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segunda-feira, 13 de abril de 2009

Brasil-Mentira - 1

DIÁRIO DO COMÉRCIO
Olavo de Carvalho - 8/4/2009 - 22h25

Este é o primeiro de uma série de cinco artigos com o tema Brasil-Mentira.

Nação nenhuma tem o monopólio da imoralidade, mas algumas foram dotadas com uma quota extra que as torna exemplos de escolha numa investigação de filosofia moral. Ao incluir o Brasil entre elas, não tenho em vista as famosas taxas nominais de corrupção, onde, ao contrário, as comparações com outros países têm até um efeito consolador sobre as almas dos nossos compatriotas. Refiro-me a fenômenos de outra ordem, mais difíceis embora não impossíveis de quantificar. Já observei mais de uma vez que nossa literatura de ficção, escassa em personagens de grandeza excepcional, santos, heróis ou monstros, é rica em figuras de minúsculos farsantes, mentirosos, fingidores compulsivos e semiloucos de vários matizes, que se abrigam numa esfera de irrealidade, fugindo da própria consciência.

Com uma ou duas exceções, os personagens do maior e mais significativo dos nossos romancistas são todos assim. Também o são os de Lima Barreto, Raul Pompéia, Marques Rebelo, Annibal M. Machado e tantos outros, sendo até covardia lembrar a figura de Macunaíma, na qual os brasileiros se reconhecem tão facilmente, e cuja veracidade sociológica é atestada por um milhão de piadas populares que mostram os nossos conterrâneos em traços bem parecidos com os dele.

Uma vaga consciência de que há algo de errado com os padrões de moralidade da nossa gente perpassa as conversas familiares, as crônicas de jornal, os espetáculos de cinema e teatro, as novelas de TV etc., e alimenta algumas discussões de mais alto nível, como aquelas que aparecem em livros de Paulo Prado, Mário Vieira de Melo, J. O. de Meira Penna, Roberto da Matta, Ângelo Monteiro. O que aí se destaca não é a propensão à criminalidade propriamente dita, mas uma tendência quase incoercível a preferir antes o fingimento do que a sinceridade, antes a aparência artificialmente construída do que a realidade conhecida. É como se o brasileiro não acertasse jamais falar com a sua própria voz, sentindo-se antes compelido, por um intenso desejo de aprovação – também ele camuflado –, a imitar o tom das conveniências momentâneas.

Desde os tempos de Lima Barreto, não se atenuou nem um pouco o vício nacional de sacrificar a ambições mesquinhas, se não à busca obsessiva de segurança contra perigos imaginários, os impulsos mais altos do espírito humano, condenando-os, não raro, como tentações pecaminosas, provas de vaidade, cobiça, pedantismo ou desprezo pelos semelhantes. As vocações intelectuais e artísticas são aí especialmente sacrificadas, não só quando se veem esmagadas pela pressão e pela chacota do ambiente, mas até mesmo quando se realizam, porque o fazem num sentido oportunístico e farsesco, o único possível nessas condições, que as transforma em caricaturas de si mesmas.

Nas últimas décadas, porém, essa deformidade moral crônica foi se acentuando de tal modo que começa a assumir as feições de uma sociopatia alarmante, disseminada sobretudo entre as classes cultas com mais acesso aos meios de difusão. As opiniões dessa gente vão se afastando dia a dia de todo padrão universal de veracidade e moralidade, ao ponto de constituirem já um sistema ético peculiar, válido só no território nacional, fechado e hostil às exigências da consciência humana em geral, inacessível a toda cobrança superior de idoneidade e racionalidade.

O mais característico desse novo sistema é que seus criadores e representantes não têm a mais mínima idéia de quanto suas falas, atitudes e julgamentos são imorais, maliciosos e alheios àquele mínimo de franqueza que uma alma deve ter ao falar consigo mesma para que, quando fala com os outros, se reconheça nela a voz de uma "consciência", um espírito alerta, uma presença viva. 
Falar numa linguagem de estereótipos, com um automatismo sufocante, parece que se tornou obrigatório.

O fator que mais contribuiu para isso foi decerto a tomada dos meios de comunicação, do sistema educacional, das instituições de cultura e dos altos postos da política por uma geração marcada pelo sentimento de vitimização, acompanhado, inevitavelmente, da crença na sua bondade intrínseca e na recusa completa, radical, absoluta, de encarar seus supostos inimigos como sujeitos humanos portadores de consciência moral, capazes de dar razão de seus atos e merecedores de um confronto justo.

O sentimento de impecância essencial, que está hoje disseminado em todas as classes falantes deste país, predispõe a um discurso de acusação indignada que encobre os mais óbvios pecados próprios sob a impressão – artificiosamente reiterada ao ponto de tornar-se uma carapaça invulnerável – de estar sempre discursando em nome de valores sublimes sufocados pelo mundo mau, quando, na verdade, o que torna o mundo mau é acima de tudo o número excessivo de pessoas imbuídas desse mesmo sentimento.

Um dos sintomas mais alarmantes dessa patologia é a fúria justiceira com que as autoridades e seus acólitos, os "formadores de opinião", investem contra delitos menores, sobretudo de ordem financeira, ao mesmo tempo que toleram, como detalhe irrisório, a taxa anual de 50 mil homicídios que faz do Brasil a nação mais cruel e assassina do mundo. Quando um magistrado exclama que 94 anos de cadeia são punição branda para a sonegação fiscal e delitos correlatos, ao mesmo tempo que assassinos em série, seqüestradores e traficantes de drogas são protegidos pela leniência das leis e ainda celebrados como vítimas da sociedade má, está claro que uma nova classe falante subiu ao primeiro plano da cena pública, intoxicada de uma tal dose de rancor invejoso contra a "burguesia", que não hesita em conceber traficantes multibilionários como pobres vítimas do capitalismo, fazendo deles aliados na epopeia revolucionária da "justiça social" que pretende implantar.


Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
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A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".