Segundo artigo: TEXTO COMPLEMENTAR AO O VALOR DE SE LER LIVROS do blog CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIDA VIVIDA OU DESCONSIDERAÇÕES SOBRE A VIDA ESCRITA.
Primeiro artigo:
Li, estarrecido, a pergunta feita por uma moça no setor de perguntas e respostas do Yahoo, onde ela queria saber de que serviria ler um livro, que utilidade teria para alguém e fui levado a refletir sobre o papel tão importante que a leitura tem para o desenvolvimento de uma pessoa, o que muitas vezes não é ressaltado além da simples afirmação de que ler é bom para a cultura geral.
Ao concluir sua resposta, percebi que esta é uma questão levantada por pessoas que não lêem com frequência ou que de forma alguma olham os livros como amigos queridos. A razão para esta ocorrência é clara – as escolas não estimulam a leitura pelo prazer extraordinário que pode proporcionar e sim, por que consta no currículo como um entulho que deve ser empurrado para os alunos, estejam eles preparados ou não. O prazer e a curiosidade raríssimas vezes são levadas em conta. Toda a ênfase se encontra no cumprimento do currículo e não, na formação de vorazes leitores.
Para aqueles que desconhecem a “fisiologia da leitura”, aqui vai uma breve explanação:
Ler livros é muito mais do que recolher informação através de palavras num texto. Há um aumento extraordinário no desempenho do cérebro humano no estabelecimento de novas sinapses durante a conversão de simples palavras em imagens, sons, sensações e evocação de memórias. Para que um texto faça sentido, o cérebro não apenas reconhece as palavras - atribui um significado a cada uma delas, separando uma imagem a qual ela se relacione e um som que ela evoque, concatenando simples letras em um papel para compor um quadro que faça um sentido. Tudo isso segue para o registro de informações, interligando todos os sentidos à memorização, compreensão, análise emocional e percepção. Quando se lê um texto sobre Nova Iorque, vê-se a cidade, ouve-se o seu som, percebe-se o seu cheiro e sensações, se sentindo presente na cidade americana. Nenhuma das mídias proporciona isso.
Vorazes leitores formam cérebros privilegiados, muitas vezes, capazes de acionar vários centros cerebrais simultaneamente, para resolver quaisquer situações, uma vez que as vias de comunicação já estão treinadas para imaginar. Einstein dizia que a imaginação é mais importante que o conhecimento. O livro é uma academia de ginástica para o cérebro!!!
Um filme, diferente disso, entrega tudo pronto: som e imagem já selecionados, sem deixar nada para que o cérebro imagine. Um livro permitirá ver, ouvir, sentir, provar e se emocionar com algo que só aquela pessoa verá, numa experiência exclusiva (e às vezes, muito melhor do que um cineasta filmou em uma versão). É como emprestar a imaginação para viver uma outra existência, com todas as sensações. Nada se compara.
Ler livros pode fazer toda a diferença entre aquele que é capaz de imaginar possibilidades em sua vida, com riqueza e fartura de opções e aquele que recebe tudo pronto e selecionado por alguém - um "pau mandado". Ler determina maior riqueza nas opções do viver. Textos muito curtos ou palavras soltas, não proporcionam estes benefícios.
Para aqueles que acharem isto interessante, sugiro comecem a ler livros sobre todos os assuntos que costumam interessar-lhes. Leiam muito, com continuidade, estimulando sua curiosidade e expandindo os seus horizontes. Os resultados práticos desta "prazerosa ginástica mental", não tardarão a aparecer.
Boa leitura e uma ótima existência a todos!
Lucio Abbondati Junior
Ao concluir sua resposta, percebi que esta é uma questão levantada por pessoas que não lêem com frequência ou que de forma alguma olham os livros como amigos queridos. A razão para esta ocorrência é clara – as escolas não estimulam a leitura pelo prazer extraordinário que pode proporcionar e sim, por que consta no currículo como um entulho que deve ser empurrado para os alunos, estejam eles preparados ou não. O prazer e a curiosidade raríssimas vezes são levadas em conta. Toda a ênfase se encontra no cumprimento do currículo e não, na formação de vorazes leitores.
