, em “O Estado e a Revolução”, definia: “A ditadura do proletariado é a dominação não restringida pela lei e baseada na força”. O poder sem qualquer limite e sem nenhuma regra moral. É Maquiavel na plenitude. É a teratologia política aplicada, que deu no que deu: nos cem milhões de mortos contabilizados na macabra epopéia dos partidos comunistas em menos de um século.
Compreender a ciência política nos seus termos corretos é uma necessidade prática, não uma necessidade meramente teórica. Não é diletantismo de eruditos. É vacina contra o vírus do totalitarismo, que imuniza preventivamente contra os males do genocídio. A ciência política virou um conhecimento essencial para ação das pessoas sensatas nos tempos de hoje. A desordem do Estado é o reflexo da desordem da alma individual.
Eu deveria ter escrito como epígrafe os versos terríveis de Walt Whitman, o profeta dos novos tempos, que vão aqui à guisa de nota de rodapé:
“Rufai, rufai, tambores! Soai, clarins, soai!
Sem parlamentos, sem discutir com ninguém,
Sem preocupações com o tímido – nem com aquele que chora ou reza,
Sem preocupação com a súplica do ancião ao jovem,
Calai as vozes das crianças, calai os rogos das mães,
Agitai os mortos nos seus caixões enquanto aguardam a carroça fúnebre,
Batei com força, ó terríveis tambores, soai alto, clarins”.
ESTADO TOTAL E TOTALITARISMO
09/01/2008
Tenho me referido em minhas últimas notas ao que chamei de Estado Total enquanto característica predominante dos tempos contemporâneos. Alguns leitores têm me perguntado a diferença eventualmente existente entre este e o totalitarismo tradicional. Vou tentar aqui clarificar os conceitos.
O totalitarismo é na verdade a forma extremada assumida pelo Estado Total, mas não se confunde com este. A ordem totalitária existe quando as instituições democráticas foram substituídas pela vontade de um líder ou de um partido político único, que vem a substituir e se sobrepor ao Estado. Os casos clássicos em nossos tempos são o comunismo e nazismo, onde a separação entre os poderes desaparece e a representação política extingue-se. Aqui na América do Sul presentemente temos o caso da Venezuela, em que o tirano detém todos os poderes e sua vontade é a lei. Mas podemos usar os casos da China, Coréia do Norte e Irã como exemplos acabados de ordem totalitária.
O Estado Total é a degeneração da democracia representativa pela revolução gramsciana que tem ocorrido por décadas a fio em todo o Ocidente, de tal sorte que sobraram apenas as formalidades da democracia, como o voto direto e universal e a separação de poderes. Essa revolução tomou por dentro os aparelhos de Estado, mas antes precisou tomar o centro formador de idéias, basicamente as universidades e as instituições de ensino, bem como a indústria editorial e os meios de comunicação. Ao fazer essa tomada da formação da consciência da sociedade, reduzindo-a aos valores socialistas, a revolução gramsciana fez degenerar a ordem política.
Como todas as idéias foram uniformizadas pela ideologia socialista, na prática temos uma realidade de um governo de partido único. Um magistrado, um parlamentar ou um representante do Executivo acabam por dar unidade à sua ação enquanto membros do Estado por deixarem-se conduzir pelas idéias de gente como Gramsci, Nobbio e Rawls, para ficar apenas com esses mais conspícuos.
Duas conseqüências são as mais evidentes desse processo degenerativo. A primeira, e mais óbvia, que não pode ser contestada, é o crescimento assombroso da carga tributária em todos os países, de forma persistente e ininterrupta por décadas a fio. Desde, na verdade, os anos trinta do século passado. Em doses homeopáticas o produto social foi cada vez mais apropriado pelo ente Estatal na forma de impostos, de sorte que pelos menos metade da destinação do mesmo depende diretamente dos agentes políticos. Essa enorme massa de recursos criou gerações de parasitas, enormes distorções alocativas e fez do controle dos orçamentos do Estado a varinha mágica criadora das grandes fortunas. Não é mais possível nenhum grande negócio, mesmo no Ocidente, sem que agentes públicos intervenham e deliberem sobre o mesmo. O papel da classe empresarial ficou reduzido a fazer bons contatos com os agentes políticos.
