Percival Puggina (http://www.puggina.org)
Nesta matéria, Percival Puggina alinha os principais argumentos utilizados pelos que defendem o aborto e demonstra a insuficiência dessas razões. O Novo Milênio publica o trabalho como subsídio para debates e para arquivo dos leitores que encontrarão nele elementos com os quais rebater quem pretenda justificar essa que é a mais terrível e permanente forma de genocídio que a humanidade já concebeu. Puggina registra que compilou sólidos argumentos em favor da vida utilizados por autores que estão referidos ao pé desta matéria.
Fotografe a saída buliçosa das crianças de uma escola. Depois, recorte algumas daquelas figuras infantis, deixando em seu lugar um vazio. Haverá, então, imagens a menos, espaços vagos, crianças que deveriam estar e não estão. Pois saiba que na fotografia original, naquela que você tirou, já existem buracos. Muitas crianças não estão ali porque foram abortadas, recortadas da cena da vida. É espantoso que isso aconteça com aceitação social e que tantos declarados defensores de direitos humanos se empenhem por uma legislação tolerante quando não estimulante ao abortamento provocado.
Temos severíssimas e, em alguns casos, impiedosas leis em defesa da flora e da fauna. Quem caçar determinados animais será réu de crime inafiançável: responderá processo na cadeia; quem matar o fiscal do Ibama poderá permanecer em liberdade até a sentença final. Despendemos (e é bom que o façamos) recursos na preservação de ovos de tartaruga, no resgate de baleias encalhadas, na fiscalização atenta de espécies vegetais e animais, no controle sobre seus habitat naturais (chamados “santuários” ecológicos). Zelamos por períodos de reprodução, prenhez, desova, etc. E, paradoxalmente, convivemos com manifestações, passeatas e até mesmo com legislação que visa a permitir a matança dos filhos de pessoas que invocam, com esse objetivo, o simples fato de que não os querem ter.
Para sustentar esse suposto direito elaboram-se sofismas, eufemismos, mentiras e se articulam ações e pressões políticas. É preciso contestar a falsidade e a insuficiência de tais argumentos, denunciar a hipocrisia de tais manifestações e apontar as trágicas conseqüências que decorreriam da decisão de aceitá-las.
1. Dizem eles: “O feto não é um ser humano”.
Se o feto, ou antes dele o zigoto (resultado da fusão do óvulo com o espermatozóide) não é um ser humano, então o que é? Note-se que há vida no óvulo e que há vida no espermatozóide mas nem um nem outro são vida humana; já o óvulo fecundado é um ser diferente do óvulo e do espermatozóide, é um ser que carrega em si todas as características genéticas daquele que irá nascer. É como se colocássemos um CD num aparelho de som - ele começa a tocar a música que ali já está inscrita. Essas características genéticas são individuais, próprias e exclusivas; da concepção ao nascimento, tanto quanto depois dele, o desenvolvimento se dá mediante a simples absorção de nutrientes.
O feto não é uma pessoa em potencial, assim como os bebês emparedados em certas cidades da antiga Grécia não eram adultos em potencial. A diferença entre o feto e o bebê é menor do que a diferença entre o deputado ou a deputada que defendem o aborto e eles mesmos quando bebês. Aliás, poderíamos alinhar uma seqüência fotográfica composta pelo zigoto ou o feto que éramos, o bebê que fomos, o adulto que somos e o ancião que seremos, e certamente só nos reconheceríamos no retrato atual, mas isso não significa que não sejamos nós mesmos em cada uma daquelas situações. O fruto da concepção não é algo mas é alguém.
Aos dois meses de vida, o feto pulsa num ritmo próprio, diferente do da mãe; aos três meses se move, coça o nariz; reage contra o aparelho que o suga durante o ato abortivo. Muitas vezes já tem nome, padrinhos escolhidos, lugar designado na casa. Que vida seria essa se humana não fosse?