Para aqueles que desconhecem a “fisiologia da leitura”, aqui vai uma breve explanação:
Ler livros é muito mais do que recolher informação através de palavras num texto. Há um aumento extraordinário no desempenho do cérebro humano no estabelecimento de novas sinapses durante a conversão de simples palavras em imagens, sons, sensações e evocação de memórias. Para que um texto faça sentido, o cérebro não apenas reconhece as palavras - atribui um significado a cada uma delas, separando uma imagem a qual ela se relacione e um som que ela evoque, concatenando simples letras em um papel para compor um quadro que faça um sentido. Tudo isso segue para o registro de informações, interligando todos os sentidos à memorização, compreensão, análise emocional e percepção. Quando se lê um texto sobre Nova Iorque, vê-se a cidade, ouve-se o seu som, percebe-se o seu cheiro e sensações, se sentindo presente na cidade americana. Nenhuma das mídias proporciona isso.
Vorazes leitores formam cérebros privilegiados, muitas vezes, capazes de acionar vários centros cerebrais simultaneamente, para resolver quaisquer situações, uma vez que as vias de comunicação já estão treinadas para imaginar. Einstein dizia que a imaginação é mais importante que o conhecimento. O livro é uma academia de ginástica para o cérebro!!!
Um filme, diferente disso, entrega tudo pronto: som e imagem já selecionados, sem deixar nada para que o cérebro imagine. Um livro permitirá ver, ouvir, sentir, provar e se emocionar com algo que só aquela pessoa verá, numa experiência exclusiva (e às vezes, muito melhor do que um cineasta filmou em uma versão). É como emprestar a imaginação para viver uma outra existência, com todas as sensações. Nada se compara.
Ler livros pode fazer toda a diferença entre aquele que é capaz de imaginar possibilidades em sua vida, com riqueza e fartura de opções e aquele que recebe tudo pronto e selecionado por alguém - um "pau mandado". Ler determina maior riqueza nas opções do viver. Textos muito curtos ou palavras soltas, não proporcionam estes benefícios.
Para aqueles que acharem isto interessante, sugiro comecem a ler livros sobre todos os assuntos que costumam interessar-lhes. Leiam muito, com continuidade, estimulando sua curiosidade e expandindo os seus horizontes. Os resultados práticos desta "prazerosa ginástica mental", não tardarão a aparecer.
Boa leitura e uma ótima existência a todos!
Lucio Abbondati Junior
Segundo artigo:
Esse texto surgiu em complemento a um outro texto que li em um blog, que aqui vai linkado. O texto versa sobre a importância de se lerem livros. O intuito do texto é louvável, e sua defesa do hábito da leitura também. Entretanto, de maneira alguma concordo com a redução que o autor faz em seu texto do processo da leitura e por isso escrevo esse texto. Justamente para tentar sanar alguns problemas graves que o texto possui.
Há uma associação meio forçosa entre a leitura e o prazer. Mas, então, como conciliar o hábito de ler com o prazer? Parece-me meio contraditório, já que o hábito por sua própria definição há de excluir o prazer. Se o hábito for de ter prazer caímos nos vícios mais vis que atuam na humanidade. A leitura por ter de se tornar um hábito não pode estar associada ao prazer, mas sim ao jeito de ser do sujeito. Quem nega que entender um livro simplesmente não depende de nós? Podemos passar anos e anos lendo o mesmo livro, mas se o conhecimento que ali se encontra não mostrar-se para nós, nunca o saberemos.