Isso significa dizer que tanto o consumo, mas sobretudo os investimentos agregados, passaram a depender da esfera política, ficando o mercado de fora de suas principais funções alocativas. Vimos a politização da economia como jamais houve em toda história da humanidade.
A segunda conseqüência desse processo foi esculpir os sistemas jurídicos de cada país de acordo com as insanidades propostas pelos socialistas. Grande parte das coisas da esfera privada – casamento, divórcio, cuidado com os filhos, planejamento familiar, relações religiosas, educação e saúde, para ficar com algumas – tudo passou a depender de escopo legal, usurpando direitos fundamentais dos indivíduos que estavam preservados desde tempos imemoriais e consagrados pelas grandes religiões e pelos costumes. O Estado conseguiu até mesmo monopolizar a caridade, como se isso fosse possível. Essa conseqüência será mais nefasta do que o crescimento dos impostos. Feita em doses homeopáticas ao longo dos anos, permitiu a desfiguração da forma se ser ocidental, na verdade destruiu pela base o que se chama de valores judaico-cristãos. Consertar as mazelas produzidas pela deformação da estrutura legal não será tarefa simples e implica certamente no resgate dos valores da tradição.
Caracteriza-se o Estado Total porque nenhum espaço da vida prática hoje fica fora da regulação da esfera política. A máxima “Tudo para o Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado", expressão consagrada por Mussolini, resume a realidade que vivemos agora. A regulação da vida privada é na verdade a eliminação da liberdade. O próprio mercado passa a ser um epifenômenodos gastos e das permissões estatais. O Estado tornou-se ele mesmo o mercado.
Não posso deixar de lembrar o impacto que as novas tecnologias trouxeram para alavancar os poderes do monstro estatal. As grandes bases de dados contendo todas as informações, tanto das pessoas como das empresas, simplesmente eliminaram a privacidade, seja da vida econômica, seja da vida em geral. Vivemos o esplendor do Estado policial, que é apenas outro nome para o Estado Total. Câmaras, antenas, microfones e a informática permitiram o controle não apenas dos indivíduos isoladamente, mas da multidão. O espaço de vida privada ficou reduzido a nada e a engenharia social tornou-se uma profissão dos burocratas do Estado.
Só há dois antídotos para enfrentar esses tempos de escravidão. Na esfera econômica, reviver os valores do liberalismo clássico em todas as suas conseqüências, especialmente no que se refere ao Estado mínimo. É preciso lutar pela redução dos impostos e dos gastos, de forma implacável. É preciso impor uma redução no número de funcionários públicos e das chamadas competências do Estado. Acabar com a farsa do welfare state, o engodo que deu sustentação eleitoral a essas idéias nocivas. É necessário desregulamentar no que for possível a ação econômica. É preciso reviver o mercado.
O outro antídoto, agora na esfera jurídico-política, é o regate dos valores tradicionais, devolvendo às famílias e aos indivíduos aquilo que lhes foi usurpado. É preciso de novo consagrar, no sistema jurídico, os valores da tradição, o respeito à propriedade privada, a meritocracia, o cultivo do empreendedorismo e das virtudes reconhecidas desde sempre. As legiões de parasitas que hoje vivem à custa do Estado terão que trabalhar novamente. Não será tarefa das mais simples.
Espero, meu caro leitor, ter atendido aos propósitos que me dei aqui neste espaço. O Estado Total precisa ser destruído para que a liberdade possa renascer, essa é a síntese de tudo.
A ERA DO ESTADO TOTAL
09/11/2007
Tenho escrito artigos sublinhando uma analogia para retratar o Estado utilizando a Hydramitológica, a mãe ancestral terrível (ver link http://www.nivaldocordeiro.net/ahydratodos.html ). Faço isso porque a imagem é perfeita: a forma aquosa que penetra em todos os recantos dá a sensação de afogamento inerente à inundação do líquido e também pela imagem do mito ela mesma, a terrível serpente que destrói o homem frágil. Tenho usado, em paralelo, outra imagem mitológica, a de Saturno, o pai terrível e cego que devora inapelavelmente os filhos gerados. Penso que ambas as imagens não são alternativas, mas complementares, revelando aspectos particulares do Estado, formando uma totalidade.
