Quarta, 9 de março de 2011, 09h53 Atualizada às 11h45
Reinaldo Marques/Terra Negros são maioria entre os trabalhadores e os foliões "pipocas" do carnaval de Salvador |
Claudio Leal
Os exageros númericos e outros pecados ufanistas costumam colorir a participação dos moradores de Salvador no Carnaval. Na contracorrente, uma pesquisa da Secretaria de Cultura (Secult) e da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI/Seplan) ajuda a medir o grau de envolvimento dos soteropolitanos e a esvaziar os clichês midiáticos sobre a festividade dos baianos.
Realizada em maio, junho e julho de 2009, a sondagem coletou informações da folia daquele ano, com entrevistados de 14 anos ou mais. Foram aplicados 6.677 questionários. De início, identifica-se um baixo de grau de envolvimento: 77% dos soteropolitanos (1,93 milhão) não comparecem a nenhum dos seis dias do evento; desses resistentes, 62,7% ficaram em casa e 14,3% viajaram. Isso não significa que tenham se livrado totalmente do impacto do Carnaval - seja pela montagem (e transtornos) da estrutura, seja pelas transmissões das TVs (7,3% assistem à cobertura).
Apenas 19% se divertiram em blocos, em camarotes e na "pipoca" (como são enquadrados os foliões que preferem curtir sem pagar nada pelas atrações musicais). Traduzindo, 478 mil almas baianas vão atrás do trio elétrico; 100 mil (4%) ficam do outro lado do balcão e trabalham durante o Carnaval. Nessa categoria de raladores estão as famílias de ambulantes que armam suas barracas nas franjas dos três circuitos momescos de Salvador.
"Ainda que o formato do Carnaval da Bahia priorize a faixa de público jovem, boa parte dos entrevistados (48,6%) entre 14 e 39 anos afirmou não ter ido à festa em 2009. Nesse grupo, viajar para outras cidades foi opção para 58,7%. Já entre a população acima de 40 anos (51,4%), a decisão de ficar em casa (53,7%) prevaleceu sobre a de viajar", revela a pesquisa. O Litoral Norte, a Ilha de Itaparica e as cidades do interior da Bahia são os principais destinos dos fujões.
Cores e letras
O abismo social é mais perceptível nas bordas das avenidas, ao se radiografar os foliões espremidos pelos blocos de corda e pelos camarotes. Entre os "pipocas", registra-se a maior taxa de analfabetismo e 1º grau incompleto (23,1%); 47,1% declararam ter 2º completo e 3º grau incompleto. Para efeito comparativo, os iletrados representam cerca de 3% dos habitués dos camarotes.
Você não estará errado se apontar a insegurança como a principal queixa dos que fugiram do bate-barriga. "Para justificar esse comportamento, diversas razões foram apontadas: falta de segurança (47,1%), desgosto pelas atrações (8,9%), falta de dinheiro (7,9%) e diversos outros motivos (34,3%). Nesse caso, foram citadas cinco principais razões, por ordem de importância: limitações familiares diversas, proibição religiosa, problemas de saúde, oportunidade para descansar e desgosto pela festa", diz o relatório "Comportamento dos residentes em Salvador no Carnaval 2009".
No corte étnico, nenhuma surpresa: 85,1% dos foliões pipocas são negros; 14,9%, brancos. No andar de cima - o camarote -, a parcela de brancos sobe para 40,9%. Numa cidade de maioria negra ou parda, 59,1% dos frequentadores dos camarotes são negros. Uma lembrança, apenas: a pesquisa contabiliza os residentes em Salvador, e não os turistas, predominantemente brancos e usuários contumazes dos espaços VIPs, sub-VIPs ou quase VIPs.
Na viração dos trabalhadores da festa - de servidores públicos e cordeiros a seguranças particulares e ambulantes -, a conformação Casa Grande & Senzala predomina. De quem são as mãos? 88,7% de negros. "Buscando traçar o perfil do trabalhador do Carnaval, verifica-se que este indivíduo é principalmente homem, de cor negra, com idade superior a 25 anos e não migrante".
Agora, as patacas, os caraminguás. O gasto diário médio de um pipoca estaciona em R$ 31,11; nos blocos, os baianos desembolsam R$ 162; nos camarotes, um pouco menos: R$ 112,62. E não se deve esquecer dos drinks e petiscos livres em camarotes como o "Daniela Mercury" e o "2222", pilotado por Flora Gil (neste último, o orçamento chegou a R$ 5 milhões; 1.200 convidados). Em 2009, o gasto total dos foliões beirou os 127,7 milhões. Há os camarotes pagos e os "de grátis", cujos convites são disputados por classes de A a Z.
"Vale salientar que nem sempre a renda mensal dos indivíduos está diretamente relacionada aos valores aplicados na festa. De um lado, o crédito disponibilizado por empresas, a exemplo da Central do Carnaval, ou via internet, possibilita à população de menor poder aquisitivo acesso aos blocos caros. De outro, a rede de relacionamentos dos indivíduos de maior nível de renda favorece a participação gratuita em blocos e camarotes patrocinados", descreve o relatório.
Em 2011, o governo da Bahia aplicou cerca de R$ 53 milhões no Carnaval de Salvador. Desse total, algo em torno de R$ 23 milhões para garantir a segurança.
A prefeitura da capital arrecadou R$ 15 milhões com a venda das cotas de publicidade em espaços públicos para as empresas Samsung, Petrobras, Itaú e Schin, além do governo estadual (lotes superiores a R$ 3 milhões). Outros patrocinadores menores, em geral empresas de mídia, investiram cada um R$ 150 mil. A prefeitura terceiriza a passagem do chapéu. As agências do consórcio OCP/Mago abocanharam uma comissão de 20% - em grana, um trocadinho de R$ 3 milhões.
Os números milionários da festa e a pesquisa do governo baiano não condensam toda a realidade, mas ajudam a entender as nuances de poder no maior carnaval brasileiro. Quem manda, e como manda, exige uma outra radiografia.
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