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sexta-feira, 11 de março de 2011

KEYNESIANISMO E IMORALISMO

HEITOR DE PAOLA

Ubiratan J. Iorio

Suponha que um pai, desde a mais tenra idade de seus filhos, ensine-lhes a gastar tudo e até mais do que ganharem incuta em suas cabeças que o hábito de poupar é um vício abominável recomende-lhes que contrair dívidas é uma virtude louvável quando estiver à beira da morte, os chame e lhes diga que deixa para eles um enorme buraco financeiro e que, além disso, ainda lhes prescreva que façam o mesmo com seus próprios filhos, esforçando-se, quando ficarem idosos, por deixar-lhes débitos maiores do que os que receberam como herança, empurrando-a sucessivamente para filhos, netos, bisnetos e todas as gerações futuras.

Certamente, um sujeito assim seria imediatamente tachado como irresponsável, perdulário, dissipador, esbanjador, gastador extravagante e estróina. Em termos morais, um péssimo exemplo para os filhos.

Entretanto, o que pouca gente percebe – inclusive a quase totalidade dos economistas – é que o keynesianismo nada mais é do que uma defesa pretensamente “científica” do comportamento do pai hipotético do parágrafo anterior! Mais ainda, que os vícios desse pai não são, do ponto de vista coletivo, vícios, mas virtudes e que as virtudes individuais, tais como a frugalidade, a modéstia, a poupança, a parcimônia, a boa administração dos bens e o trabalho duro, quando considerados do ponto de vista da sociedade, não são virtudes, mas vícios execráveis, verdadeiros pecados mortais.

Você está espantado? Então pense comigo sobre a essência da Teoria Geral e observe se não é o conceito de “multiplicador” de gastos, segundo o qual aumentos na propensão a gastar da “coletividade” acabam provocando aumentos mais do que proporcionais na renda “coletiva”, como que em um passe de mágica. Em uma economia fechada, esse “multiplicador” é definido como sendo matematicamente igual ao inverso da “propensão marginal a poupar”, ou seja, quanto maior a taxa de poupança, pior para todos: o “multiplicador” será baixo e haverá desemprego, choro e ranger de dentes... Não vou mostrar aqui a impropriedade desse tipo de raciocínio “macroeconômico”, porque no momento estou mais interessado em destacar a imoralidade do keynesianismo do que em discutir as fraquezas técnicas da Teoria Geral, que o tornam um livro medíocre em termos de teoria econômica. Porém, se você estiver interessado em detectá-las e analisá-las, basta ler a obra dos economistas da Escola Austríaca de Economia e, em particular, o livro de Murray Rothbard, Man, Economy and State, que está sendo traduzido para o português pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil. Ou, se quiser enriquecer os seus conhecimentos, ler os autores da chamada escola da Public Choice, principalmente James Buchanan e Gordon Tullock. (Observe que até importantes críticos do intervencionismo e defensores fervorosos do livre mercado, como Milton Friedman e os monetaristas da escola de Chicago usaram um instrumental essencialmente keynesiano em suas críticas. É conhecida a frase de Friedman: we are all keynesians).

O keynesianismo é uma doutrina imoral, porque se baseia no privilégio do imediato, do consumo e dos gastos, e não na preocupação com o futuro, na poupança e nos aumentos de produtividade. Com o pretexto de combater o desemprego e a pobreza inverte radicalmente os valores morais consagrados pela teoria econômica desde São Tomás de Aquino, passando pelos pós-escolásticos, por David Hume e Adam Smith, ao transformar vícios privados em virtudes públicas e virtudes privadas em vícios públicos. Rompe com toda a tradição da ciência econômica que, como se sabe, começou com grandes filósofos morais. Não significa isto que todo economista keynesiano seja um imoralista. Na verdade, em sua grande maioria, são pessoas moralmente corretas e bem intencionadas. Significa apenas que, por deficiências sérias em sua formação, não estudaram filosofia moral e ética e, por isso, não se dão conta da imoralidade das teorias que, ingenuamente, defendem.

Como explicar o sucesso do keynesianismo? Como entender que, no famoso debate verificado nos anos 30 do século XX, entre Keynes e Hayek, o inglês tenha saído vencedor, apesar das inúmeras inconsistências de sua teoria quando contrastada com os fortes argumentos austríacos, baseados na racionalidade? Como explicar que, no campo da política, praticamente todos os partidos no mundo inteiro tenham se transformado em redutos keynesianos?

