Quarta-feira, Setembro 10, 2008
Uma questão observável no meio jurídico brasileiro atual é a quase total indigência de conhecimentos gerais e humanísticos entre muitos bacharéis em direito. Se há algo que a universidade forma atualmente é uma legião de futuros tecnocratas, meros copiadores de leis, como que preparados para pertencer a uma gigantesca burocracia, seja ela estatal ou paraestatal. Isso se reflete no excesso de regras jurídicas, de funcionários públicos e de advogados que são jogados aos montes no mercado de trabalho. Na prática, é uma gigantesca estatização da classe média, já que as atividades privadas, sobrecarregadas de impostos e, por conta disso, cheias de riscos, tornam-se cada vez menos interessantes. Do ponto de vista econômico, a classe média vai aonde está o dinheiro. E a maior parte do butim está nas mãos do Estado. Nada mais lógico que ela procure no funcionalismo público uma estabilidade que não encontra na iniciativa privada. Entretanto, fica a pergunta: quem é que vai sustentar tanta gente? Alguém duvida que isso é um processo lento e graduação de estatização da economia?
Se o Estado sofre um processo lento e gradual de agigantamento, cria-se no mercado uma série de empecilhos burocráticos e morais. Já é relativamente comum a ideologia anti-empresarial no imaginário brasileiro. Essa perspectiva se coaduna com outras formas de distorções econômicas, tais como as reservas de mercado e outras demais formas antiquadas de corporativismo em ofícios profissionais, sejam elas empresariais ou até mesmo profissões liberais. Quem duvidará que as provas da OAB, que depuram milhares de bacharéis em direito, restringindo a profissão advocatícia, não é uma reserva de mercado? Em nosso país, até então existia reserva de mercado para jornalistas, uma aberração, do ponto de vista das democracias. Quando o MEC exige títulos e mais títulos para o exercício da profissão de licenciatura nas universidades ou escolas, isso é também reserva de mercado. A cultura cartorial da papelada, tão comum nas altas esferas do Estado, contamina a economia privada do país, incapaz de ser competitiva, empreendedora e dinâmica. Para cada profissão, um título. Quer ensinar história? Tenha diploma de história. Quer ensinar direito? Tenha diploma de direito. Enfim, o que vale não é a cultura real, mas o papel timbrado. Os autodidatas, por definição, estão excluídos desse mercado, ainda que demonstrem ter um conhecimento acima da média dos nobilitados.
Feito isto, eis o que é preocupante na cultura jurídica brasileira: o vácuo de um conhecimento geral apurado de filosofia e demais outras letras deu margem ao ativismo militante encarnado na figura de advogados, promotores, procuradores, juízes ou defensores públicos. Esse ativismo implica uma partidarização do direito, dentro de espúrias crenças de esquerda. Se a classe média está sendo estatizada, por outro lado, ela quase sempre assume uma ideologia corporativista e totalitarista do poder e do direito no Estado. A lógica se processa da seguinte forma: a burocracia estatal é sempre voluntariosa e benévola; a livre empresa é sempre má e exploradora. É o que se passa na cabeça de muitos causídicos iletrados, a despeito de notórios conhecimentos jurídicos. Entretanto, saber jurídico é tão somente um saber técnico. Não é saber filosófico, não é cultura intelectual, não é elevação moral, no sentido maior do termo.
A média dos advogados brasileiros está no nível dos “señoritos arrogantes” tão fielmente descritos na Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset: os medianos, de cultura técnica acham que podem medir a humanidade pelo prisma de suas limitadas idéias e esquemas de conhecimento. Não é por acaso que o positivismo jurídico ou o marxismo mais rasteiro se apropriem do vazio intelectual da classe jurídica. Diria rasteiro, porque uma boa parte, senão a maioria, só conhece os autores através de fragmentos, e nunca se interessou em se aprofundar a respeito. Na verdade, há uma certa absorção sofística no direito que vicia sua linguagem. O positivismo jurídico, na valorização absolutista da formalidade e aparência legal e o marxismo, na politização e instrumentalização corporativista das leis, parecem atender perfeitamente a consciência de uma classe de pessoas que só se contentou em decorar e soltar regras a granel. A ideologização do direito no Brasil adquire sintomas preocupantes, porque representa o nascimento de esquemas totalitários aplicados em sentenças e formas abusivas de controle do Estado sobre a sociedade civil.
Alguns exemplos podem ser vistos na realidade política atual. O tribunal paulista que condenou o jornalista Diogo Mainardi da Revista Veja, em processo movido pelo também jornalista Paulo Henrique Amorim, representa um sintoma claro desse modelo de pensar. O parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo sobre o assunto mais lembra àquelas tristes épocas da burocracia soviética, em que os tribunais inquiriam ideologicamente o réu e o fuzilavam. A declaração do Procurador de Justiça Carlos Eduardo de Athayde Buono é uma pérola do sovietismo mais ralé. Daqui a alguns anos, quem sabe os futuros burocratas e juristas “soviéticos” não fuzilem o Mainardi?!
O procurador tem umas senhoras pérolas: “É notório que o querelado, em suas matérias semanais, quase sempre atinge a honra de alguém, maldosamente, maliciosamente, com evidente animo de depreciar seu alvo”. (Como se os vigaristas citados por Diogo Mainardi tivessem algum tipo de honra e não merecessem ser depreciados). O fazedor de regras ainda nos completa: “É preciso ressaltar que não sou simpatizante do PT, ou de qualquer partido político”. Bem, todos os petistas chapas vermelhas dizem isso, para simular imparcialidade. O resto do relatório é um poço de puxa-saquismo e falta com a verdade: “Ah, se soubesse adivinhar o futuro esse jornalista não devia ter dito o que disse, ante os fatos e a prisão de Daniel Dantas pela Polícia Federal e sua posterior soltura”. Qualquer pessoa informada sabe que a prisão do banqueiro Daniel Dantas não foi motivada por um excesso de moralidade do governo, e sim para chantagear um sujeito que presta grandes favores ao mesmo, através de muita propina.
