Escrito por Ludwig von Mises. Publicado em 22 de novembro de 2007
Este foi o último discurso formal de Ludwig Von Mises (foto), (1881-1973), pronunciado em 02 de maio de 1970, num seminário de Economia patrocinado pela Sociedade de Praxeologoia, Seatlle, Washington. Foi assistido por cerca de 600 professores, alunos e outros interessados. Este texto foi transcrito do audiotape por Betina Bien Greaves, e editado, primariamente para a sintaxe e pontuação, por Percy L. Greaves. Foi oferecido ao Instituto Mises pela Sra. Greaves e nunca antes apareceu impresso.
Senhoras e senhores:
É difícil dirigir-me a este grupo que já tem tido tantos excelentes oradores e que provavelmente ainda terá muitos mais no futuro. Mas eu não pretendo desperdiçar meu tempo com belas palavras de introdução. Eu desejo entrar no âmago das coisas, in media res, de modo a utilizar meu limitado tempo da melhor maneira possível.
Os seres humanos não são somente uma classe biológica. Uma classe de pessoas conectadas ou relacionadas umas às outras por fatores biológicos. Os seres humanos não são somente parentes uns dos outros; são também colaboradores. Eles não são apenas biologicamente interligados; eles são também, para usar um termo desconhecido há apenas algumas décadas atrás, uma classe “praxeológica”. Estão espiritualmente e intelectualmente unidos e ainda mais unidos no modo como vivem e trabalham. São colaboradores. Colaboradores não são apenas aqueles que cooperam uns com os outros. São pessoas que também, antes de cooperar, estão pensando da mesma maneira e desempenhando uma gama de tarefas pelas quais poderíamos denominar como sendo a unidade do grupo ou da classe.
Há muitos padrões de colaboração. Apenas um deles é conhecido das pessoas que crêem somente em pequenos grupos de pessoas que colaboram com um outro grupo. Estas pessoas vêem apenas a colaboração organizada. A colaboração a qual é conduzida por indivíduos que dão as direções aos outros para os seguirem. Este sistema organizado de colaboração é extremamente popular. É muito bem conhecido, especialmente, do ponto de vista político. É um sistema no qual os indivíduos estão integrados de um modo especial. É um sistema organizado, um sistema que nós podemos muito facilmente descrever. Este é o sistema conhecido hoje como “socialismo”.
Socialismo é uma cooperação entre pessoas, mas um tipo especial de cooperação. Há um indivíduo, ou um grupo ou uma classe de indivíduos, que fornecem as direções para todos os outros membros do grupo, para que em relação a estas sua cooperação seja total. No sistema socialista há uma vontade que determina tudo e todos; todos os membros do sistema têm de cumprir as ordens e resoluções feitas por um pequeno grupo ou mesmo um indivíduo que lidera a organização inteira. No mais elaborado sistema socialista que o mundo já conheceu até hoje, no teoricamente melhor elaborado sistema socialista, o líder foi chamado de o “führer”. “Führer” significa a “cabeça”, o “guia”. Sob o princípio do “führer”, um único homem determina onde e como o sistema inteiro tem de funcionar. Neste sistema há somente uma única vontade que determina tudo. Não há controvérsias. Há apenas a figura do líder, o “führer”, à frente. Aos outros cabem obedecê-lo e segui-lo.
Este sistema é muito bem conhecido. Pode ser muito bem e facilmente descrito. Mas é um sistema cujas conseqüências e efeitos são conhecidos por poucas pessoas, senão nenhuma. Sob o princípio do “führer”, sob o tipo de colaboração que chamamos de “socialismo”, sob uma sociedade “organizada” ou “planejada”, sob este sistema, há uma vontade central que determina tudo e a que todas as outras pessoas têm de seguir. Elas têm de obedecer. Elas são seguidoras. Certamente, sob tal sistema não há qualquer espécie de desperdício de ações e de forças, mas somente isto não significa nada. Isto significa apenas que nós temos de dizer que todas as outras pessoas não têm nenhuma vontade própria, nenhuma possibilidade, nenhuma oportunidade, nenhuma força, para influenciar a direção do sistema como um todo, a direção da cooperação e colaboração das pessoas.
O Socialismo é um sistema maravilhoso; é maravilhoso, muito bom, excelente, se nós aceitarmos as idéias do “führer” – se nós somente aceitarmos as idéias do “führer”, que lidera a coisa toda até o final. Mas é algo muito diferente se nós olharmos do ponto de vista da realidade. Na vida real, observamos que há muitas idéias diferentes, diferentes desejos e planos, diferentes indivíduos. Na vida real, observamos que estes indivíduos, a imensa maioria do povo, tornar-se-ia extremamente infeliz se tivesse de abandonar seus próprios desejos, planos e vontades e tivesse apenas de obedecer às ordens de outras pessoas. Este sistema, este sistema onde falta a liberdade para todos os indivíduos, exceto para um, poderíamos chamá-lo de sistema-prisão, se nós não tivéssemos cometido um erro fundamental, que é de fato a razão fundamental porque tantas pessoas aceitam as idéias do socialismo e a direção geral de todas as tarefas humanas.
