Postado por Antonio Emilio Angueth de Araujo, 27 de setembro de 2008
A revista Veja, em sua edição 2078, de 17 de setembro de 2008, publica uma resenha de dois livros que tratam do tema do diabo, Anjos Caídos e Satã. O resenhista é Jerônimo Teixeira.
Não li nenhum dos dois livros e nem irei lê-los, pois tenho mais o que fazer. Mas chamam a atenção na resenha algumas afirmações. Se elas são do sr. Jerônimo ou dos autores dos livros, não fica claro no texto.
Uma observação inicial é a de que há uma superficialidade insuportável na resenha. Tal como em outra resenha que comentei aqui (O mal, os católicos e a Veja), parece que atualmente os resenhistas têm muito pouco interesse em se aprofundar no tema do livro que eles comentam. As obras que o sr. Jerônimo cita, além da que ele comenta, para dar um sabor de erudição ao seu texto são “Legenda Áurea” e “Fausto”. A referência à “Legenda Áurea” mostra que tipo de conhecimento tem o resenhista, pois qualquer católico minimamente informado sabe que a obra é totalmente condenável por ser inverídica[1]. Ele ainda cita uma referência de Charles Baudelaire ao diabo. No mais, o sr. Jerônimo tenta fazer o diabo parecer um ser absolutamente ridículo.
Aqui lembro-me de Bernanos em seu “Diário de um Pároco de Aldeia”, quando o pároco diz: “Pois Satã é um amo muito rígido: ele não ordenaria, como o Outro, com sua simplicidade divina: ‘Imitem-me!’ Ele não suporta que suas vítimas se assemelhem a ele, permite-lhes apenas uma caricatura grosseira, impotente, com a qual deve se deliciar, sem jamais se saciar, a feroz ironia do abismo.” Lembro também da advertência inicial que C.S. Lewis faz em seu “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”: “Há dois erros semelhantes mas opostos que os seres humanos podem cometer quanto aos demônios. Um é não acreditar em sua existência. O outro é acreditar que eles existem e sentir um interesse excessivo e pouco saudável por eles. Os próprios demônios ficam igualmente satisfeitos com ambos os erros, e saúdam o materialista e o mago com a mesma alegria.” Faria muito bem ao sr. Jerônimo ler tanto o livro de Bernanos quanto o de Lewis.
Comentemos pois a resenha, no que ela tem de mais significativo. A primeira frase que chama a atenção é: “No cômputo final, Satanás é quase como um figurante na Bíblia. Sua aparição”. A outra, semelhante a essa é: “A narrativa cristã da perdição e da redenção do homem quase poderia prescindir do Coisa-Ruim.” Notem, primeiramente, que satanás e coisa-ruim são escritos com letra maiúscula e redenção com minúscula. Daí se vê que o sr. Jerônimo não entende bem as coisas que comenta. Não entende que a Redenção só foi necessária por causa da Queda, que teve participação direta da serpente, que outra coisa não é que satanás.
Com relação à posição bíblica de figurante de satanás, vamos clarear um pouco as coisas. Primeiramente, nós católicos, somos os primeiros a admitir que as referências bíblicas a satanás não são numerosas. Mas elas são muito significativas. Vejamos algumas:
“Como caíste do céu,
ó astro brilhante, que, ao nascer
do dia, brilhavas?
Como caíste por terra, tu que ferias as nações?
Que dizias no teu coração: Subirei
ao céu,
estabelecerei o meu trono acima dos astros de Deus,
sentar-me-ei sobre o monte da aliança,
(situado) aos lados do aquilão.
Sobrepujarei a altura das nuvens,
Serei semelhante ao Altíssimo.
E contudo foste precipitado no inferno,
Até ao mais profundo dos abismos.” (Is 14:12-15)
“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos”. (Mt 25:41)
“Eu via satanás cair do céu como um raio.”(Lc 10:18)
“Houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos pelejava contra ele; porém estes não prevaleceram, nem o seu lugar se encontrou mais no céu. Foi precipitado aquele grande dragão, aquela antiga serpente, que se chama demônio e satanás, que seduz todo o mundo, foi precipitado na terra, e foram precipitados como ele os seus anjos.” (Ap 12:7-9)
Somam-se a essas, as narrativas dos três Evangelhos sinóticos sobre as tentações de Nosso Senhor Jesus Cristo pelo demônio. Sobre elas há um comentário belíssimo de Bento XVI em seu livro “Jesus de Nazaré”.
