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quinta-feira, 16 de abril de 2009

A técnica da insurreição e do golpe de Estado

MÍDIA SEM MÁSCARA
CARLOS AZAMBUJA | 09 ABRIL 2009 

Trotsky, tranqüilo, sorri: “A insurreição não é uma arte. É uma máquina. Para colocá-la em movimento são precisos técnicos, e só técnicos a poderiam, eventualmente, parar”.

"Sou da linha trotskysta: revolução permanente".
(Declaração do presidente Hugo Chávez em janeiro de 2007).


Na polêmica que se seguiu ao golpe de Estado ocorrido na Rússia em outubro de 1917, Lenin foi considerado o estrategista, o ideólogo, e Trotsky o criador da técnica do golpe de Estado.

Segundo diversos analistas, o perigo de que os governos devem defender-se não advém da estratégia de Lenin, mas da tática de Trotsky.

A estratégia de Lenin não pode ser dissociada da situação concreta da Rússia de 1917. O próprio Lenin, em seu livro Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, observou que a originalidade da situação política na Rússia em 1917 provavelmente nunca iria repetir-se em qualquer país do mundo. Sua estratégia não constitui, pois, um perigo imediato para os governos. A tática de Trotsky, sim. Constitui.

Para a estratégia de Lenin há necessidade da existência de um Kerensky (um governo fraco). A tática de Trotsky, ao contrário, independe desse detalhe e sua existência ou não, em nada a influencia. Há os que afirmam que mesmo que Lenin tivesse ficado na Suíça e não tivesse desempenhado papel algum em outubro de 1917, Trotsky teria tomado o poder.

O que é importante, na realidade, é a tática insurrecional, a técnica do golpe de Estado. Na revolução comunista a estratégia de Lenin não conduz, por si só, à tomada do poder, pois a febre da insurreição, a epidemia de greves, a paralisia da vida política e econômica, a ocupação de fábricas pelos operários, a desorganização das Forças Armadas, a política da burocracia, a leniência da magistratura, a resignação da burguesia e a impotência do governo não são o bastante para a tomada do poder. Essa situação revolucionária prepara, não há dúvida, o ataque decisivo, mas há, no entanto, necessidade de alguém que saiba “usá-la” e conduzir o ataque.

Para a tática de Trotsky as chamadas condições objetivas e subjetivas são apenas um detalhe.

Na Rússia, em 1917, Lenin pensava em obter maioria na Duma, sublevar as massas contra o governo de Kerensky, submergir o país sob a maré proletária, dar o sinal de insurreição a todo o povo, proclamar a necessidade da queda de Kerensky e da ditadura do proletariado.

A seguir, um diálogo imaginário:

“Concordo”, diz Trotsky, “mas antes de mais nada é preciso ter o controle da cidade e ocupar seus pontos estratégicos. Para tal, a insurreição tem que ser organizada e conduzida por uma tropa de choque com um punhado de pessoas. Para isso não necessitamos recorrer às massas. Um pequeno grupo nos é suficiente”.

Mas Lenin não queria que a revolução bolchevique viesse a ser classificada de “blanquista” (ou seja, acusada de ter sido feita por um punhado de conspiradores e não por meio da luta de classes do proletariado, conduzida por seu estado-maior, o partido, conforme a ortodoxia do marxismo).

“Muito bem”, responde Trotsky, “mas todo o povo é demasiado para a insurreição. Devemos contar é com um pequeno grupo, implacável e agressivo, treinado na tática insurrecional”.

“É conveniente”, admite Lenin, “concentrar os nossos esforços nas fábricas e nos quartéis. A revolução será feita aí e é aí que fica o seu nó vital. É aí que, em discursos inflamados, devemos explicar e ampliar o nosso programa, pondo a questão nos seguintes termos: ou a aceitação integral de nosso programa ou a insurreição”.

“Muito bem”, diz Trotsky, “mas quando as massas tiverem concordado com o nosso programa, teremos que organizar a insurreição. Para tal, devemos escolher, nas fábricas e nos quartéis, elementos de confiança e prontos para o que der e vier. Do que temos necessidade não é da massa de operários, é de uma tropa de choque”, insiste Trotsky.

“Para que a insurreição seja de inspiração marxista, isto é, encarada como uma arte”, concorda Lenin, “devemos simultaneamente e sem perda de tempo, organizar o Estado-Maior das tropas insurrecionais, repartir as nossas forças, lançar os regimentos fiéis nos pontos nevrálgicos da cidade, cercar o teatro Alexandra, ocupar o Forte Pedro e Paulo, prender o Estado-Maior Geral e enviar contra os oficiais-alunos e os cossacos, destacamentos dispostos a sacrificarem, se necessário, até o último homem a fim de impedir que o inimigo atinja o centro da cidade. Devemos mobilizar os operários armados, chamá-los ao combate, ocupar as centrais telefônicas e telegráficas, instalar aí o nosso Estado-Maior, pô-lo em contato com todas as fábricas, todos os regimentos e todos os pontos onde se desenvolver a luta armada”. 

“Muito bem”, diz Trotsky, “mas...”.

