Escrito por Thomas Sowell, 20 de maio de 2008
Professora Joyce Lee Malcolm do Bentley College merece algum tipo de prêmio especial por assumir a tarefa de dizer coisas sensatas sobre um tópico onde o besteirol está profundamente enraizado e fortemente dogmático. No seu recente livro, “Armas e Violência” (n.t.: “Guns and Violence”), a professora Malcolm examina a história das armas, das leis antiarmas e dos crimes violentos na Inglaterra. O que torna isso mais do que um exercício de história é a sua relevância para as atuais controvérsias sobre as leis antiarmas nos EUA.
Os antiarmas fanáticos adoram fazer comparações internacionais altamente seletivas sobre a posse de armas e os índices de homicídio. Mas Joyce Lee Malcolm chama a atenção para os perigos destas comparações. Por exemplo, o índice de homicídios na cidade de Nova Iorque foi por mais de dois séculos cinco vezes superior ao índice de Londres--e durante a maior parte daquele período, nenhuma das duas tinha qualquer tipo de leis antiarmas.
Em 1911, o estado de Nova Iorque instituiu uma das mais severas leis antiarmas dos EUA, enquanto que leis antiarmas mais sérias não apareceram na Inglaterra por quase dez anos. Ainda assim, Nova Iorque continuou a ter um índice de homicídios bem superior ao índice de Londres.
Se estamos falando sério sobre o papel das armas e das leis antiarmas como fatores nos índices de violência nos diferentes países, precisamos então fazer o que a professora de história Malcolm faz: examinar a história das armas e da violência. Na Inglaterra, como ela chama atenção, durante muitos séculos “a taxa de crimes violentos continuou a diminuir de modo marcante durante o período em que a disponibilidade de armas começou a aumentar.”
A Declaração dos Direitos inglesa de 1688 deixou claro que o direito individual à posse de armas é um direito individual que independe do direito coletivo das milícias. Armas estavam amplamente disponíveis tanto para os ingleses quanto para os americanos até após o inicio do século vinte.
As leis antiarmas inglesas também não foram uma resposta a uma crise de homicídios. Durante um período de três anos perto do final do século dezenove “houve somente 59 fatalidades causadas por armas curtas numa população de 30 milhões de indivíduos,” de acordo com a professora Malcolm. “Destes, 19 foram acidentes, 35 suicídios e somente 3 foram homicídios--uma média de um (homicídio) por ano.”
O crescimento do estado intervencionista inglês no início do século vinte incluiu esforços para restringir a posse de armas. Até a primeira guerra mundial, leis antiarmas começaram a restringir a posse de armas. Após a segunda guerra essas restrições cresceram em severidade, e eventualmente desarmaram a população inglesa--ou melhor, a população de bem inglesa.
Foi durante este período de severas restrições à posse de armas que a taxa de crimes em geral, e particularmente a de homicídios, começou a crescer na Inglaterra. “Enquanto o número de armas legais diminuiu, o número de crimes com armas cresceu”, diz a professora Malcolm.
Em 1954 houve somente uma dúzia de assaltos à mão armada em Londres, mas pelos anos 90 este número cresceu cem vezes. Na Inglaterra, assim como nos EUA, perseguições drásticas à posse de armas por pessoas de bem foram acompanhadas por mais suavidade no tratamento dos criminosos. Nos dois países isto acabou sendo a fórmula para um desastre.
Enquanto que a Inglaterra ainda não alcançou o índice de homicídios americano, ela já ultrapassou os EUA nos índices de roubos e furtos. Além disso, em anos recentes o índice de homicídios na Inglaterra tem crescido mesmo sob leis antiarmas ainda mais severas, enquanto que o índice de homicídios americano vem diminuindo enquanto mais e mais estados da união passam a permitir o porte (n.t.: o autor aqui se refere ao ‘porte’ mesmo, i.e., transporte da arma na rua, em geral ocultada)--e passaram a trancafiar mais criminosos.
Em ambos os países, os fatos não tem qualquer efeito sobre os dogmas do fanático antiarmas. O fato de que a maioria das armas usadas para matar pessoas na Inglaterra não foram compradas legalmente não teve qualquer efeito na sua fé nas leis antiarmas de lá, assim como o fato de que a arma do sniper de Washington D.C. não era legal não afetou sua fé nas leis antiarmas daqui.
Na Inglaterra, assim como nos EUA, crimes sensacionais cometidos com armas foram usados politicamente para promover o combate a posse de armas por cidadãos de bem, sem se falar nada sobre os criminosos. Americanos fanáticos pela lei Brady não dizem nada sobre o fato de que o homem que atirou no James Brady e que tentou matar o presidente Ronald Reagan já está andando nas ruas sob licença.