Mas voltemos ao principio da leitura. O começo de qualquer hábito de leitura deve ser estimulado com livros de ficção. Romances, aventuras, seres fantásticos etc. É notável que na idade em que a criança aprende a ler ela é incapaz pela própria estrutura mental que possui de perceber as verdades análogas e simbólicas de um texto. Ela pode tirar dali procedimentos morais ou ordens imediatas. Idéias como honra, honestidade, amor, carinho, dedicação, sacrifício, só vão ser compreensíveis a ela na medida em que for crescendo. Digo que o começo da leitura só pode ser poético, ou seja, ficcional, pois a própria criança trabalha mentalmente com o pensamento poético. Ela acha que a própria estrutura da realidade é fantástica.
É justamente essa incapacidade de realizar mentalmente o que pensa como realidade que leva a criança a achar que tudo o que vive é mera regra de jogo. Quando ela brinca acontece exatamente isso. “Agora eu sou o Batman e você o Robin” diz uma criança a outra. A partir daquele momento a regra está valendo e elas se comportam exatamente como o Batman e o Robin. Nessa mesma medida estão as ordens expressas dos pais como: “não se debruce pela janela, você pode cair e se machucar muito feio”. A criança acha que isso é uma regra de jogo, do tipo “agora vamos todos brincar que não pode se debruçar na janela”. Enquanto que os pais, avós, irmãos e amigos não debrucem, ela vai seguir essa ordem. Ou passamos a entender porque a criança em determinadas horas passa a desafiar o pai, debruçando-se na janela. Se a criança tivesse a mínima noção do que está fazendo ela não poria em risco a própria vida só para “testar” o pai. Ela quer saber quão séria é aquela regra.
A incapacidade estrutural de uma mente infantil está aí delimitada. Por isso que ela gosta de jogar e brincar. Pois para ela tudo é uma brincadeira. Aprender na escola que “2 + 2 = 4” é uma regra de jogo e ela só aprende e introduz isso como conhecimento na medida em que ao brincar dessa forma vê que na realidade cada brinquedo é um, dois brinquedos são um mais um e o dobro é quatro. São quatro brinquedos. Ou seja na brincadeira geral dois mais dois são quatro. Mas basta que martelem em sua cabeça que dois mais dois são cinco para que ela fique confusa e clame a autoridade dos pais para restabelecer a regra original. A mente da criança é primariamente lúdica, e é por isso que aprende tudo com muito mais facilidade. Ela aprende tudo brincando, pois é a estrutura da realidade uma brincadeira.
Ao mesmo tempo em que aprende tudo de maneira mais fácil ela carece de certezas, pois essas dependem da capacidade individual de testemunhar as verdades anunciadas e verificar por si mesmo sua validade. Ou seja o que falta na criança sobra do adulto. Mas esse só vai poder ser capaz de testemunhar e validar o que conhece, se tiver primeiro a abertura para o conhecimento. Essa se dá sempre no nível poético. Agora mesmo vou escrever ao leitor uma informação: “o primeiro sujeito que utilizou a palavra Filósofo pela história registrada foi Pitágoras”. O leitor leu essa frase e ela entrou em seu esquema mental como uma informação lúdica. Ou seja, uma história qualquer. Para que tenha certeza de que a frase seja algo real e correspondente ele terá que se esforçar. Primeiro em procurar validar isso através de outras fontes, depois processando em sua mente essa afirmação até que ela assente em uma mensagem provável.
É justamente nesse processo que discordo do autor do primeiro texto sobre os Livros. Para ele,
Ele reduz tudo ao cérebro. O cérebro tem função parcial, ou se podemos dizer mínima, nesse processo inteiro. A intelecção poética, a depuração intelectual, vai muito além do cérebro. Para que o sujeito absorva uma informação, processe e a classifique, e posteriormente a transponha de volta para a realidade, é necessário um intelecto, uma razão superior que não apenas o cérebro que é apenas um meio para nós inteligirmos.