2. Dizem eles: “O feto se torna ser humano a partir do momento em que pode ter vida independente da vida da mãe (fora do útero materno)”.
Imagine-se que em vez de sugar o feto aos pedaços se fizesse um cesariana. Nesse caso, o feto sobreviveria fora do útero ou morreria dentro de alguns minutos. Se sobrevivesse, seria um ser humano, se morresse, não. O absurdo da situação tem evidência própria.
Considere-se ainda, contra essa tese que legaliza o aborto em muitos países, a situação do moribundo minutos antes de morrer. Todos no hospital sabem que falecerá. Ele é ou não é um ser humano? Da mesma forma, o feto não é um pedaço de carne, é um paciente. E um paciente com fantástica vitalidade.
Ainda que houvesse dúvida científica (e não há dúvida científica fundamentada) sobre a humanidade do feto, deveríamos perceber que a própria dúvida já é razão suficiente para se reprovar moralmente o aborto. Pode-se disparar contra o arbusto que se move sem ter certeza sobre se o que ali se esconde é uma caça ou uma pessoa? Dizer-se que se pode fazer aborto até tal ou qual semana eqüivale a afirmar que se pode atirar contra alguém, contanto que se respeite uma certa distância.
3. Dizem eles: “A mulher é dona do próprio corpo”.
Tal argumento corresponde à concepção mais individualista, capitalista, abusiva e reprovável do direito à propriedade privada. É a idéia de que “faço o que quero do que é meu ( banco é meu, a terra é minha, a empresa é minha e faço deles o que bem me agrada)”. “O escravo é meu e tenho direito sobre a vida dele”. Ou ainda, “o filho é meu e posso me descartar dele quando quero”.
A posse que temos sobre nossos corpos não nos concede ilimitados direitos sobre eles ou sobre nossas vidas e, por isso, o suicídio é um ato condenável. Da mesma forma nenhum médico com senso ético remove um órgão sadio por mais que o cliente lhe solicite (ou por melhor que o remunere). Se tais limites se impõem sobre nosso próprio corpo ou nossa própria vida, que dizer-se do corpo e da vida de alguém que é inteiramente outro e diferente de nós? A mulher pode ser dona e dispor do conteúdo de sua bexiga e intestinos, mas não é dona da vida que hospeda em seu útero. Se há direitos sobre o corpo há, também, deveres para com ele.
Por outro lado, o aborto beneficia muito mais o macho da espécie do que a fêmea. Legalizado o aborto, ele fica com o lado recreativo e ela com o ônus e os riscos do aborto: “Se não podia ficar com o filho por que não o abortou?”
4. Dizem eles: “Já temos gente demais”.
É o argumento pretensioso dos que tendo nascido se dão o direito de autorizar ou não o nascimento alheio para que não lhe diminuam o espaço. É o mesmo que alguém sair da loja com um automóvel novo e começar uma campanha contra a indústria automobilística alegando que já temos veículos em excesso nas ruas e estradas. A questão demográfica, onde existir, deve ser enfrentada com políticas públicas de educação sexual, de paternidade responsável, com respeito à liberdade dos casais.
Se pudermos matar os fetos porque temos gente demais, por que não matar os que já nasceram e gastam excessivamente, ou os que não trabalham e só consomem, os viciados, os drogados, os muito enfermos, os que causam males à sociedade, etc.?
5. Dizem eles: “A mulher tem o direito de decidir”.
Isso é um eufemismo, ou seja, é uma forma agradável de dizer algo que resultaria desagradável ou inaceitável se colocado nos devidos termos. É o mesmo que falar interrupção da gravidez em vez de falar aborto. Seria mais honesto deixar bem claro sobre o que se pretende ter o direito de decidir: “Quero o direito de decidir se posso ou não matar meu filho antes de nascer, sem ouvir a opinião dele”.
