Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Um guru da educação brasileira

Diário do Comércio, 4 de fevereiro de 2009

Uma das idéias mais influentes e respeitadas na educação brasileira é a teoria da “violência simbólica”, criada por Pierre Bourdieu (v. Pierre Bourdieu e Jacques Passeron, A Reprodução. Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino, trad. Reynaldo Bayrão, 3ª. ed., Rio, Francisco Alves, 1992). Por esse termo ele entende “a violência que extorque submissão não percebida como tal, baseada em ‘expectativas coletivas’ ou crenças socialmente inculcadas”. Violência simbólica é toda forma de dominação mediante impregnação inconsciente de hábitos, símbolos e valores que ao mesmo tempo impõem essa dominação e a encobrem aos olhos dos dominados, de modo que a violência é tanto mais efetiva quanto menos reconhecida.


Todo sistema educacional, desta ou de outras épocas, constitui-se, segundo Bourdieu, de “atos pedagógicos” destinados a impor um conjunto de valores culturais, sempre arbitrários e injustificáveis, por meio de “violência simbólica”. As noções de “violência” e “arbitrário” estão interligadas: “A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em que a estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de nenhum princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna à ‘natureza das coisas’ ou a uma ‘natureza humana’.”


A premissa aí oculta é que, se o sistema simbólico refletisse princípios universais, a ação pedagógica não seria violência simbólica e sim persuasão racional . Mas isso, segundo Bourdieu, jamais acontece: “Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural.”


Mas, se a cultura não tem fundamento, nem por isso deixa de ter utilidade – para alguns, é claro: “A seleção de significações que constitui objetivamente a cultura de um grupo ou classe como sistema simbólico é sociologicamente necessária na medida em que essa cultura deve sua existência às condições sociais das quais ela é o produto.” O esquema dominante (as “condições sociais”) não se limita a “produzir” o sistema simbólico – ele se serve dele para seus próprios fins: “...O arbitrário cultural que as relações de força entre os grupos ou classes... colocam em posição dominante... é aquele que exprime o mais completamente, ainda que sempre de maneira mediata, os interesses objetivos (materiais e simbólicos) dos grupos ou classes dominantes.”


Bourdieu apresenta esses parágrafos como uma lição de sociologia, isto é, uma descrição de como as coisas funcionam nas sociedades existentes, inclusive e primordialmente, é claro, a sociedade burguesa. Ele pretende, portanto, que a classe burguesa, na busca de seus próprios interesses, criou um sistema de significações a ser inculcado por meio de atos pedagógicos de violência simbólica nas mentes dos dominados, de tal modo que não só essas significações, mas também aqueles interesses, e a relação de poder que os atende, permaneçam invisíveis. É, convenhamos, uma operação de engenharia psicológica das mais complexas. Para realizá-la, é preciso, primeiro, agentes humanos qualificados. Uma “classe”, afinal, abrange milhões de pessoas e não é possível que todas elas participem do empreendimento. É preciso que, dentre elas, se destaquem uns quantos especialistas, os “educadores”, que estes sejam aceitos como legítimos representantes da classe, que entrem num consenso ao menos aproximado quanto aos interesses da classe que representam; é preciso ainda que esse consenso corresponda de fato aos tais interesses e obtenha, uma vez formulado, a aprovação da classe que nomeou os educadores. Partindo, pois, dessa representação meramente esquemática da situação social, eles teriam de selecionar e organizar os símbolos, estratégias e esquemas mentais mais propícios não só a produzir obediência nos dominados, mas também a manipulá-los e ludibriá-los de tal modo que não percebessem estar obedecendo a uma classe dominante, e nem mesmo a seres humanos, mas acreditassem seguir espontaneamente a natureza das coisas ou a vontade divina.


Vocês conseguem imaginar quantas assembléias, quantos grupos de trabalho, quantas pesquisas científicas, quantos projetos técnicos, quantas tentativas e erros seriam necessários para um plano dessa envergadura? Já imaginaram a imensa capacidade organizativa, os incalculáveis recursos orçamentários e, no topo da hierarquia, a mão de ferro necessária para manter a ordem, controlar o fluxo de trabalho e assegurar a produtividade num empreendimento todo feito de sutilezas psicológicas infinitamente evanescentes? Se algo dessa natureza tivesse um dia sido concebido, os trabalhos preparatórios deveriam ter deixado uma multidão de rastros: monografias acadêmicas, atas, publicações periódicas, regulamentos, ordens de serviço, etc, etc. O problema é o seguinte: nada disso existe, nada disso existiu jamais.


Se vasculharmos todas as bibliotecas, todos os registros, todos os arquivos sobre a história da educação burguesa, não encontraremos um só documento, um só memorando, uma só ata onde apareça, mesmo indiretamente, uma discussão nestes termos: “Os interesses objetivos da nossa classe são tais e quais, os meios de forçar as pessoas a trabalharem para nós são estes e aqueles, e os meios de camuflar toda a operação são x e y.” Nenhum educador, ministro da educação, professor ou inspetor do ensino primário, médio ou superior jamais disse uma coisa dessas, ou pelo menos não há documento que o registre.


Eles falam, sim, de valores, de fins da educação, de aprimoramento da inteligência humana, de virtudes cívicas, etc., mas nunca, jamais, de uma operação para forçar invisivelmente os dominados a uma conduta que, alertados, eles poderiam não aprovar. Como é possível que uma operação tão delicada não deixasse o menor rastro, senão numa linguagem tão desligada, aparentemente, de qualquer intenção manipulatória, de qualquer imposição camuflada, de qualquer “violência simbólica”? Se admitimos que essa intenção existiu, então só há, para explicar a inexistência de registros, as seguintes hipóteses:


Hipótese 1. Além de conceber um sistema de camuflagens para ludibriar os dominados, os malditos educadores burgueses ainda criaram, em cima dele, uma segunda rede de disfarces verbais para enganar os observadores futuros, isto é, nós. Mas esta segunda operação, sendo ainda mais complexa e trabalhosa do que a primeira, e só podendo ser levada a cabo depois que esta estivesse pronta, pela simples razão de que não se pode camuflar o que não existe, também não deixou para os historiadores o menor registro, o que supõe que, além da primeira camuflagem e da segunda, houve em seguida uma operação-sumiço ainda mais gigantesca do que as outras duas.


Hipótese 2. Ao planejar a manipulação dos dominados, os educadores burgueses não tinham conscientemente essa intenção, mas, enquanto serviam aos interesses objetivos da burguesia, acreditavam piamente trabalhar por valores culturais sublimes, pelo aprimoramento da inteligência etc. Isolados da realidade pelo seu próprio véu ideológico que encobria os verdadeiros interesses em jogo, planejaram inconscientemente a manipulação do inconsciente alheio e, embora trabalhassem totalmente às cegas, produziram um sistema tão organizado, racional e eficiente que conseguiram realmente fazer-se obedecer por milhões de paspalhos ainda mais inconscientes que eles – a multidão dos “dominados”. Não me perguntem como é possível uma operação tão vasta e complexa atingir miraculosamente os fins desconhecidos que, por vias ignoradas e inapreensíveis, atendem aos interesses de classe postulados, também inconscientemente, no início do processo.


Quando vemos o gênero de tolice em que os responsáveis pelas nossas escolas públicas devotamente acreditam, torna-se bem fácil explicar por que os alunos dessas escolas tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais.



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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".