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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ágora: obra-prima de propaganda do ateísmo?

 

MÍDIA SEM MÁSCARA

ESCRITO POR LUIZ FERNANDO VAZ | 17 ABRIL 2012
ARTIGOS - CULTURA

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Ágora, dirigido por Alejandro Amenábar, não nega o poder do Deus cristão: se opõe a ele. Requenta o velho mito da guerra entre a fé e a ciência, e está repleto de simbologia pagã e maçônica.

(Este artigo contém spoilers. Se não viu o filme e não quer saber dos detalhes, evite a leitura.)

Segundo o IMDB, “Ágora é um drama histórico fixado no Egito romano sobre um escravo que se volta para a crescente onda do cristianismo na esperança de perseguir a liberdade, enquanto também se apaixona por sua mestra, a famosa filósofa e matemática Hypatia de Alexandria."

Assim o filme contextualiza o espectador no início do filme:

"Ao final do século IV d.C, o lmpério Romano estava à beira do colapso. Alexandria, uma província no Egito ainda conservava parte de seu esplendor. Ostentava uma das sete maravilhas do mundo antigo, o lendário Farol de Alexandria, assim como a maior biblioteca da Terra. A biblioteca, além de símbolo cultural, era um centro religioso, um lugar onde os pagãos veneravam seus deuses ancestrais. A cidade, célebre pelo culto pagão, coexistia agora com a fé judaica e uma religião que proliferava, até recentemente proibida. O Cristianismo."

Ágora é um filme de Alejandro Amenábar, que declarou: "o filme é contra a intolerância e alerta para aqueles que, nos dias de hoje, ainda estão dispostos a matar pelas suas ideias".

Vejamos como as coisas são colocadas na película.

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Logo nas primeiras cenas vemos um debate público entre um dito cristão chamado Ammonius e um pagão. O tal cristão promete fazer um milagre: atravessar um pátio em chamas. Diante da incredulidade do pagão, o dito atravessa incólume sobre as chamas. Logo em seguida, alguns companheiros seus desafiam o pagão a repetir o feito e, diante das dúvidas deste, o arremessam por cima das chamas o deixando ferir-se horrivelmente nelas. O pai de Hypatia assiste a cena chocado. Os tais cristãos então comemoram mais uma alegada prova do poder de Deus e deixam bem claro para o espectador quem são os opressores na historinha.

Adiante.

Em outra cena, também no primeiro ato da película, o escravo da família de Hypatia, Davus, presenciando a revolta do pai que está a punir uma escrava por ser uma odiosa cristã, se oferece para ser punido em seu lugar apesar dos apelos da heroína filósofa.

Outra cena mostra o mesmo escravo (que é apaixonado por sua dona Hypatia) implorar a Deus para que ela rejeite um pedido de amor de um dos seus alunos, o ambicioso Orestes. Para sua surpresa ela rejeita o pedido e Davus interpreta isso como um sinal de Deus para com ele, o que reforça sua fé no cristianismo, mais precisamente nas pregações do obscuro Ammonius, que virá a ser o principal líder da revolta que trará a destruição da biblioteca de Alexandria.

Destaquei essas três cenas do filme porque a minha intenção nesse artigo não é fazer uma contestação histórica dos fatos apresentados, mas sim das maneiras e formas com que a narrativa é conduzida para direcionar o espectador a nortear a sua bússola ética. Nas três cenas é mostrado, claramente, o poder, questionável ou não, da fé cristã, seja nos milagres, no sacrifício ou na fé em Deus propriamente dita nas orações do escravo Davus. E isso é muito importante para este artigo - o filme não nega que o Deus do cristianismo tem poder. Não tem ali 'idéias', como diz Amenábar, mas sim fatos. Explico: os personagens ditos cristãos não demonstram apenas idéias, mas também atitudes.