Há esse elemento de androginia no Estado, o senhor desse mundo, e como o caro leitor deve recordar o andrógino será talvez o símbolo mais completo para representar o Demônio. Mel Gibson foi de grande felicidade ao retratá-lo dessa forma no seu monumental A PAIXÃO, o filme. Aquela imagem bem espelha o que está em minha mente quando analiso o Estado contemporâneo. Recordo aqui também que a terceira tentação a que Cristo foi submetido refere-se justamente ao poder mundano, veementemente repudiada pelo Salvador. Em todas as ocasiões Cristo sempre afirmou que seu reino não é desse mundo e de forma alguma sua ação messiânica poderia ser confundida com a de um chefe guerreiro, um rei na plenitude do comando do Estado. A entrada triunfal em Jerusalém a montar um jumento é a explicitação plástica dessecontrate, uma ênfase da humildade do mais grandioso. Fosse ele um rei vitorioso nos termos meramente humanos, um líder militar, ele entraria em uma luxuosa carruagem puxada por quatro fogosos cavalos, como seria usual nos tempos dos césares.
Para mim a ordem de Deus a Moisés para libertar seu povo do Egito deve ser compreendida nesse contexto. O Faraó é a encarnação do Estado. Deus quis libertar seu povo do poder demoníaco que envolve o Estado enquanto tal. Libertar o povo do Faraó é uma ordem que se renova a cada geração. Um homem de Deus precisa libertar-se do poder desse mundo, de uma forma ou de outra. Precisa escapar das garras do Faraó. É a única maneira de exercer o bem mais precioso, a liberdade pessoal.
O que marca a história da modernidade é precisamente o percorrer do caminho inverso: ao invés das gentes serem libertadas dos novos Faraós o que vemos é a escravização alargada, contínua e total ao Estado moderno. Nunca o monstro foi tão grande, tão letal e tão esmagador. Mesmo nas modernas democracias ocidentais quase já não há mais espaço para a liberdade pessoal, toda a vida cotidiana é intermediada e regulada pelo entre estatal. É como se não existisse vida fora do Estado. A tributação alcançou proporções jamais vistas na História. A arrogância dos novos Faraós é tamanha que mesmo a liberdade religiosa, a principal, está sendo vedada sem qualquer cerimônia. No Brasil, como de resto em todo o Ocidente, simples crucifixos, o mais banal e o mais belo dos símbolos cristãos, estão sendo destruídos e substituídos pelo signo da besta, o pentagrama, presente em profusão na vida cotidiana. Não é apenas o signo do PT, o partido governante, está também radiante no próprio escudo da República. Por isso que até tribunais, em nome de uma suposta laicidade do Estado, estão retirando os símbolos cristãos para pôr o signo do Negador em seu lugar. E ainda querem fazer crer que esse gesto é feito em nome da liberdade religiosa. É precisamente o contrário: aqui só há liberdade quando se cultua Satanás ele mesmo. Não é liberdade portanto, é a restauração da escravidão que vigia nos tempos do Egito. Agora como antes.
Talvez tenha chegado o tempo de se discutir esse assunto nos termos em que deve ser discutido. É o destino da humanidade que corre perigo. O fenômeno é mundial. Basta ver a recusa da União Européia em se reconhecer cristã. Restaurar as liberdades públicas implica em enfrentar o Faraó, em desinflar o poder de Estado, em reduzir o número e a abrangência das leis, em esvaziar as prisões lotadas de pessoas que lá não deveriam estar, pois cometeram falsos crimes imputados por leis injustas, como os empresários acusados de sonegação de impostos. É preciso dar um basta ao esbulho tributário, ao abuso das multas arbitrárias que só alarga a ladroeira estatal. Sobretudo é preciso restaurar a moralidade que está nos primeiros capítulos da Bíblia: que cada um viva dos frutos do seu próprio trabalho, com o suor de seu rosto, denegando o rendoso modo de vida que faz a riqueza daqueles que usufruem dos impostos.
Em suma, é preciso refundar o Estado, cristianizá-lo novamente, enquadrar o sistema jurídico dentro dos preceitos do Direito Natural da tradição greco-judaico-cristã, e não do falso direito natural de Locke e Kant, que torna a razão a sua fonte. O monstro mitológico em que se transformou o Estado contemporâneo é produto dessa deformada concepção do Direto. Como se vê, está tudo errado na esfera do setor público. Só Deus para ajudar as gentes a humanizar novamente o Estado.
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