SÁBADO, 9 DE JANEIRO DE 2010
TIBIRIÇÁ RAMAGLIO
No mesmo “Elogio da mansidão” a que aludi em post anterior (4/01), o filósofo Norberto Bobbio faz também uma jocosa poderação acerca do moralismo em nossos tempos. Diz ele que, “na sociedade do bem-estar, o moralista é considerado no melhor dos casos um desmancha-prazeres, alguém que não sabe se divertir, não sabe viver”. Segue adiante numa constatação implacável: “Quem quiser silenciar o cidadão que protesta e ainda tem a capacidade de se indignar, diga que ele não passa de um moralista. É um expediente fulminante”.
Confirmando o que afirma o filósofo, lembro-me dos tempos em que eu militava na OSI (Organização Socialista Internacionalista), a famigerada Libelu, que promovia anualmente um Congresso cujas resoluções deveriam ter força de lei para o período consecutivo. Num deles, o único de que participei – pois a minha permanência na agremiação, graças a Deus!, foi breve –, discutiu-se exaustivamente a liberação do consumo de maconha pelos militantes, o que era proibido pelo estatuto da organização. Contrário à proposta, que acabou por derrotar mediante uma tenaz aplicação do centralismo democrático, o Comitê Central fez sempre questão de esclarecer que não se posicionava assim por moralismo. Tratava-se de uma questão de segurança: para um organismo que vivia na clandestinidade, era um risco a mais ter um militante preso por porte de droga.
O repúdio ao moralismo, considerado a mais acabada expressão da mentalidade burguesa, provavelmente assumiu um caráter programático a partir da chamada revolução dos costumes dos anos 1960, que preconizava o amoralismo, enquanto seus militantes se entregavam à prática da imoralidade, promovendo simplesmente uma inversão de valores, na impossibilidade de obter sua superação. Ou existe dúvida de que a exaltação do sexo, hoje, é somente a contrapartida da repressão que a antecedeu? O consumo de Viagra por adolescentes como forma de turbinar seu desempenho deixa evidente que a mentalidade moderninha dos pais e as aulas de educação sexual à moda Marta Suplicy não valem nada.
Ao contrário do que atualmente se tornou senso comum, o moralismo não pode ser encarado como conformismo ou hipocrisia, como “consideração moral inconsistente por estar separada do sentimento moral, por ser baseada em preceitos tradicionais irrefletidos ou por ignorar a particularidade e a complexidade da situação julgada”, de acordo com o dicionário. Até porque os “preceitos tradicionais irrefletidos” talvez não sejam tão irrefletidos assim. Nessa nossa sociedade do bem-estar, a que Bobbio alude, onde o prazer se tornou dever e o gozo uma obrigação, onde todo mundo afirma ter direitos e ninguém imagina ter deveres, é sem dúvida imensa a necessidade de moralistas, de quem faça o elogio ou pelo menos a apologia da virtude e das virtudes. Seria fantástico ouvir, por exemplo, uma voz que se erguesse, em meio ao coro histérico do hedonismo consumista contemporâneo, proclamando a superioridade da temperança.
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