As pessoas aceitam o socialismo do ponto de vista de suas próprias idéias. Elas estão inteiramente convencidas de que um sistema socialista irá proceder precisamente no modo pelo qual elas mesmas gostariam de proceder. Elas estão inteiramente convencidas que todas as outras pessoas deveriam ser forçadas a adaptarem-se a este sistema, o qual certamente elas consideram como o melhor e o único sistema possível. Quando falamos sobre o Socialismo nós assumimos, se estamos a favor dele, que o sistema socialista irá funcionar precisamente no modo pelo qual o indivíduo socialista quer que ele funcione. Nós então assumimos que este sistema, este método, irá trazer precisamente aqueles resultados e aquelas situações que este indivíduo apoiador da idéia socialista quer que sejam obtidos.
Se nós assumirmos que este sistema terá também a força para determinar tudo o que um indivíduo faz com respeito ao que são comumente chamados de “problemas religiosos”, nós deveremos assumir também que tal sistema de socialismo deveria adotar um sistema religioso específico. Isto faria com que todos os outros sistemas religiosos passassem a se tornar sistemas de minorias perseguidas.
Considerando-se as condições socialistas nós nunca pensamos que este sistema socialista poderia forçar as pessoas a fazer coisas que elas consideram as piores possíveis. Nós teremos, então, um estado de coisas que só podemos qualificar simplesmente como um Estado de “más intenções”. Pessoas crêem, pessoas dizem “sou a favor do socialismo”. Podem usar alguns outros termos sinônimos para a palavra “socialismo”, mas elas assumem para si que este sistema de socialismo será precisamente o sistema que elas mesmas consideram em qualquer hipótese como o único sistema que é bom, o único sistema que deveria existir. Elas assumem que todos os outros sistemas, todos os outros métodos de fazer as coisas, as boas coisas, as grandes coisas, as nobres coisas, e mesmo as coisas cotidianas, são métodos que elas não querem tolerar.
A idéia do Socialismo pode ser considerada por algumas pessoas como uma idéia muito bonita, maravilhosa e grande. As pessoas podem assumir que seria uma coisa maravilhosa se o mundo todo se dedicasse, se dedicasse inteiramente, a um único e definido método de trabalhar, pensar e viver, e rejeitar todos os outros métodos que, deixe-nos dizer, são ruins. Mas a questão será sempre, e esta questão, que nunca é considerada suficientemente, esta questão é: irá este sistema ser precisamente um sistema que eu posso apoiar, que eu irei apoiar, que eu quero apoiar?
O ideal do socialismo sempre teve conexão à firme convicção de que há apenas um único bom plano possível e que este único bom plano possível deva ser posto em prática, e que todos os outros planos de decidir as coisas sejam proibidos e considerados como ilegais, como irreais, como imorais, e assim por diante. A grande popularidade de que o Socialismo desfruta em largas esferas do mundo é devida ao fato de que as pessoas sempre acreditam que o Socialismo irá, certamente, apoiar somente as coisas certas e não as coisas erradas ou ruins, e que as coisas ruins serão proibidas. O que é bom e o que é ruim, o que está certo e o que está errado será, obviamente, decidido por “meus desejos”, “meus sentimentos”, pelo que “eu tenho em mente”.
A grande popularidade do socialismo consiste precisamente no fato de que as pessoas sempre consideram a si mesmas como membros da maioria dirigente, da força dominante do sistema socialista, e nunca como membros de um grupo cujo ato de pensar, sentimentos e ensinamentos não são permitidos, não são tolerados, não são aceitos pela maioria. Ademais, quando falamos em Socialismo sempre nos esquecemos que poderá acontecer sob o Socialismo que eu “não irei” pertencer aos membros da maioria ou do grupo que, embora minoritário, possui vários métodos técnicos com os quais conta para dirigir a todos e a força necessária para perseguir todos os dissidentes. As pessoas estão inteiramente convencidas de que este sistema será maravilhoso “para mim”, especialmente “para mim”. Elas não cuidam em pensar se também será maravilhoso para outras pessoas. Então a grande popularidade de tais sistemas consiste precisamente no fato de que as pessoas estão convencidas de que suas próprias idéias, seus próprios planos e seus próprios métodos são os únicos corretos e serão os únicos permitidos.
Vamos comparar este sistema de rígida monocracia com o sistema de economia de mercado, o sistema do liberalismo, o sistema em que qualquer um ou qualquer grupo são escolhidos por outras pessoas. Quando comparamos estes dois sistemas, vemos que há certamente sob o sistema de mercado um estado imperfeito de divisão de tarefas. As pessoas então perguntam porque podem tantas pessoas boas não aceitar o Socialismo? O que estas pessoas não vêem é que, visto do ponto de vista da cooperação humana, da coexistência humana, nós temos apenas um meio de trazer todos a uma unanimidade de pensar e agir, em qualquer ocasião, e isto se faz por proibir qualquer desvio e por perseguir as pessoas que estão se desviando do que é aceito por aqueles que detém o poder para forçar todos os dissidentes à sua submissão. Temos assim, portanto, que concluir que as condições humanas poderiam ter se desenvolvido de um modo muito diferente se houvesse sempre pessoas que tivessem usado a força para fazer suas próprias idéias, seus próprios métodos de agir e viver, supremos no mundo todo, e proibir quaisquer outros.