Por outro lado, há uma hierarquia entre os direitos. O primeiro é o direito à vida, depois o direito à própria dignidade, à liberdade, à propriedade e assim por diante. Nenhum filósofo do direito ou juiz bem formado dirá que o direito de decidir vem antes do direito à vida. Há um direito de decidir sobre muitos temas, mas não há o direito de exercê-lo sobre a vida de outra pessoa.
6. Dizem eles: “Com o aborto se evita o nascimento de crianças não desejadas que viverão infelizes ou se tornarão futuras delinqüentes”.
Apesar de nazistóide, esse é um dos argumentos mais ouvidos. Entretanto, o raciocínio dos criminosos da Candelária era bem mais “lógico”: em vez de matar na hipótese, mataram no caso concreto.
Trata-se, por outro lado, de outro argumento capitalista, materialista, utilitarista, que consiste em considerar que vida e qualidade de vida sejam a mesma coisa. Deve-se então indagar: uma vida com menos qualidade não tem valor? O que dá valor à vida, o saldo bancário? Por que, então, há mais suicídio entre as classes abastadas? Por que há mais drogadição entre elas? Por que as crianças de rua não se jogam debaixo dos carros?
Se como querem alguns, é o amor que dá valor à vida, deveríamos começar suprimindo os solitários e todos os que vivem causando males aos outros, quer sejam criminosos ou não.
7. Dizem eles: “A lei contra o aborto é hipócrita porque se fazem três milhões de abortos por ano no Brasil”.
Nesse caso as leis de trânsito também são hipócritas; o código penal ao punir o roubo também é hipócrita. Só a perda do senso moral pode levar alguém a considerar que um erro repetido por muitos se converte em acerto.
8. Dizem eles: “É a consciência e o senso social que fazem a norma moral”.
Marx afirmava igualmente: é a realidade externa que deve ser responsável por nossa visão do mundo e logo pelos ajustes que devemos proceder em nossas opiniões e ações. Ora, o mundo bem sabe que isso levou ao totalitarismo e que não era outra a opinião de nazistas e fascistas. Também por aí se chega à conclusão totalmente imoral, sustentada por Lênin, de que os fins justificam os meios.
9. Dizem eles: “As mulheres ricas fazem aborto em clínicas especializadas e as mulheres pobres em porões imundos”.
É o argumento sanitarista, que se fosse válido tornaria recomendável fornecer drogas de boa qualidade aos drogados das classes pobres bem como indicaria a conveniência de transformar os cabarés em repartições administradas pela saúde pública.
Embora as estatísticas sobre o assunto sejam pouco confiáveis porque os abortos não são declarados mas inferidos, sabe-se que a maior parte dos abortos é praticada pelas classes abastadas e pela classe média. As mulheres pobres respeitam muito mais a vida e têm muito maior compreensão sobre as coisas da natureza.
10. Dizem eles: “Morrem 400 mil mulheres por ano, no Brasil, em decorrência de abortos clandestinos”.
Essa é uma grossa mentira repetida insistentemente pelos abortistas. A taxa de mortalidade no Brasil é de seis óbitos ao ano por mil habitantes. Numa população feminina de 80 milhões, morrem, portanto, de todas as causas, 480 mil mulheres; na faixa etária presumivelmente fértil está 60% desse total, ou seja 280 mil mulheres. Os óbitos relativos ao parto e ao puerpério não chegam a 10% do número total de mortes - vale dizer, 28 mil - e incluem os óbitos ocorridos antes, durante e depois de partos normais.
Ademais, bastaria dividir os tais 3 milhões de abortos que se estimam ocorrer anualmente no Brasil por 400 mil e teríamos um óbito para cada sete abortos o que seria uma verdadeira roleta russa.
Sob o ponto de vista sanitário e tendo em vista o menor risco da mãe, seria totalmente preferível e menos traumático esperar o parto normal e matar os bebês depois de nascer, como faziam os antigos espartanos com as crianças do sexo feminino.
