por Renato Lima
O agricultor Abdias Nunes Gonçalves, 42 anos, é um dos 14 filhos que receberam um pequeno pedaço de terra em Petrolina, sertão do São Francisco, Nordeste do Brasil. A área, que tinha 2,6 hectares, nunca daria para sair da pobreza. Entretanto, depois de muito esforço, Abdias conseguiu comprar a parte dos irmãos e tem a posse da terra. Agora, com o título de propriedade, ele não tem dúvida de que trilhará um caminho de prosperidade.
“Antes essa terra aqui era de herança, ninguém tomava conta. Agora eu consegui comprar a parte dos meus irmãos e estou zelando”, me contou. Eu estava lá para fazer uma avaliação das experiências de microcrédito nesta região do país, a mais pobre do Brasil. E me deparei com um exemplo perfeito de que, antes de a expansão de crédito funcionar como alavanca de oportunidades, o direito de propriedade é vital para o estímulo ao trabalho e acumulação de riqueza.
Abdias pode nunca ter lido Adam Smith, Milton Friedman ou Richard Pipes. É um homem simples, mas com grande simpatia e vontade de trabalhar. Ele sabe na prática a importância dos conceitos esmiuçados por esses pensadores. A região do São Francisco fica no meio do semi-árido brasileiro, mas vem desenvolvendo sua agricultura através da irrigação e do mercado externo. Abdias tomou crédito justamente para irrigar sua pequena propriedade, hoje com 12 hectares. Ele teve o cuidado de separar parte da produção para culturas de ciclo curto, como cebolinha e melancia, que vão render dinheiro mais rápido. E a outra parte dedicou a culturas de maior valor, que poderão ter como destino o mercado europeu ou japonês. Isso porque é do Vale do São Francisco que a maior parte das frutas tropicais do Brasil são exportadas, como manga, coco e goiaba.
Sua casa ainda está em construção, e a televisão e o sofá para a sala ele espera comprar após a primeira safra. Neste mundo globalizado, se a União Européia criar uma barreira à entrada de frutas tropicais do Brasil, isso afetaria diretamente a renda deste pequeno agricultor e os seus sonhos de consumo.
Como nos lembra Hernando de Soto, a concessão de títulos de propriedade privada foi um dos segredos de o capitalismo ter dado certo no Ocidente. Os pobres têm ativos, lembra o professor peruano, mas a falta de propriedade faz com que esse capital fique morto, não se replique. E é o livre comércio que permitirá que a produção de Abdias chegue à mesa de um consumidor japonês ou europeu, que poderá comprar uma fruta tropical a uma qualidade e custo mais baixo. Os dois lados saem ganhando.
O Nordeste do Brasil é onde o microcrédito mais tem avançado neste País. Uma das razões é que este tipo de crédito é concedido sem garantias. Mas, até para não haver exposição a um risco muito grande, que possa afetar a sustentabilidade do programa, a quantidade de crédito ofertada é muito limitada. Tendo que crescer com base em capital próprio, o ritmo de acumulação é bem mais lento. Possivelmente Abdias vai precisar de outra modalidade de crédito para expandir sua produção futura, e agora terá condições de oferecer parte da sua terra como garantia.
No Nordeste, o microcrédito rural e urbano vem crescendo, mas nem todos os casos são bem sucedidos como o do agricultor de Petrolina que visitei. Mas é perceptível como a expansão do crédito, ainda que em escala micro, está ajudando pessoas a saírem da miséria para a pobreza. Entretanto, ainda há alguns passos a serem dados em direção a uma sociedade com mais oportunidades, para que o caso de Abdias não seja um exemplo perdido entre vários outros. Concessão de direito de propriedade, relações trabalhistas mais livres e menos regulamentadas e livre comércio fariam pela região o que o crédito, por si só, jamais conseguirá.
Renato Lima é jornalista e apresentador do “Café Colombo – o seu programa de livros e idéias”, da Universitária FM, Recife (www.cafecolombo.com.br).
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