Todavia, o Sr. Carlos Eduardo é um burocrata sem senso de humor. Assim ele nos diz: “Dizer que Franklin Martins, Paulo Henrique Amorim e Mino Carta estão na fase descendente de suas carreiras só porque os dois primeiros não estão na Globo é bobagem sem tamanho dita pela arguta defesa. Felizmente não é verdade. A Record e a Bandeirantes e outros meios de comunicação têm crescido e feito frente à Globo (hoje o monopólio não é mais saudável, especialmente nas democracias e na globalização).” Presumo que o Sr. Procurador é incapaz de entender ironias. De fato, Franklin Martins foi demitido pela Rede Globo quando se soube que ele era figura carimbada no Planalto, principalmente quando sua irmã foi favorecida pelo governo. Isso porque o próprio ganhou um cargo de ministro, por serviços prestados à chapa vermelha petista. Sem contar o jornalismo de Mino Carta e Paulo Henrique Amorim, que é notório e descarado apoio ao governo. Recordemos, o próprio Paulo Henrique Amorim foi demitido da IG, já que nem o público endossa suas vigarices.
Entretanto, o procurador Carlos Eduardo se entrega, quando demonstra o cacoete mental típico de um petista. Afirmar que a Globo é monopólica é demonstrar uma completa ignorância do que seja o sentido da palavra “monopólio”, salvo nos clichês típicos da esquerda. O mesmo princípio se aplica ao chavão mais adiante: “Diogo Mainardi por fazer parte dos poderosos conglomerados de comunicação (Globo e Ed. Abril) não está imune ao Direito Penal”. Quer coisa mais comunista do que esse discurso? Quer coisa mais piegas, mais grotesca, mais parecida com o colegial de DCE acadêmico, do que uma pantomima ideológica como essa travestida em um relatório de uma sentença? Há uma certa dose de elogio em causa própria, como se o "grande conglomerado" da imprensa fosse mais poderoso do que o Estado, como se o próprio Procurador fosse um David lutando contra Golias.
Os impropérios grosseiros de Mino Carta sobre o filho deficiente de Mainardi devem ser um saudável jornalismo ao Sr. Procurador. O contrário, ou seja, a verdade sobre a corrupção moral dos jornalistas pagos por Brasília (entre os quais, Mino Carta), é uma “ofensa à honra” de alguém. O Dr. Carlos Eduardo de Athayde Buono tem futuro no país governado por senhoritos arrogantes. O acórdão que condenou Mainardi é uma senhora defecada de regras sem a menor disposição com a realidade. No final das contas, o charlatão Paulo Henrique Amorim pode mentir á vontade a peso de soldo de Brasília, pois a justiça endossa o seu jornalismo vendido.
Os senhoritos arrogantes passaram anos estudando direito, quando na verdade, não estudam absolutamente nenhuma outra coisa. Fazem sentenças ideológicas, por falta de conteúdo intelectual mais apurado, para cobrir a carência das idéias genuínas. Ser ativista nos tribunais dá status. Neste vazio, há os senhoritos arrogantes que acham que pensam alguma coisa. Um amigo meu do Rio Grande do Sul me avisa qual a obra a ser estudada para o seu curso de Direito: “As motivações ideológicas da sentença”, do desembargador amigão das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Rui Portanova. Se não bastasse isso, outro amigo, lá dos confins do Paraná, me conta a estripulia de uma turma de Procuradores de Justiça que odeiam os empresários, porque estes são malvados por natureza e “exploram” os trabalhadores.
As pessoas não são mais julgadas pelos atos, porém, pelas suas idéias, pelos seus papéis sociais. E os burocratas, fabricados pelas faculdades, tornaram-se os justiceiros do mundo, tomando postos do governo para intervir, lapidar e oprimir, cada vez mais, a sociedade privada e nossas relações particulares. São estes que querem controlar nossa fala, nossos pensamentos, nossas manifestações, em nome da legalidade e da ordem, em nome de uma cartilha politicamente correta estéril e idiotizante. Querem controlar, inclusive, a internet, presumindo que todos os usuários são pedófilos e racistas, até que se prove o contrário. Enquanto isso, eles aderem falaciosamente à ideologia totalitária que domina o governo de Brasília, tais como cachorrinhos amestrados de guarda. Há os oportunistas, os fanáticos e os idiotas úteis nessa história. Ninguém do Ministério Público, do Judiciário ou mesmo da OAB moveu uma palha contra o governo mais cínico, corrupto e imoral da história do Brasil. Quase todos eles pensam em carguinhos, em mesquinharias úteis, em ascensão na burocracia estatal, tal como um burocrata da nomenclatura soviética. Não seria de espantar que, se o Brasil caminhasse para uma ditadura (como de fato está caminhando), haveria uma ordem inumerável de alcagüetes e colaboradores desse sistema totalitarista. Muita gente está pronta para abdicar das liberdades fundamentais em nome do Estado voluntarioso e benévolo. A banalização do mal começa pela indiferença moral burocrática. É a rebelião do homem-massa no Brasil.
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