11. Dizem eles: “Muitas mulheres fazem aborto porque não têm condições de criar e educar os filhos”.
É o argumento mais comum dos que apelam para o sentimentalismo. Se fosse válido, seria preferível eliminar os filhos maiores, que dão mais despesas e preocupações. A questão social deve ser resolvida com políticas públicas, com justiça social e com assistência social; jamais com a eliminação genocida de vidas humanas.
12. Dizem eles: “O Brasil já legaliza o aborto nos casos de risco de vida da mãe e de gravidez decorrente de estupro”.
Antes de examinar as duas situações, é importante fazer um esclarecimento. O Código Penal não legaliza esses abortamentos. Ele apenas diz que nesses casos o aborto não é penalizado. É uma situação semelhante à do crime praticado por crianças; elas não são penalizadas mas isso não significa que a lei brasileira legalize o crime cometido por crianças nem que as crianças estejam autorizadas a delinqüir.
Sob o ponto de vista moral, o aborto feito para preservar a vida da mãe (nos raríssimos casos em que, dentro da moderna ciência médica, tal situação se configura) é um ato que tem por objetivo preservar a vida de uma pessoa e que produz como conseqüência inafastável a morte da outra. Não é um ato que tenha por objetivo matar alguém; a morte do feto é conseqüência não desejada mas inevitável do procedimento que visa a salvar a vida da mãe.
Já o aborto em caso de estupro, mesmo reconhecendo a imensas atenuantes em que a situação se envolve, tem características diferentes. Aqui, o que se deseja é o bem estar da mulher tendo como preço a vida do feto. E isso, sob o ponto de vista moral, não pode ser aceito. O certo seria que o Estado proporcionasse atendimento psicológico à mulher, assumisse os ônus econômicos da gravidez e do parto e se responsabilizasse pelo destino da criança.
No Brasil, a situação fica assim: o estuprador, se preso, será pensionista do Estado; o filho, terá sido condenado à morte, e a mãe abandonada à própria sorte.
13. Dizem eles: “O aborto é uma questão civil sobre a qual a Igreja não tem que dar opinião”.
Ainda que a posição da Igreja fosse determinante do resultado de votações no Congresso Nacional (o que não se verifica), recusar-se o argumento religioso é puro preconceito. O argumento religioso é tão legítimo quanto o argumento estatístico, o sanitário, o econômico, o demográfico ou qualquer outro. Por outro lado, a coletânea de razões aqui apresentadas contra o aborto são suficientes por si mesmas. O argumento religioso é apenas um argumento a mais e segundo ele, o homem é imagem e semelhança de Deus. A vida humana é um dom de Deus.
Qual a conseqüência de se aceitar um argumento em favor do aborto?
Qualquer argumento que se possa conceber para justificar a legalização do aborto, que é inegavelmente a eliminação de uma vida humana, implica aceitar a idéia de que alguma coisa vale mais do essa vida: o bem estar da mãe, o equilíbrio demográfico, a economia, a qualidade de vida de alguém ou de muitos e assim por diante.
Não se pode admitir isso sem graves conseqüências porque no instante em que alguma coisa valer mais do que a pessoa humana inocente e sua vida indefesa, toda a moral teria que ser revista e adaptada porque tal coisa - fosse ela qual fosse - passaria a ser a finalidade e a prioridade de tudo, inclusive da vida humana. E bem se pode imaginar a quais totalitarismos ou selvagerias isso conduzirá. Os fetos, que não votam, não fazem passeatas e cujos gritos não ouvimos, serão apenas as primeiras vítimas.
O texto acima inclui argumentos encontrados em textos do Dr. Samuel Nathanson, Dr. Jerôme Lejeune, André Frossard, Julian Marias, Dr. Franklin Cunha, Dr. Pedro Montenegro Barbosa, Dr. Andrés Ollero, Dr. Thales Gouveia Limeira, Dr. Carlos de Britto Velho, bem como considerações do autor.
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