Vejamos, se o cérebro fosse o diferenciador consciente ele seria capaz por si mesmo de dizer se uma sinapse advém da realidade objetiva ou de uma alucinação. Estudos mostram que a área utilizada para processar a visão e a mesma área que é utilizada pela imaginação. Se o cérebro fosse a própria consciência, a intelecção de que sonhamos não seria possível. Confundiríamos plenamente sonho, realidade, alucinação e imaginação volitiva. O estímulo que nos chega ao cérebro já não é mais cadeira, nem mesa, nem texto, nem palavra e nem significado. É uma sinapse, uma transcrição de algo. Quem reconhece o que é o que é outra coisa, que não o cérebro. Um sistema não pode reconhecer dados fora do próprio sistema.
A palavra é uma coisa, a impressão na retina da palavra é outra, a informação que chega ao cérebro é outra ainda, e a nossa interpretação é algo qualitativamente diferente. Por isso que a criança consegue viver num mundo real achando tudo fantasia, ela ainda é incapaz de relacionar seu discurso mental com a realidade de fato. Para ela a frase “não debruce na janela” é algo diferente do ato real de debruçar-se na janela. O seu cérebro já capta as duas coisas, mas o sujeito que utiliza o cérebro é incapaz de fazer o link.
A leitura é essencial na medida em que a criança seja capaz, e cada vez mais capaz, de fazer esses links. O que ali está exposto contém uma parcela de realidade. De consistência concreta da realidade. E isso se dá justamente pelo pensamento analógico ou simbólico.
A aprendizagem pelo RPG, ou jogos de representação de papéis, nunca funcionaria se a correspondência entre uma experiência de fantasia não pudesse, analogicamente, ser transposta para a realidade como ato concreto. Assim matar alguém sem motivo algum tanto no jogo quanto na realidade é algo desastroso, e eterno. O ato possui uma qualidade concreta na realidade. Depois de ser feito não pode nunca ser revertido. Está feito. Assim se um ataque do Sudão com 5 exércitos para o Brasil com 2 for mal sucedido as 2 peças perdidas não voltarão. Aí reside a diferença etária dos jogos. Aqueles que exigem dos participantes estratégias consistentes, em que um ato não pode ser revertido, vão acompanhando a capacidade intelectual do individuo que joga o jogo. Se ele é incapaz de transpor para a realidade a consistência definitiva do jogo, ele não pode jogar os jogos que vão cercá-lo com essa regra. Um jogo de videogame, por exemplo, pode ser eternamente repetido até que um acerto ocorra. Mas um jogo com mais de um participante terá efeitos imediatos em que o jogador se verá na posição de reavaliar todo o modo de jogar a cada rodada.
Quando George Orwell escreve seu 1984 ele expõe uma realidade que não só é possível como vem sendo aplicada sistematicamente nas últimas décadas. Leva o leitor a se perguntar se aquilo foi uma previsão ou um plano exibido. Assim os Protocolos dos Sábios de Sião foram lançados, e logo depois desmascarados como “esquema” montado para incriminar os judeus de um plano para dominação global. Sendo que o processo é justamente esse que ocorre hoje em dia, a aplicação exata daquela “farsa” que por ter sido assim declarada, não passa pelos olhos dos mais incautos como plano deliberado, exibido e desacreditado, somente para depois ser implementado a todo vapor.
A leitura do livro exige do leitor a capacidade de transposição da leitura, análoga e simbólica, para a realidade concreta. Esforço esse que não é prazeroso. Mas é o cerne da leitura. Abrir a mente do sujeito, ou seja abrir o próprio sujeito para as possibilidades reais que ali estão contidas. A grande obra de arte não serve para nada. Não é utilitária. Mas é uma fonte eterna de renovação de possibilidades, trazendo compreensão ao fruidor.
A leitura não estimula sinapses se o leitor mesmo não quiser estimular-se nos processos de digestão e transposição para a realidade do que lê. Esses só são se volitivos, voluntários, e é um processo a ser aprendido, ele não acontece automaticamente.