Essas (e outras) poucas referências bíblicas são a palavra da Sagradas Escrituras. Para nós, católicos, além das Sagradas Escrituras, há também a Tradição da Igreja. E aí há muitíssimas referências ao diabo, da Patrística latina e grega, de vários grandes teólogos, dos Concílios e dos Papas.
Há assim uma riqueza imensa de comentários sobre a natureza do pecado dos anjos rebeldes e de sua rebelião contra Deus.
O Concílio que definiu o dogma referente ao demônio foi o IV Concílio Laterano de 1215: “Diabolus enim et alii dæmones a Deo quidem naturâ creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali.” [O diabo e os outros demônios foram criados por Deus naturalmente bons, mas por si mesmos se tornaram maus.]
Que o diabo tenha a natureza angélica, que ele tenha sido criado bom e se rebelado por orgulho encerra um grande ensinamento para nós católicos: o grande pecado contra Deus é o orgulho ou soberba. É ele que pode nos levar aos infernos e é em direção a ele que o demônio nos empurra. Por isso, a primeira das bem-aventuranças é: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. Os ricos de espírito são os orgulhosos e: “Ai de vós ricos, porque recebestes já a consolação.”
Depois de tudo isso, o sr. Jerônimo termina sua resenha, dando razão a Baudelaire “que observou que o maior truque do Diabo é nos convencer de que ele não existe.” O resenhista conclui: “Faz sentido: é só dar-lhe um pouco de atenção, para o Diabo se tornar uma figurinha ridícula.” Quem escreve diabo com letra maiúscula, protocolando-o o maior respeito, e depois o chama de figurinha ridícula ou perdeu o juízo ou quer brincar com fogo.
Nós católicos queremos a maior distância do diabo, pois sabemos que ele é mau e muito mais poderoso que nós humanos. Por isso rezamos pedindo a proteção dos santos, da Virgem Maria, nossa grande protetora contra o demônio e do Altíssimo Jesus Cristo que, quando entre nós, expulsou muitos demônios que atentavam os seres humanos e em nome de quem é feito o exorcismo católico.
Quem se interessar pelo assunto “demônio” pode consultar a Enciclopédia Católica sobre Demônio e Demonologia.
_________________________________
[1] Ver, por exemplo, o verbete Beato Jacopo de Veragine, da Enciclopédia Católica.
Não li nenhum dos dois livros e nem irei lê-los, pois tenho mais o que fazer. Mas chamam a atenção na resenha algumas afirmações. Se elas são do sr. Jerônimo ou dos autores dos livros, não fica claro no texto.
Uma observação inicial é a de que há uma superficialidade insuportável na resenha. Tal como em outra resenha que comentei aqui (O mal, os católicos e a Veja), parece que atualmente os resenhistas têm muito pouco interesse em se aprofundar no tema do livro que eles comentam. As obras que o sr. Jerônimo cita, além da que ele comenta, para dar um sabor de erudição ao seu texto são “Legenda Áurea” e “Fausto”. A referência à “Legenda Áurea” mostra que tipo de conhecimento tem o resenhista, pois qualquer católico minimamente informado sabe que a obra é totalmente condenável por ser inverídica[1]. Ele ainda cita uma referência de Charles Baudelaire ao diabo. No mais, o sr. Jerônimo tenta fazer o diabo parecer um ser absolutamente ridículo.
Aqui lembro-me de Bernanos em seu “Diário de um Pároco de Aldeia”, quando o pároco diz: “Pois Satã é um amo muito rígido: ele não ordenaria, como o Outro, com sua simplicidade divina: ‘Imitem-me!’ Ele não suporta que suas vítimas se assemelhem a ele, permite-lhes apenas uma caricatura grosseira, impotente, com a qual deve se deliciar, sem jamais se saciar, a feroz ironia do abismo.” Lembro também da advertência inicial que C.S. Lewis faz em seu “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”: “Há dois erros semelhantes mas opostos que os seres humanos podem cometer quanto aos demônios. Um é não acreditar em sua existência. O outro é acreditar que eles existem e sentir um interesse excessivo e pouco saudável por eles. Os próprios demônios ficam igualmente satisfeitos com ambos os erros, e saúdam o materialista e o mago com a mesma alegria.” Faria muito bem ao sr. Jerônimo ler tanto o livro de Bernanos quanto o de Lewis.