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Falar sobre fatos com os fanáticos antiarmas só vai irritá-los. Mas o resto de nós precisa saber os fatos. Mais que isso, precisamos saber que muito daquilo que os antiarmas chamam de “fatos” não agüenta um exame minucioso.
O grande dogma dos antiarmas é que lugares com as mais severas leis antiarmas têm índices mais baixos de homicídio e de outros crimes cometidos com armas. Como eles provam isso? Simples. Eles fazem comparações de lugares onde isto acontece e ignoram todas as comparações onde o oposto ocorre.
Fanáticos antiarmas comparam os EUA com a Inglaterra para mostrar que o índices de homicídios são menores em lugares onde as restrições a posse de armas são mais severas. Mas você poderia também comparar a Suíça com a Alemanha, a Suíça tendo um índice de homicídio menor do que o índice alemão apesar de ter, percentualmente, uma população três vezes mais armada. Outros países onde, percentualmente, a população é altamente armada e o índice de homicídios é baixo são Israel, Nova Zelândia e Finlândia.
Dentro dos EUA, as zonas rurais têm populações bem armadas e índices de homicídios baixos; a população branca está mais bem armada percentualmente do que a população negra e tem um índice menor de homicídios. No país (n.t.: EUA) como um todo, o percentual da população que possui armas curtas dobrou próximo ao final do século vinte enquanto que o índice de homicídios caiu. Mas tais fatos não são mencionados pelos fanáticos antiarmas nem pela mídia esquerdista.
Outro dogma entre os que apóiam leis antiarmas é que a posse de uma arma em casa, para auto-defesa, é desnecessária e só aumenta suas chances do dono se ferir ou morrer. Sua melhor saída, de acordo com este dogma, é não oferecer qualquer resistência ao invasor.
Pesquisas acadêmicas dizem o contrário. Pessoas que não resistiram foram feridas com o dobro da freqüência daquelas que resistiram com uma arma. Aquelas que resistiram sem uma arma obviamente são as que foram feridas com maior freqüência.
Tais fatos são simplesmente ignorados pelos fanáticos antiarmas. Eles preferem citar um estudo publicado há alguns anos atrás no New England Journal of Medicine que já foi demolido por vários pesquisadores. De acordo com este desacreditado estudo, pessoas com armas em casa tinham maiores chances de serem mortas.
Como chegaram a esta conclusão? Eles pegaram as pessoas assassinadas em casa, averiguaram quantas (percentualmente) tinham armas em casa, e então fizeram uma comparação com pessoas que não foram mortas em casa.
Usando a mesma lógica você poderia demonstrar que pessoas que contratam guarda-costas aumentam as chances de serem assassinadas. Obviamente pessoas que contratam guarda-costas já se sentem ameaçadas, mas isso significa que os guarda-costas são a razão da ameaça?
Raciocínio similarmente ilógico já foi usado contando quantos invasores foram mortos por residentes armados e então comparando este número com o número de residentes mortos pela arma mantida em casa.
A maioria dos usos de armas em auto-defesa--tanto em casas quanto nas ruas--não envolve um disparo. Quando a potencial vítima puxa a arma, o bandido em geral tem cérebro o suficiente para desistir do crime. Mas as vidas salvas desta maneira não são contadas.
Pessoas mortas em casa por membros da família são extremamente atípicas. A vasta maioria destas vítimas já chamou a polícia em casa devido à violência doméstica, e mais da metade chamou a polícia várias vezes. Os assassinos nestes casos não são pessoas normais que se irritaram quando uma arma estava por perto.
Também na maioria dos casos não são “crianças” mortas à bala meros nenéns que encontraram uma arma municiada. A maioria destas “crianças” são adolescentes membros de gangues que se matam deliberadamente.
De fato algumas crianças pequenas morrem acidentalmente pelo manuseio de uma arma em casa--mas este número é menor do que o número de crianças que se afogam em banheiras. Alguém está propondo a proibição de banheiras? Além disso, durante os anos o número de acidentes fatais com armas caiu enquanto que o estoque de armas aumentou em algumas dezenas de milhões de armas (n.t.: nos EUA).
A maioria dos argumentos dos antiarmas são castelos de areia.
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A maioria das pessoas a favor de leis antiarmas apóiam tais leis porque acreditam que elas (as leis) vão reduzir o número de mortes cometidas com armas de fogo. Tais pessoas não são o problema. Suas opiniões podem mudar quando elas compreendem que os fatos são bem diferentes daquilo que elas imaginavam ou foram levadas a imaginar.