Ao dizer que os “leitores vorazes” conseguem resolver “quaisquer situações” o autor do texto não faz mais do que estabelecer que a leitura abre a mente do leitor para as possibilidades do real, que vai encarar o real como concretude possível de ações reais. Sem essa consciência o leitor nunca vai transpor o que leu como possibilidade real. E assim é o que acontece hoje. Se a leitura é estimulada pelo prazer, ela nunca servirá de nada, já que o prazer advindo da leitura se dará justamente na medida em que esse processo for benéfico para aquele que lê, e só poderá ser benéfico pela vontade ativa e consciente. Ler um livro por prazer é não ler o que ele tem de mais sincero e oportuno, que é a exposição de possibilidades reais, que é a ampliação efetiva do sujeito para as ações humanas concretas no mundo real.
E esse processo, o processo de transposição, nunca será feito sem a vontade ativa. Nunca teremos alguém que lê por prazer sendo capaz de retirar da leitura todas as suas possibilidades. E essa capacidade de transposição é a capacidade que carece atualmente aos nossos leitores, sejam eles de jornais, revistas, websites, blogs ou livros. O hábito da leitura só pode ser útil se for inútil, na medida em que o leitor se abrir por completo e inserir dentro de seu ser aquela possibilidade ali retratada. E essa capacidade falta e falta muito hoje em dia.
Há uma associação meio forçosa entre a leitura e o prazer. Mas, então, como conciliar o hábito de ler com o prazer? Parece-me meio contraditório, já que o hábito por sua própria definição há de excluir o prazer. Se o hábito for de ter prazer caímos nos vícios mais vis que atuam na humanidade. A leitura por ter de se tornar um hábito não pode estar associada ao prazer, mas sim ao jeito de ser do sujeito. Quem nega que entender um livro simplesmente não depende de nós? Podemos passar anos e anos lendo o mesmo livro, mas se o conhecimento que ali se encontra não mostrar-se para nós, nunca o saberemos.
Mas voltemos ao principio da leitura. O começo de qualquer hábito de leitura deve ser estimulado com livros de ficção. Romances, aventuras, seres fantásticos etc. É notável que na idade em que a criança aprende a ler ela é incapaz pela própria estrutura mental que possui de perceber as verdades análogas e simbólicas de um texto. Ela pode tirar dali procedimentos morais ou ordens imediatas. Idéias como honra, honestidade, amor, carinho, dedicação, sacrifício, só vão ser compreensíveis a ela na medida em que for crescendo. Digo que o começo da leitura só pode ser poético, ou seja, ficcional, pois a própria criança trabalha mentalmente com o pensamento poético. Ela acha que a própria estrutura da realidade é fantástica.
É justamente essa incapacidade de realizar mentalmente o que pensa como realidade que leva a criança a achar que tudo o que vive é mera regra de jogo. Quando ela brinca acontece exatamente isso. “Agora eu sou o Batman e você o Robin” diz uma criança a outra. A partir daquele momento a regra está valendo e elas se comportam exatamente como o Batman e o Robin. Nessa mesma medida estão as ordens expressas dos pais como: “não se debruce pela janela, você pode cair e se machucar muito feio”. A criança acha que isso é uma regra de jogo, do tipo “agora vamos todos brincar que não pode se debruçar na janela”. Enquanto que os pais, avós, irmãos e amigos não debrucem, ela vai seguir essa ordem. Ou passamos a entender porque a criança em determinadas horas passa a desafiar o pai, debruçando-se na janela. Se a criança tivesse a mínima noção do que está fazendo ela não poria em risco a própria vida só para “testar” o pai. Ela quer saber quão séria é aquela regra.
A incapacidade estrutural de uma mente infantil está aí delimitada. Por isso que ela gosta de jogar e brincar. Pois para ela tudo é uma brincadeira. Aprender na escola que “2 + 2 = 4” é uma regra de jogo e ela só aprende e introduz isso como conhecimento na medida em que ao brincar dessa forma vê que na realidade cada brinquedo é um, dois brinquedos são um mais um e o dobro é quatro. São quatro brinquedos. Ou seja na brincadeira geral dois mais dois são quatro. Mas basta que martelem em sua cabeça que dois mais dois são cinco para que ela fique confusa e clame a autoridade dos pais para restabelecer a regra original. A mente da criança é primariamente lúdica, e é por isso que aprende tudo com muito mais facilidade. Ela aprende tudo brincando, pois é a estrutura da realidade uma brincadeira.
