SEGUNDA-FEIRA, ABRIL 13, 2009
Por Klauber Cristofen Pires
A recente promulgação de lei paulista sobre vedação do fumo em locais públicos e privados abertos ao público deu novo ensejo ao debate sobre a intervenção estatal sobre a vida dos cidadãos, a propriedade privada e aos contratos. Debate proposto, claro, nos reduzidos círculos liberal-conservadores, e restrito à rede mundial de computadores. Na mídia tradicional, porém, vigora hegemônica a aprovação à medida por parte do engajamento estatólatra de seus articulistas, e continuaria assim, ou talvez aplaudiriam de pé, caso a lei previsse fuzilar os fumantes.
Sempre digo que toda lei esquerdopata tem os sinais de sua demência jurídica no momento “ad absurdum” de sua aplicação. Imagine o leitor que, caso o indivíduo venha a fumar nos locais proibidos por sua letra, será o dono do estabelecimento quem deverá ser punido, com multas pesadíssimas, num flagrante desrespeito à civilização e diga-se, de passagem, também à nossa Constituição de 1988, a “Constituição Fantasma”, no que tange ao artigo 5º, inciso XLV – “nenhuma pena passará da pessoa do condenado...”, isto é, se alguém neste momento ainda se dá conta que está em vigor.
O modo com o qual os proponentes da ação estatal se valem sempre se apresenta carregado de sedução, e a democracia de cidadãos ignorantes pode ser justamente a porta aberta para a escravidão consentida (jamais pensei que usar tal expressão fosse possível ou imaginável), no tanto em que cada um aprova esta e aquela lei sempre em termos de suas próprias convicções, isto é, a seu favor e contra os seus semelhantes, sem pensar que, mais dia menos dia, será a sua vez de ser a vítima do próximo linchamento (este negócio de ser a favor de uma coisa e contra a respectiva coisa contrária é uma típica redação esquerdista: petistalóides e seus semelhantes é que gostam de ser “a favor da paz e contra a guerra”, ou “a favor do emprego e contra as demissões”; porém, parece mesmo que hoje estou inclinado a escrever de modo estranho).
Desconhece o pacato cidadão o fato de que esta trama de “referendos informais” quem a manipula é o estado (lembrem-se sempre, por favor, que sou aquele que escreve “estado” com inicial minúscula”), e como muitíssimo bem lembrado pelo notável comentarista Nivaldo Cordeiro, ele avança sobre as pessoas em “movimento de pinça” (Ver “Totalitarismo em Marcha” em http://www.nivaldocordeiro.net/totalitarismoemmarcha e “Totalitarismo Imperfeito” em http://www.nivaldocordeiro.net/totalitarismoimperfeito).
Somente para ser mais didático, este movimento de pinça consiste justamente em unir uma massa de cidadãos contra seus vizinhos em torno de uma causa qualquer, mediante um argumento que na aparência, demonstre ter um fim público relevante. É como se fosse um consórcio do esbulho: todos se juntam para prejudicar aquele grupo em particular, e o sentimento de massa os encoraja e estimula a participar. Quando, porém, estas mesmas pessoas se encontrarem na condição de alvo, já estarão sozinhas e isoladas.
Com a teoria do crime de risco, o estado vai tomando conta da vida privada das pessoas. Por vida privada, não devemos entender somente o que se encontra na intimidade do lar, mas toda a ação humana que ainda teima em existir a despeito da mão grande do estado. A regulação do funcionamento dos bares e restaurantes, por exemplo, é hoje completamente entendida como uma concessão, cada vez mais precária, frise-se, sendo poucos os que compreendem que o que o dono de um estabelecimento deste ramo faz, como qualquer outro, é simplesmente trocar títulos de propriedade com os demais indivíduos.
Há quem diga que a ação estatal se faz necessária e que a proibição do consumo do cigarro se enquadre numa necessidade de proteção ao bem comum, assim como quando o estado fiscaliza contra o botulismo, por exemplo. Ora, tanto num quanto noutro caso, a teoria da propriedade privada e dos contratos são plenamente eficazes: se eu entro em um estabelecimento e desejo adquirir uma porção de salmonela, nada tenho que reclamar; todavia, se o que eu desejo comprar é um sanduíche de queijo e presunto, claro está que a presença na iguaria da terrível bactéria constitui-se em flagrante violação contratual, sujeitando o dono do estabelecimento a arcar com todo o prejuízo que tiver causado a mim, na condição de cliente.
Eis aí mesmo toda a diferença entre a teoria do risco e a teoria da propriedade privada e do contrato, ou seja, da sociedade livre: para conter o risco de acidentes nas estradas, ou de câncer no pulmão, ou de infarto no miocárdio, ou de estupros e atentados violentos ao pudor, o estado alega necessitar avançar sobre as atividades humanas privadas que, por si próprias, nada causam de prejuízo a ninguém, e se auto-legitima a proibir, respectivamente, o comércio de bebidas alcoólicas, o consumo de tabaco, os alimentos gordurosos e as revistas pornográficas (e assim por diante). Sua preocupação com este gênero de crimes sem vítimas é tanta, justamente porque tão lucrativa e segura, à medida que não tem de enfrentar perigosos bandidos, mas pacatos e ordeiros cidadãos, que só se compara com o proporcional descaso com as vítimas e com aqueles serviços públicos que a toda eleição promete com slogans recorrentes como “saúde, segurança e educação!”.
Em uma sociedade escorada sobre a teoria do crime de risco, as prevenções são muitas, mas as responsabilizações são quase sempre inexistentes, e freqüentemente são suportadas pelas próprias vítimas. A este respeito, vale a pena relembrar o artigo que escrevi em outubro de 2008, “Lei Seca: E quanto às Vítimas? Nada!”, acessível em http://libertatum.blogspot.com/2008/10/lei-seca-e-quanto-s-vtimas-nada.html no qual uma vítima de uma batida lastimava recear não receber a indenização pelo prejuízo sofrido com o seu veículo. De fato, a par das pesadas multas - tão lucrativas para o estado - contra qualquer um que beba uma única taça de vinho, mesmo contra quem jamais sequer tenha estacionado em local proibido, a chamada “lei seca” simplesmente desconheceu que as vítimas dos acidentes mereceriam ter os seus direitos garantidos. A eles, sobrou reclamar pro bispo....
Em linha oposta, em uma sociedade livre, simplesmente uma tal coisa chamada “crime de risco” não haveria de existir. Em compensação, a responsabilidade dos infratores por crimes com vítimas é máxima (total mesmo), e é pesada, porque recai sobre o indivíduo, ao invés de ser como no cenário em que vivemos, onde é diluída entre as vítimas ou entre a sociedade, o que só serve como um estímulo aos meliantes e irresponsáveis em geral. Bateu? Pague, e se isto incluir uma pensão vitalícia, trabalhe em jornada dupla! Pegou câncer de pulmão? Trate-se, mas com o seu próprio dinheiro! Perseguiu alguma donzela indefesa? Que pague por sua busca, captura, julgamento, pena e também que indenize a vítima!
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