O problema é com tipos diferentes de pessoas, em geral em posições de liderança, cujo apoio a leis antiarmas é forte o suficiente para se sobrepor aos fatos. Quando o estudo empírico de John Lott sobre os efeitos das leis antiarmas mostrou que a posse de armas tende na média a diminuir a criminalidade, em particular os homicídios, ele ofereceu uma cópia do estudo a um membro de grupo pró leis antiarmas, mas ela se recusou a ver o estudo.
Mais tarde, quando o estudo foi publico em um livro chamado “Mais Armas, Menos Crimes” (n.t.: “More Guns, Less Crime”), a ABC News entrou em contato com esta mesma mulher para saber seus comentários e ela descreveu o estudo como “defeituoso”. Quando Lott ligou para ela para perguntar como ela poderia descrever o estudo como defeituoso sem tê-lo lido, ela bateu o telefone na cara dele.
Claramente os fatos não são cruciais para esta defensora das leis antiarmas--ou para muitos outros fanáticos. Nem pode a lista de pessoas pró e contra leis antiarmas ser explicada pelos fatos igualmente disponíveis para pessoas em todas as posições do espectro ideológico, afinal os esquerdistas lutam por leis antiarmas mais restritas e os liberais (n.t.: “liberais” aqui no sentido clássico, não no atual sentido americano) resistem.
Enquanto o estudo de John Lott é talvez o mais conhecido mostrando que a maior disponibilidade de armas diminui a criminalidade, outros estudos com conclusões semelhantes são “À Queima-Roupa” (n.t.: “Pointblank”), por Gary Kleck, e o mais recente livro “Armas e Violência” (n.t.: “Guns and Violence”), por Joyce Lee Malcolm.
E os estudos do outro lado do debate? Dois amplamente divulgados são um artigo que saiu no New England Journal of Medicine em 1993 e um livro publicado em 2000 chamado “Armando a América” (n.t.: “Arming America"), sobre a história da posse de armas neste país (EUA).
O artigo do jornal acadêmico de medicina alegava que armas em casa aumentam as chances de violência e morte. Isto foi baseado numa comparação entre pessoas que foram mortas em casa com uma amostra de pessoas similares na população. Aqueles que foram mortos em casa tinham armas em casa com maior freqüência.
O que é realmente estranho sobre este artigo num jornal de medicina é que ele segue a mesma linha de raciocínio dos que cometem a falácia de julgar hospitais pelo índice de óbitos. As pessoas que vão para os hospitais estão sob maior risco de morte do que as pessoas que não vão. Isto torna os hospitais perigosos? Ou mostra que as pessoas que vão para os hospitais já estão sob maior risco?
E de fato, o índice de óbitos num dos melhores hospitais do mundo pode ser maior do que o índice de um hospital local porque as pessoas com problemas médicos mais complicados, em geral, procuram hospitais com os melhores especialistas e os melhores equipamentos.
Da mesma forma que seria falacioso assumir que pessoas que procuram diferentes hospitais estão sob o mesmo risco de saúde, é falacioso também assumir que as pessoas que decidiram manter uma arma em casa estão inicialmente sob tanto risco de vida quanto as pessoas que decidiram não manter uma arma. Algumas eram criminosos que foram mortos pela polícia. Uma comparação de coisas diferentes não prova nada.
O mais recente livro antiarmas, por Michael Bellesiles da Emory University, recebeu abundantes elogios em órgãos da intelligentsia esquerdista como o jornal New York Times e o New York Review of Books, além de um prestigioso prêmio de história. Aí alguns pesquisadores começaram a verificar as evidências do autor.
O resultado final foi a renúncia do professor Bellesiles após uma investigação da sua pesquisa levantar dúvidas quanto a sua “integridade acadêmica”. Mas é pouco provável que isto barre a citação desta pesquisa pelos antiarmas. (n.t.: O prêmio de história também foi revogado e o livro não foi mais impresso.)
Fatos não são o ponto central para os fanáticos antiarmas, que tipicamente compartilham a visão esquerdista do mundo na qual sua sabedoria e virtude superiores precisam ser impostas sobre os outros, seja em relação às armas, ao meio ambiente ou a outros assuntos.
Quando John Lott perguntou à ativista antiarmas se ela gostaria de dar uma olhada nos fatos reunidos pelo seu estudo, ele deve ter imaginado que a questão era meramente a busca da melhor política pública. Mas o que estava em jogo era toda uma visão da sociedade e o sentido de vida da ativista. Não foi à toa que ela não quis correr o risco de encarar os fatos.
Publicado originalmente no site Townhall.com, 27 de Novembro de 2002
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