Ao mesmo tempo em que aprende tudo de maneira mais fácil ela carece de certezas, pois essas dependem da capacidade individual de testemunhar as verdades anunciadas e verificar por si mesmo sua validade. Ou seja o que falta na criança sobra do adulto. Mas esse só vai poder ser capaz de testemunhar e validar o que conhece, se tiver primeiro a abertura para o conhecimento. Essa se dá sempre no nível poético. Agora mesmo vou escrever ao leitor uma informação: “o primeiro sujeito que utilizou a palavra Filósofo pela história registrada foi Pitágoras”. O leitor leu essa frase e ela entrou em seu esquema mental como uma informação lúdica. Ou seja, uma história qualquer. Para que tenha certeza de que a frase seja algo real e correspondente ele terá que se esforçar. Primeiro em procurar validar isso através de outras fontes, depois processando em sua mente essa afirmação até que ela assente em uma mensagem provável.
É justamente nesse processo que discordo do autor do primeiro texto sobre os Livros. Para ele,
“Ler livros é muito mais do que recolher informação através de palavras num texto. Há um aumento extraordinário no desempenho do cérebro humano no estabelecimento de novas sinapses durante a conversão de simples palavras em imagens, sons, sensações e evocação de memórias. Para que um texto faça sentido, o cérebro não apenas reconhece as palavras - atribui um significado a cada uma delas, separando uma imagem a qual ela se relacione e um som que ela evoque, concatenando simples letras em um papel para compor um quadro que faça um sentido. Tudo isso segue para o registro de informações, interligando todos os sentidos à memorização, compreensão, análise emocional e percepção. Quando se lê um texto sobre Nova Iorque, vê-se a cidade, ouve-se o seu som, percebe-se o seu cheiro e sensações, se sentindo presente na cidade americana. Nenhuma das mídias proporciona isso.”
Ele reduz tudo ao cérebro. O cérebro tem função parcial, ou se podemos dizer mínima, nesse processo inteiro. A intelecção poética, a depuração intelectual, vai muito além do cérebro. Para que o sujeito absorva uma informação, processe e a classifique, e posteriormente a transponha de volta para a realidade, é necessário um intelecto, uma razão superior que não apenas o cérebro que é apenas um meio para nós inteligirmos.
Vejamos, se o cérebro fosse o diferenciador consciente ele seria capaz por si mesmo de dizer se uma sinapse advém da realidade objetiva ou de uma alucinação. Estudos mostram que a área utilizada para processar a visão e a mesma área que é utilizada pela imaginação. Se o cérebro fosse a própria consciência, a intelecção de que sonhamos não seria possível. Confundiríamos plenamente sonho, realidade, alucinação e imaginação volitiva. O estímulo que nos chega ao cérebro já não é mais cadeira, nem mesa, nem texto, nem palavra e nem significado. É uma sinapse, uma transcrição de algo. Quem reconhece o que é o que é outra coisa, que não o cérebro. Um sistema não pode reconhecer dados fora do próprio sistema.
A palavra é uma coisa, a impressão na retina da palavra é outra, a informação que chega ao cérebro é outra ainda, e a nossa interpretação é algo qualitativamente diferente. Por isso que a criança consegue viver num mundo real achando tudo fantasia, ela ainda é incapaz de relacionar seu discurso mental com a realidade de fato. Para ela a frase “não debruce na janela” é algo diferente do ato real de debruçar-se na janela. O seu cérebro já capta as duas coisas, mas o sujeito que utiliza o cérebro é incapaz de fazer o link.
A leitura é essencial na medida em que a criança seja capaz, e cada vez mais capaz, de fazer esses links. O que ali está exposto contém uma parcela de realidade. De consistência concreta da realidade. E isso se dá justamente pelo pensamento analógico ou simbólico.