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Mas esses exemplos acima são bonitinhos perto dos que são apresentados ao longo do filme em sua maior parte. Os ditos cristãos, em especial os liderados pelo pregador Ammonius, são extremamente violentos e vingativos. Depois de serem massacrados pelos pagãos após zombar dos deuses na Ágora, eles mostram uma força descomunal de reação e acabam cercando os pagãos na biblioteca de Alexandria. É importante frisar que, enquanto isso, se dá ali um drama ético de Hypatia que chega a protestar para que seus discípulos não manchem as suas mãos de sangue. Roma intervém e consegue negociar a vida dos filósofos e estudantes, embora concordem que a biblioteca não mais lhes pertence, o que não deixa outra opção a não ser abandoná-la às pressas. Os tais cristãos destroem a famosa biblioteca e tudo que está ali dentro, inclusive os altares dos deuses pagãos.

Temos o cenário. Os cristãos malvados até a medula destroem qualquer vestígio de paganismo e não passam a poupar nem os judeus; Orestes, o ex-aluno torna-se prefeito de Alexandria, e converte-se ao cristianismo. Davus torna-se um bate-pau da gangue de Ammonius, mau como um pica-pau. Hypatia, após anos de exílio e protegida do prefeito apaixonado, retorna para Alexandria.

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Em resumo, os cristãos, apesar das três cenas acima, são retratados como a própria expressão do
totalitarismo em ação, tanto mais porque permeiam a narrativa com a impressão de que estão imbuídos de um verdadeiro poder, o que faz todos temerem a eles, por conta de uma violência absurda e paradoxal. O que é mais ostensivo, no entanto, é a crueldade dos bate-paus de Ammonius e Cirilo, o bispo de Alexandria, que realizam uma verdadeira carnificina de pagãos, judeus e o que vier pela frente. Mas isso não é óbvio à primeira vista, ao menos se você reparar em como essas três cenas destacadas não negam uma certa fé e ética cristãs. Em algum momento o cineasta faz essa separação, deixando com que tudo pareça a expressão de uma mesma insanidade egoísta e sangrenta. Nem quando surge um bispo do deserto, ex-discípulo de Hypatia, temos chance de ver algum equilíbrio no retrato do cristianismo. A ausência de um cristão genuíno que seja nos leva a uma interpretação equivocada de que quem comete tantas crueldades é o Deus mesmo através de Sua Igreja.

Mas o que se trata aqui na verdade é de usurpar a ética cristã a favor de duas entidades: a Ciência e o Estado. A ciência, na personificação em Hypatia, e o estado, personificado em Orestes, o homem ambicioso que se converte ao cristianismo por pura ambição de poder.

Isso fica claro no seguinte diálogo entre Davus, o escravo que tanto conhecimento absorveu de Hypatia, e Ammonius, uma espécie de Che Guevara dos primórdios do cristianismo ( instado a explicar a fé para Davus, o que ele faz? Ensina-o a colocar o pão na mão dos pobres - que simbólico!):

- Já imaginou que estava errado?, disse Davus.

- Por quê?

- Eu fui perdoado, mas agora não posso perdoar.

Davus foi liberto e perdoado pela sua mestra Hypatia mesmo após ter tentado abusar dela. Ele, no entanto, acabou virando um assassino carniceiro. Ora, se isso não é a transferência da moral cristã para a filósofa pagã, eu não sei o que é. Davus se ofereceu como sacrifício e confiou em Deus; mas quem perdoa, quem pede para que não se derrame mais sangue, quem é a personificação da Razão, da luz da humanidade, o próprio Farol de Alexandria - que inclusive jamais aparece aceso - é Hypatia. Me pergunto como Davus se tornou cristão a ponto de oferecer a si próprio para ser punido quando os únicos cristãos que existiam ali em Alexandria eram carniceiros como Ammonius...