“Tudo o que afirmei é um pouco vago”, reconhece Lenin, “mas com isto eu quero provar que, no estado em que nos encontramos, só poderemos ser fiéis ao marxismo e à revolução se encararmos a insurreição como uma arte. Você conhece as principais regras com que Marx regulou esta arte. Pois bem, aplicadas à atual situação da Rússia estas regras significam: ofensiva simultânea, tão inesperada e rápida quanto possível sobre Petrogrado, concentração de forças superior aos 20 mil homens que o governo dispõe. Articulação entre as nossas três principais forças – a Marinha, os operários e as unidades militares – de modo a ocupar e defender as centrais telefônicas, o telégrafo, as estações de trens e as pontes. Selecionar, dentre os elementos de nossos grupos de ataque, os operários e marinheiros mais resolutos, formar destacamentos para ocupar todos os pontos importantes e participar em todas as operações decisivas. Por último, constituir grupos de operários armados com espingardas e granadas, que marcharão sobre as posições inimigas (escolas de oficiais, centrais telefônicas e telegráficas). O triunfo da revolução russa e, ao mesmo tempo, da revolução mundial, depende de dois ou três dias de luta”.

“Tudo isso é muito correto”, explica Trotsky, “mas demasiadamente complicado. É um plano vastíssimo, uma estratégia que abrange demasiado território e muitas pessoas. Não é uma insurreição. É uma guerra. Para ocupar Petrogrado não há nenhuma necessidade de tomar o trem na Finlândia. Quando se parte de muito longe fica-se, muitas vezes, no meio do caminho. Desencadear uma ofensiva de 20 mil homens desde Kronstadt para ocupar o teatro Alexandra é ‘um pouco’ demasiado para um golpe de mão. Em estratégia, o próprio Marx seria vencido por Korniloff. Urge fixarmo-nos na tática, agir com um punhado de homens e num terreno limitado, concentrar esforços nos objetivos prioritários, bater forte e feio. Não creio que seja muito complicado: as coisas perigosas são sempre extremamente simples. Para atingir o nosso objetivo não devemos recear os fatores que nos são adversos nem fiarmo-nos nos que são favoráveis. É preciso agir sem alarido, silenciosa e calmamente. A insurreição é uma máquina silenciosa. A sua estratégia exige uma série de circunstâncias favoráveis. A insurreição não precisa de nada. Basta-se a ela própria”.

As palavras acima, atribuídas a Lenin e Trotsky não são uma ficção. São extratos de cartas enviadas ao Comitê Central do Partido Bolchevique, em outubro de 1917, por ambos.

Os que conhecem todos os escritos de Lenin, em particular os que se referem à técnica insurrecional das jornadas de dezembro, em Moscou, durante a revolução de 1905, devem mostrar-se bastante surpreendidos com a ingenuidade da sua concepção de tática e estratégia insurrecionais, nas vésperas da Revolução de Outubro. Todavia, devemos reconhecer que após o revés da tentativa de revolução, em julho de 1917, foi ele o único – à exceção de Trotsky - que não perdeu de vista o objetivo principal da estratégia revolucionária: o golpe de Estado.

Após algumas hesitações (em julho, o Partido Bolchevique tinha um único objetivo e de natureza parlamentar: a conquista de maioria nos Sovietes) o germe da insurreição tornara-se para Lenin, “o motor de toda a sua atividade”. Durante sua estada na Finlândia – onde se refugiara após as jornadas de julho, para não ser preso por Kerensky – toda a sua atividade se resumia à preparação teórica da insurreição. De outra forma não se explicaria a ingenuidade do seu projeto de uma ofensiva militar sobre Petrogrado, apoiada, no interior da cidade, pela ação dos guardas vermelhos. Tal ofensiva teria redundado em um desastre.

Na sua carta de 17 de outubro de 1917, Lenin defendia a tática de Trotsky: “Não se trata de blanquismo. Efetivamente um golpe militar será blanquista quando não for organizado pelo partido de uma classe determinada; quando os seus organizadores não atenderem ao movimento político, em geral, e à situação nacional, em particular. Entre um golpe militar, condenável sob todos os pontos de vista, e a arte da insurreição armada, há uma grande diferença”.

Mas Trotsky, tranqüilo, sorri: “A insurreição não é uma arte. É uma máquina. Para colocá-la em movimento são precisos técnicos, e só técnicos a poderiam, eventualmente, parar”.

Essa tática de ação insurrecional de Trotsky passou a fazer parte da estratégia revolucionária da III Internacional e, por conseguinte, do Movimento Comunista Internacional.

Um elemento indispensável à insurreição é a greve geral, que tornaria a insurreição semelhante a um murro dado em um aleijado, pois para que ela tenha êxito, é necessário que a vida das cidades esteja paralisada pela greve geral.

Finalmente, é inexato que o governo provisório de Kerensky não tenha adotado as medidas necessárias para a defesa do Estado. Todavia, o método defensivo de Kerensky consistia em aplicar as medidas de segurança e de polícia tradicionais, em que até hoje confiam os governos liberais. Não se pode acusar Kerensky de imprevidência. Ocorre que o método de aplicar somente a repressão, ao invés de medidas políticas, administrativas e econômicas, a fim de assegurar a defesa do Estado contra a técnica insurrecional moderna, é uma ação ineficaz.

Os governos, quase sempre, à tática revolucionária, revelando ignorância dos princípios elementares de defesa do poder, opõem uma tática defensiva baseada em medidas policiais, esquecendo que essas medidas, de conformidade com qualquer manual de contra-insurreição, devem ser 90% políticas, econômicas e administrativas e apenas 10% repressivas.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".