Por Olavo de Carvalho em 29 de maio de 2008
Se a celebração das seis décadas de existência do Estado de Israel vem consistindo essencialmente em culpá-lo por todo o mal que lhe fazem e em desejar com fervor a sua morte próxima, a dos 40 anos das rebeliões estudantis de 1968 não tem feito outra coisa senão tomar como realidade, a priori e sem o mínimo exame crítico, a auto-interpretação lisonjeira que seus líderes fizeram desse movimento na época da sua eclosão.
Uma das poucas vozes dissonantes foi Nicolas Sarkozy, que em discurso recente afirmou:
“O Maio de 68 impôs o relativismo moral e intelectual a todos nós. Impôs a idéia de que não existia mais qualquer diferença entre bom e mau, verdade e falsidade, beleza e feiúra. Sua herança introduziu o cinismo na sociedade e na política, ajudando a enfraquecer a moralidade do capitalismo, a preparar o terreno para o inescrupuloso capitalismo das regalias e das proteções para executivos velhacos.”
Reagindo com indignação a essas palavras, o ativista-historiador Tariq Ali – ele mesmo um dos agitadores de 1968 – exclama: “Não me venha com essa, Sarkozy!”. E, imaginando brandir contra o presidente francês argumentos irrespondíveis, pergunta: “Então, nós é que somos responsáveis pela crise do subprime , pelos políticos corruptos, pela desregulamentação, pela ditadura do livre mercado, pela cultura infestada por um oportunismo descarado, pela Enron, pela Conrad Black, entre outras coisas?”
Mas a resposta a essa pergunta é, incontornavelmente, “sim”. O movimento de 1968, que na verdade começou em Harvard em 1967, marcou a conversão mundial da esquerda aos cânones da “revolução cultural” preconizada por Georg Lukács, Antonio Gramsci e os frankfurtianos. A ambição da militância, daí por diante, já não era tomar o poder, nem muito menos implantar o socialismo. Estas metas eram adiadas para depois de conquistado o objetivo primordial: destruir a civilização do Ocidente, corroer até à extinção completa as bases culturais e morais sobre as quais tinha se erigido o capitalismo. Ora, o que é o mais bem sucedido sistema econômico, quando amputado de seus fundamentos civilizacionais e reduzido à pura mecânica das leis de mercado? É um mundo de riqueza sem alma, um inferno dourado. Os revolucionários de 1968 produziram esse efeito por três vias e em três fronts:
(1) Espalhados na mídia e nas instituições de cultura, empreenderam a agressão direta, pertinaz e brutal a todos os valores e símbolos mais veneráveis da civilização e a demolição deliberada do sistema de ensino, onde as aulas de grego e latim foram substituídas por seminários de sexo anal.
(2) Infiltrados no meio empresarial como técnicos e consultores, persuadiram os capitalistas a “modernizar-se”, mandando às favas as exigências da moral tradicional e passando a agir segundo o modelo deformado do argentário sem escrúpulos. A caricatura marxista do empresariado tornou-se realidade, não raro encarnada pelos próprios homens de 1968, cuja posadíssima conversão à livre-empresa vinha acompanhada de uma ênfase cínica na eficiência amoral do sistema, propaganda irônica que só fazia ressaltar, de maneira implícita mas por isto mesmo ainda mais contundente, a superioridade moral do socialismo injustamente derrotado pelo mundo mau.
(3) Atuando como líderes e porta-vozes de movimentos sociais, condenavam os efeitos de suas próprias ações como se elas não fossem obra deles e sim de uma abstração hedionda, “o capitalismo”, e simultaneamente exploravam a nostalgia do universo cultural destruído, cooptando de volta os velhos valores e símbolos civilizacionais, até mesmo os religiosos, esvaziando-os de seu sentido originário e reduzindo-os a slogans da propaganda anticapitalista.
Com essa tripla operação, adquiriram o simulacro terrivelmente convincente de autoridade que até hoje aufere lucros morais de seus próprios crimes, debitando-os na conta da burguesia sonsa que se deixa intoxicar pelo seu discurso.
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