Comentemos pois a resenha, no que ela tem de mais significativo. A primeira frase que chama a atenção é: “No cômputo final, Satanás é quase como um figurante na Bíblia. Sua aparição”. A outra, semelhante a essa é: “A narrativa cristã da perdição e da redenção do homem quase poderia prescindir do Coisa-Ruim.” Notem, primeiramente, que satanás e coisa-ruim são escritos com letra maiúscula e redenção com minúscula. Daí se vê que o sr. Jerônimo não entende bem as coisas que comenta. Não entende que a Redenção só foi necessária por causa da Queda, que teve participação direta da serpente, que outra coisa não é que satanás.
Com relação à posição bíblica de figurante de satanás, vamos clarear um pouco as coisas. Primeiramente, nós católicos, somos os primeiros a admitir que as referências bíblicas a satanás não são numerosas. Mas elas são muito significativas. Vejamos algumas:
“Como caíste do céu,
ó astro brilhante, que, ao nascer
do dia, brilhavas?
Como caíste por terra, tu que ferias as nações?
Que dizias no teu coração: Subirei
ao céu,
estabelecerei o meu trono acima dos astros de Deus,
sentar-me-ei sobre o monte da aliança,
(situado) aos lados do aquilão.
Sobrepujarei a altura das nuvens,
Serei semelhante ao Altíssimo.
E contudo foste precipitado no inferno,
Até ao mais profundo dos abismos.” (Is 14:12-15)
“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos”. (Mt 25:41)
“Eu via satanás cair do céu como um raio.”(Lc 10:18)
“Houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos pelejava contra ele; porém estes não prevaleceram, nem o seu lugar se encontrou mais no céu. Foi precipitado aquele grande dragão, aquela antiga serpente, que se chama demônio e satanás, que seduz todo o mundo, foi precipitado na terra, e foram precipitados como ele os seus anjos.” (Ap 12:7-9)
Somam-se a essas, as narrativas dos três Evangelhos sinóticos sobre as tentações de Nosso Senhor Jesus Cristo pelo demônio. Sobre elas há um comentário belíssimo de Bento XVI em seu livro “Jesus de Nazaré”.
Essas (e outras) poucas referências bíblicas são a palavra da Sagradas Escrituras. Para nós, católicos, além das Sagradas Escrituras, há também a Tradição da Igreja. E aí há muitíssimas referências ao diabo, da Patrística latina e grega, de vários grandes teólogos, dos Concílios e dos Papas.
Há assim uma riqueza imensa de comentários sobre a natureza do pecado dos anjos rebeldes e de sua rebelião contra Deus.
O Concílio que definiu o dogma referente ao demônio foi o IV Concílio Laterano de 1215: “Diabolus enim et alii dæmones a Deo quidem naturâ creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali.” [O diabo e os outros demônios foram criados por Deus naturalmente bons, mas por si mesmos se tornaram maus.]
Que o diabo tenha a natureza angélica, que ele tenha sido criado bom e se rebelado por orgulho encerra um grande ensinamento para nós católicos: o grande pecado contra Deus é o orgulho ou soberba. É ele que pode nos levar aos infernos e é em direção a ele que o demônio nos empurra. Por isso, a primeira das bem-aventuranças é: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. Os ricos de espírito são os orgulhosos e: “Ai de vós ricos, porque recebestes já a consolação.”
Depois de tudo isso, o sr. Jerônimo termina sua resenha, dando razão a Baudelaire “que observou que o maior truque do Diabo é nos convencer de que ele não existe.” O resenhista conclui: “Faz sentido: é só dar-lhe um pouco de atenção, para o Diabo se tornar uma figurinha ridícula.” Quem escreve diabo com letra maiúscula, protocolando-o o maior respeito, e depois o chama de figurinha ridícula ou perdeu o juízo ou quer brincar com fogo.
Nós católicos queremos a maior distância do diabo, pois sabemos que ele é mau e muito mais poderoso que nós humanos. Por isso rezamos pedindo a proteção dos santos, da Virgem Maria, nossa grande protetora contra o demônio e do Altíssimo Jesus Cristo que, quando entre nós, expulsou muitos demônios que atentavam os seres humanos e em nome de quem é feito o exorcismo católico.
Quem se interessar pelo assunto “demônio” pode consultar a Enciclopédia Católica sobre Demônio e Demonologia.
_________________________________
[1] Ver, por exemplo, o verbete Beato Jacopo de Veragine, da Enciclopédia Católica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário