O jornal Folha de São Paulo convidou o vice-presidente do IL, Roberto Fendt, a escrever "em resposta" ao artigo provocativo de Marcos Nobre "E agora, liberais?" publicado na seção 'Tendências e Debates'. E o convite foi aceito.
TENDÊNCIAS/DEBATES
E agora, social-democratas e conservadores?
ROBERTO FENDT
"As críticas não se dirigem aos liberais. A crise foi gerida pela parceria de um presidente conservador com um Congresso social-democrata"
NAS ÚLTIMAS semanas, com o recrudescimento da crise financeira, os liberais brasileiros viraram saco de pancadas de todos os descontentes com o que supõem ser os males do liberalismo.
Nesta mesma Folha perguntou-se que figurino vai usar agora quem toca o bumbo do liberalismo econômico no Brasil ("E agora, liberais?", 30/9, pág. A2).
Muitos liberais ficaram indignados com essa e outras críticas semelhantes. A esses aconselho moderação e tolerância; porque não se trata de má vontade e menos ainda de má-fé dos críticos. Trata-se, na verdade, de um profundo equívoco semântico.
Aqueles que atribuem os males do mundo aos liberais americanos, que nos teriam metido nesse imbróglio financeiro, ignoram dois fatos. O último presidente liberal americano foi John Quincy Adams, cujo mandato durou de 1825 a 1829. Também liberais foram os primeiros presidentes americanos -George Washington (1789-1797), John Adams (1797-1801) e Thomas Jefferson (1801-1809)-, mas não o foi o antecessor de Quincy Adams, James Monroe (1817-1825).
Desde então, os Estados Unidos foram presididos por políticos de todos os matizes, menos liberais.
Mais recentemente, uma onda conservadora sucedeu aos social-democratas Franklin Delano Roosevelt e Bill Clinton. O expoente dessa corrente é George W. Bush. A eles devemos a crise. O candidato liberal na corrida presidencial dos EUA deste ano foi Ronald Ernest Paul -Ron Paul, como é mais conhecido-, deputado federal pelo Texas. O perfil político de Paul já diz tudo: é constitucionalista, libertário e se opõe às intervenções militares dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. Em 1988, concorreu à Presidência pelo Partido Libertário Americano. Por seu perfil, jamais empolgou o eleitorado americano, dividido que está entre social-democratas e conservadores.
Já os liberais brasileiros estão fora do circuito dos diversos matizes da social-democracia que nos governa desde pelo menos 1994, aí incluída a atual administração.
Quanto à crise, os liberais brasileiros se opõem a qualquer plano de "salvamento" dos bancos e demais instituições financeiras, preocupando-se, sim, com os recursos dos cidadãos comuns depositados e investidos nessas instituições.
Preocupam-se também com crises sistêmicas, pois sempre sobram para a gente. Sofremos as conseqüências das crises sistêmicas de 1929 e 1931, das cadernetas de poupança americanas ("savings and loans") da década de 1980 e sofreremos com a atual, que já vem desde a crise do banco Bear Stearns, de meados de 2007.
A crise é mais longa do que se pensa, mas foi toda gerida pela parceria de um presidente conservador com um Congresso social-democrata.
A tradição dos liberais não tem nada a ver com os que endividaram o Brasil, dentro e fora, nem com o crescimento avassalador da carga tributária, que, se não incomoda colunistas, empobrece os brasileiros comuns.
A tradição liberal remonta a Pimenta Bueno, Frei Caneca, Tavares Bastos, José de Alencar, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, para citar apenas alguns e evitar ofender os vivos, pela eventual omissão.
Calcados nessa tradição, quase todos os liberais brasileiros se opuseram à proposta original do secretário do Tesouro americano por razões variadas. A maioria porque o plano original pretendia usar o dinheiro do contribuinte para comprar os papéis "micados" nos ativos dos bancos, premiando a negligência e irresponsabilidade dos gestores e acionistas; outros adicionaram a isso o pedido indecente de poderes para gerir US$ 700 bilhões dos contribuintes sem dar satisfação a quem quer que seja.
Os liberais brasileiros não estão comprometidos com um "pensamento único". Um grande número de liberais é favorável a que não haja nenhuma intervenção do governo no sistema financeiro, já que a liberdade de tomar riscos deve vir acompanhada da responsabilidade de arcar com as conseqüências. Mas outros, tendo em conta o caráter sistêmico da crise e o fato de que na raiz da solução do problema está a capitalização do sistema financeiro, recomendam alternativas sem benevolência com as instituições, seus gestores e acionistas, como a aquisição de participações acionárias.
Do exposto, fica claro que as críticas não se dirigem aos liberais, mas aos conservadores e social-democratas. Por essa razão, tenho recomendado paciência e tolerância com aqueles que, por ignorância, nos atribuem o que pertence a terceiros.
ROBERTO FENDT , 64, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Liberal.
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