Não é à toa que Ágora é um filme que deixa a militância ateísta com água na boca. A Igreja Católica é retratada com algo que mais parece as heresias cátara e albigense, fortemente combatidas por ela; mas isso, porém, não impede que ela tenha a sua ética ROUBADA por uma visão heroificada da Ciência e, pasmem, apresentando ainda, inexplicavelmente, o Estado, personificado em Roma, como o protetor de Hypatia e de seus discípulos. Ora, não será o tal Estado 'laico' de quem tanto falam protegendo a razão e a ciência contra os obscuros fundamentalistas? Difamar a Igreja com simplificações históricas e teológicas ainda vai, mas usurpar as suas qualidades na maior cara-de-pau?

Bem resumiu esse blog: "Because Amenabar has chosen to write and direct a film about the philosopher Hypatia and perpetuate some hoary Enlightenment myths by turning it into a morality tale about science vs fundamentalism.".

(Porque Amenabar escolheu escrever e dirigir um filme sobre a filósofa Hypatia e perpetuar alguns antigos mitos iluministas, transformando-o, para isso, em um conto moral sobre ciência vs fundamentalismo.)

E olha que é a opinião de um auto-declarado agnóstico. É óbvio que Ágora serve bem como peça de propaganda anticristã. Nem todos os ateus tem a perspicácia do blogueiro citado para perceber tantas distorções - umas das quais apresenta Hypatia como uma iluminista, e outras o cristianismo primitivo como um monopólio de loucos carniceiros que faziam milagres. Todos sabem que o ateísmo militante nunca foi muito exigente; sendo contra a Igreja, tá valendo!

Ágora não é um filme ateu. Jamais. O roteiro não nega o poder de Deus, mas sim discorda dele. Se opõe a ele com algo dito mais racional, piedoso, antropocêntrico. Mas não é só isso. O filme é repleto de simbolismos maçônicos, de referências ao deus arquiteto dos pedreiros-livres. O talento do diretor chileno Amenábar destacou em todo o filme o ponto de vista do Sol - símbolo do Conhecimento, do esclarecimento mental e intelectual - em tomadas geniais que reduzem os eventos humanos a acontecimentos com formigas, como se o Sol orbitasse e assistisse a tudo (há, inclusive, uma tomada com formigas de verdade, que faz uma analogia primorosa com aquelas outras do ponto de vista do Sol!). Outra referência muito mais óbvia está na cena- chave da trajetória de Hypatia: quando, após ter descoberto o movimento elíptico dos planetas mil anos antes de Kepler (aqui não segurei a risada, os ateus devem ter ido ao orgasmo com essa prova 'inconteste' de que os cristãos são uns filhas da puta perseguidores da ciência!), ela ajoelha-se extasiada diante do Sol nascente em uma cena repleta de simbolismo (no cartaz não aparece, mas na cena em que ela se ajoelha o sol fica oculto por trás do topo de sua cabeça formando claramente a sombra de uma pirâmide atrás de si).

Hypatia atinge a iluminação ao descobrir o movimento heliocêntrico (engole essa, Vaticano!) e se entrega sem medo aos cristãos obscurantistas para ser arrastada em uma paródia da Via Crucis, xingada e humilhada, despida de suas vestes e, no pior momento do roteiro ("Vamos pegar pedras lá fora"? - risos!), sendo 'salva' pelo seu fiel escravo-escudeiro-da-ciência Davus que a sufoca, sem derramar uma gota do seu sangue precioso. Hypatia é apedrejada como se fosse Maria Madalena (como se se dissesse: "Onde está Jesus agora para salvar essa 'prostituta'?") e a câmera faz um movimento subindo por uma clarabóia em formato de olho até se perder mais uma vez no ponto de vista do Sol que assiste a tudo.

Longe de mim afirmar que os ateus estão sendo feitos de otários por crentes maçons, mas uma coisa é certa: Hypatia, a personificação da ciência, a ciência mesma digamos assim, morre no final. E Ágora parece sacrificar pelo menos três delas: a história, a teologia e a lógica. É o melhor do cinema a serviço da mistificação que não ousa dizer o seu nome e nem onde quer chegar.


Luiz Fernando Vaz
é ator e edita o blog O Anticamarada.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".