A resposta a essas indagações não é difícil de ser achada. O sucesso do keynesianismo está em seu forte apelo popular, no sentido de que “os mercados são perversos” e os governos são “bons” e zelam pelo bem comum. Além disso, enquanto Hayek pregava austeridade, Keynes dizia que era necessário gastar mais. Ora, isso não representou sempre, ao longo da história, tudo o que a maioria dos políticos em todo o mundo desejou ouvir, ainda mais se dito ou aconselhado por uma fonte supostamente “científica”?

Em artigo recente (Crise econômica e financeira ou cultural e institucional? Análise à luz do debate entre Hayek e Keynes) publicado na Revista de Economia & Relações Internacionais da FAAP (vol. 9(17), 2010), os economistas portugueses José Manuel Moreira e André Azevedo Alves, professores da Universidade de Aveiro, concluem enfaticamente que “a sociedade de consumo e da imprevidência é, afinal, o reverso da moeda de uma famosa expressão atribuída a Keynes: “no longo prazo, estaremos todos mortos”. E aduzem:

“Afirmamos também que tanto as verdadeiras causas como as mais chocantes consequências da crise do nosso tempo só poderão ser percebidas e combatidas se conseguirmos olhar para o keynesianismo como um sistema articulado e coerente que ultrapassa a economia. Um sistema que, em especial a partir dos anos 1960 – ao transformar a generalidade dos economistas, políticos e ‘opinion makers’ em apoiantes e servidores dos dogmas do keynesianismo -, se conseguiu impor como teoria social do nosso tempo. Um sistema que, mais do que na teoria econômica, se assenta num sistema de pensamento global. Um sistema de contestação e de ataque à poupança e ao conjunto de valores liberais-conservadores e cristãos e sempre com ânsia de eliminar o futuro, a idade, as rugas, enfim, o tempo e os juros”. (pág. 122)

Nos últimos anos de sua vida, Keynes deu indícios de que não acreditava mais no que havia escrito na Teoria Geral - o que chegou a contrariar alguns de seus discípulos mais famosos, como Nicholas Kaldor e Joan Robinson -, mas, como observou Rothbard, achava que estava velho demais para assumir sua mudança de atitude e, por essa razão continuaria a considerar-se um imoralista. Nunca é demais lembrarmos que, em uma passagem autobiográfica (My Early Beliefs), Keynes tenha se vangloriado da forma como o círculo de seus amigos de Cambridge (quase todos pertencentes ao Bloomsbury Group) jactava-se de não respeitar as normas morais tradicionalmente consagradas: “repudiávamos totalmente qualquer obrigação pessoal de obedecer a normas gerais”. E, ainda, que esses amigos chegavam mesmo a considerar-se, “no sentido estrito do termo, imoralistas”...

A propósito da crise que explodiu no mundo em setembro de 2008, é entristecedor vermos que, após tantos anos decorridos da Teoria Geral, muitos analistas econômicos e – o que é pior – o público em geral e os bancos centrais dos países desenvolvidos, defenderam e aplicaram terapias keynesianas na tentativa de debelá-la. Expansões monumentais de moeda e crédito, utilização de recursos dos contribuintes para salvar banqueiros e empresários imprevidentes e políticas de incentivo ao consumo. Parecia um rissorgimento do keynesianismo. Isto, no entanto, vai durar pouco, muito pouco.

Por que esse novo surto será curto? O diagnóstico de Keynes para a Grande Depressão era inteiramente equivocado (como a crise do início dos anos 20, que terminou sem qualquer necessidade de intervenção do estado na economia), mas hoje, decorridas sete décadas, há um sério agravante que o torna mais errado ainda, porque, depois de setenta anos de keynesianismo fiscal e monetário, os estados estão quebrados em todo o mundo, assolados por dívidas públicas que não podem pagar e por outros males (sistemas previdenciário, de saúde, trabalhista e tributário) que cresceram, incharam e hoje transbordam em decorrência do wealfare state keynesiano.

Os netos de 2011 estão sendo chamados para pagar as contas que seus avôs e pais abriram ao longo de sete décadas e, embora o keynesianismo lhes recomende que passem a bola para as gerações futuras, isso será absolutamente impossível: os estados quebrarão antes. E a moralidade fiscal e monetária, individual e coletiva, será restaurada, não por bem, mas pelo mal do desemprego e da inflação.

E o moralismo que sempre caracterizou a Escola Austríaca de Economia, bem como a Escola da Escolha Pública, será restabelecido na prática. E, espero, também, na academia.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".