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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A internet não é meio de comunicação

ESTADÃO
20 de outubro de 2011 | 3h 07


Eugênio Bucci, jornalista, é professor da ECA-USP e da ESPM - O Estado de S.Paulo
No início do mês (dia 3 de outubro) a Suprema Corte, nos Estados Unidos, decidiu que baixar uma música da internet não equivale a exibir essa mesma música em público. Portanto, ao copiar o arquivo de uma canção no seu computador, o consumidor não deve ser tratado como alguém que toca essa mesma canção para uma grande audiência, no rádio ou num show.
Ora, dirá o leitor, nada mais óbvio. Baixar uma faixa de CD é mais ou menos como copiar no gravador de casa uma canção que a gente sintoniza na FM. Trata-se de um ato doméstico, que não se confunde com executar uma obra musical para uma plateia de 5 mil espectadores. No entanto, até hoje, o pensamento oficial sobre a internet - em especial o pensamento das Cortes de Justiça - carrega uma tendência de equipará-la aos meios de comunicação de massa. Um erro grosseiro e desastroso. Além de obtusa, essa visão traz consequências perversas, como a que levou parlamentares brasileiros, há coisa de dois anos, a tentarem aprovar uma lei que impedia os cidadãos de manifestarem suas opiniões sobre as eleições em sites e blogs durante o período eleitoral, como se a rede mundial de computadores fosse da mesma família que as redes de televisão e de rádio, que funcionam sob concessão pública.
O furor censório dos parlamentares acabou não vingando, para alívio da Nação, mas o conceito equivocado em que ele plantou seu alicerce continua aí. Por isso a recente decisão da Suprema Corte, negando as pretensões econômicas e intimidatórias da American Society of Composers, Authors and Publishers (Ascap), interessa especialmente a nós, brasileiros. Ela constitui um argumento a mais para que expliquemos aos retardatários (autoritários) que nem tudo o que vai pela internet é comunicação de massa. Aliás, quase nada na internet é comunicação de massa. Para as relações políticas e jurídicas entre os seres humanos essa distinção elementar faz uma diferença gigantesca.
A internet não é televisão, não é rádio, não é jornal, nem revista, assim como não é correio ou telefone. Ela contém tudo isso ao mesmo tempo - mas contém muito mais que isso. Existem canais de TV e de rádio na internet, é bem verdade. Os jornais estão quase todos online, bem como as revistas, sem falar no correio eletrônico: as pessoas trocam mensagens, como trocavam cartas. O Skype e outros programas vieram para baratear e melhorar os velhos telefonemas, com a vantagem de mostrar aos interlocutores a cara um do outro. Logo, dirá a autoridade pública, a rede mundial de computadores internet é uma Torre de Babel em que todos os meios de comunicação se encontram e se confundem, certo?
Errado. A humanidade comunica-se pela internet - só no Brasil já são quase 80 milhões de usuários -, mas isso não significa que ela seja, como gostam de dizer, uma "mídia" que promove a convergência de todas as outras "mídias". Ela é capaz de fornecer ferramentas para que um conteúdo atinja grandes audiências de um só golpe, ao vivo, assim como permite que duas pessoas falem entre si, reservadamente. Acima disso, porém, ela abre outras portas, muitas outras. Pensá-la simplesmente pelo paradigma da comunicação é estreitá-la, amofiná-la - e, principalmente, ameaçar a liberdade que ela encerra.
A internet também é comércio: os consumidores fazem compras virtualmente - mas isso não nos autoriza a dizer que ela possa ser regulada como se fosse um shopping center. Vendem-se passagens aéreas e pacotes turísticos pela rede, mas ela não cabe na definição de agência de viagens. Correntistas acessam suas contas bancárias e pagam contas sem sair de casa, mas a internet não é banco, e, embora quitemos nossos impostos pelo computador, ninguém há de afirmar que a web é uma extensão da Receita Federal. Ela é tão ampla como são amplas as atividades humanas: aceita declarações de amor, assim como aceita lances ousados da especulação imobiliária. Nela a vida social alcança plenamente outro nível, que não é físico, mas é real, tão real que afeta diretamente o mundo físico, sendo capaz de transformá-lo. Mais que meio de comunicação, a internet é, antes, a sociedade num segundo grau de abstração. Se quiserem comparações, ela tem mais semelhança com a rede de energia elétrica do que com um aparelho de TV ou com o alto-falante na praça do coreto.
Para efeitos da regulamentação e da regulação, a internet não cabe num regime. Ela é capaz de abrigar tantos regimes quanto a própria vida em sociedade - e, assim como a vida em sociedade, é maior que o direito positivo. Ela, sim, pode conter e processar decisões judiciais e trâmites processuais, mas estes não podem contê-la, explicá-la ou discipliná-la por inteiro. Pretender controlá-la, taxá-la, pretender instalar pedágios em cada nó seria equivalente a começarmos a cobrar direitos autorais de quem empresta um livro de papel à namorada, ou, pior ainda, seria como sujeitar as conversas de botequim à legislação do horário eleitoral na televisão e no rádio.
A rede de computadores trouxe uma expansão sem precedentes a uma categoria que, nos estudos de sociologia e de comunicação, ganhou o nome de "mundo da vida". Trata-se de um conceito contíguo a outro, mais conhecido, o de "esfera pública". Nesta se encontram os temas de interesse geral dos cidadãos. No "mundo da vida" moram as práticas sociais mais arraigadas, a rotina mais prosaica, os nossos modos de amar, de velar os mortos ou, se quiserem, de conversar no botequim. Não por acaso, daí, desse mundo da vida, é que brota a esfera pública democrática; a própria imprensa nasceu dos saraus e das tabernas, quando aí se começou a criticar o poder.
Por isso, enfim, as formas de livre expressão na internet precisam estar a salvo do poder do Estado e da voracidade dos grupos econômicos. Por isso a decisão da Suprema Corte é bem-vinda.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".