A aprendizagem pelo RPG, ou jogos de representação de papéis, nunca funcionaria se a correspondência entre uma experiência de fantasia não pudesse, analogicamente, ser transposta para a realidade como ato concreto. Assim matar alguém sem motivo algum tanto no jogo quanto na realidade é algo desastroso, e eterno. O ato possui uma qualidade concreta na realidade. Depois de ser feito não pode nunca ser revertido. Está feito. Assim se um ataque do Sudão com 5 exércitos para o Brasil com 2 for mal sucedido as 2 peças perdidas não voltarão. Aí reside a diferença etária dos jogos. Aqueles que exigem dos participantes estratégias consistentes, em que um ato não pode ser revertido, vão acompanhando a capacidade intelectual do individuo que joga o jogo. Se ele é incapaz de transpor para a realidade a consistência definitiva do jogo, ele não pode jogar os jogos que vão cercá-lo com essa regra. Um jogo de videogame, por exemplo, pode ser eternamente repetido até que um acerto ocorra. Mas um jogo com mais de um participante terá efeitos imediatos em que o jogador se verá na posição de reavaliar todo o modo de jogar a cada rodada.
Quando George Orwell escreve seu 1984 ele expõe uma realidade que não só é possível como vem sendo aplicada sistematicamente nas últimas décadas. Leva o leitor a se perguntar se aquilo foi uma previsão ou um plano exibido. Assim os Protocolos dos Sábios de Sião foram lançados, e logo depois desmascarados como “esquema” montado para incriminar os judeus de um plano para dominação global. Sendo que o processo é justamente esse que ocorre hoje em dia, a aplicação exata daquela “farsa” que por ter sido assim declarada, não passa pelos olhos dos mais incautos como plano deliberado, exibido e desacreditado, somente para depois ser implementado a todo vapor.
A leitura do livro exige do leitor a capacidade de transposição da leitura, análoga e simbólica, para a realidade concreta. Esforço esse que não é prazeroso. Mas é o cerne da leitura. Abrir a mente do sujeito, ou seja abrir o próprio sujeito para as possibilidades reais que ali estão contidas. A grande obra de arte não serve para nada. Não é utilitária. Mas é uma fonte eterna de renovação de possibilidades, trazendo compreensão ao fruidor.
A leitura não estimula sinapses se o leitor mesmo não quiser estimular-se nos processos de digestão e transposição para a realidade do que lê. Esses só são se volitivos, voluntários, e é um processo a ser aprendido, ele não acontece automaticamente.
Ao dizer que os “leitores vorazes” conseguem resolver “quaisquer situações” o autor do texto não faz mais do que estabelecer que a leitura abre a mente do leitor para as possibilidades do real, que vai encarar o real como concretude possível de ações reais. Sem essa consciência o leitor nunca vai transpor o que leu como possibilidade real. E assim é o que acontece hoje. Se a leitura é estimulada pelo prazer, ela nunca servirá de nada, já que o prazer advindo da leitura se dará justamente na medida em que esse processo for benéfico para aquele que lê, e só poderá ser benéfico pela vontade ativa e consciente. Ler um livro por prazer é não ler o que ele tem de mais sincero e oportuno, que é a exposição de possibilidades reais, que é a ampliação efetiva do sujeito para as ações humanas concretas no mundo real.
E esse processo, o processo de transposição, nunca será feito sem a vontade ativa. Nunca teremos alguém que lê por prazer sendo capaz de retirar da leitura todas as suas possibilidades. E essa capacidade de transposição é a capacidade que carece atualmente aos nossos leitores, sejam eles de jornais, revistas, websites, blogs ou livros. O hábito da leitura só pode ser útil se for inútil, na medida em que o leitor se abrir por completo e inserir dentro de seu ser aquela possibilidade ali retratada. E essa capacidade falta e falta muito hoje em dia.
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