Temos, isto é verdade, uma saída. Devemos dizer que poderia ser que em qualquer parte do mundo, entre um grupo de pessoas, poderia haver um sistema, e entre outras pessoas um outro sistema. Isto significa um estado de coisas num mundo no qual haveria muitos estados independentes, e em cada um destes estados independentes um sistema diferente de estrito socialismo, ou estrita determinação pelo grupo dirigente de qualquer coisa que exista. Isto nos traria a um mundo de muitos grupos, provavelmente concorrendo entre si. Concorrendo entre si porque se você considerar certas coisas como sendo absolutamente necessárias, não irá tolerar o desenvolvimento de certas idéias por outros grupos além das fronteiras de seu próprio país. Que nós tenhamos uma civilização humana, que tenhamos realizado certos avanços no curso dos séculos é devido ao fato que um tal sistema geral, que dirija o mundo todo nunca foi realizado e nunca foi aceito, embora tenha havido muitos grupos no curso da história que tenham tentado realizar tal êxito.
Houve grupos que pensaram que eram seu direito e sua missão, usar o poder para forçar todas as outras pessoas à submissão. Houve muitas guerras deste tipo, guerras religiosas, em certas épocas, nas quais pessoas tentaram forçar um grupo de pessoas de diferentes religiões a submeter-se e a aceitar sua própria religião. Houve centenas e centenas de anos de batalhas relativas a tais questões. Finalmente, depois de tantas lutas e guerras, emergiu a idéia de que as pessoas são diferentes e que não é absolutamente necessário ter um estado de coisas no qual todas as outras pessoas sejam forçadas a comportar-se precisamente do modo que um certo ditador quer que elas se comportem. Então se desenvolveu o sistema de cooperação tal em que as pessoas podem cooperar porque são inclinadas às mesmas idéias. Não é necessário que as pessoas ajam precisamente no mesmo modo, comportem-se do mesmo modo e pensem do mesmo modo pelos quais outras pessoas fazem.
O que é necessário entender é o que nos trouxe até aqui, ao estado civilizatório, tal como o que conhecemos hoje. O que é necessário entender é o sistema de cooperação naqueles campos em que a cooperação é aceita pelos maiores e pelos menores grupos. Como resultado, nós temos tido, ao longo dos séculos, o desenvolvimento de sistemas que são baseados no que é chamado de troca. A troca deriva das palavras que em Latim eram tão freqüentemente usadas para descrever do modo mais simples, as condições características, do ut des – eu dou de forma que você deve dar – significando que eu dou de modo a trocar com você. No decorrer dos séculos, estas práticas trouxeram-nos a todas as condições que nós agora consideramos como a vida civilizada moderna.
Podemos dizer, certamente, que sob outras condições poderíamos estar melhor que sob o sistema de economia de mercado. Sob o sistema de troca de bens, ainda prevalecem muitas coisas indesejáveis que teriam desaparecido se, se! Um ser super-humano, não limitado de modo algum, tivesse tido o poder de organizar e comandar todos os afazeres humanos. Nós temos o sistema de mercado. Este sistema tem, nos milhares de anos da história humana, se desenvolvido num sistema em que as pessoas que estão preparadas para cooperar com alguma outra estão cooperando – um sistema em que as pessoas entram mesmo num tipo restrito de cooperação com outros grupos em cujas mentes outras idéias prevalecem. Nós temos um sistema em que eu posso fazer algo de forma a satisfazer outra pessoa de quem eu espero conseguir algo em retorno. Nós temos um sistema de troca de ações e de troca dos produtos dessas ações, e nós temos este sistema baseado nas trocas de serviços. Um homem cumpre um serviço na expectativa de receber um outro serviço daquelas pessoas a quem ele forneceu seu serviço.
Nós temos elaborado este sistema de trocas com a ajuda técnica do “meio de troca”. Não é necessário que alguém deva encontrar outra pessoa que esteja precisamente hábil a dar a ele o que ele procura e ao mesmo tempo que este deseje o que o outro simultaneamente tem a ofertar. É suficiente se nós pudermos elaborar um sistema tal pelo uso do então chamado “meio de troca”. O que tem sido feito, como todos sabem, é a elaboração do sistema de troca com o uso do “meio de troca”. Este sistema humano, como hoje existe no mundo inteiro, consiste no fato de que as pessoas estão fazendo algo de forma a receber algo em troca pelo que elas fizeram, como um prêmio por seus próprios serviços.
Este sistema tem se desenvolvido com o uso do “meio de troca”. Isto significa que as pessoas não estão sempre dando ou trocando exatamente o que elas produziram contra as coisas que simultaneamente querem consumir ou ter. É possível usar algum meio de troca que sirva como intermediário das trocas indiretas do grupo. Nós temos deste modo um sistema completo de civilização e ação humana que funciona satisfatoriamente.
Nós temos um sistema de economia monetária. Certas pessoas estão dizendo quão sujo, quão ruim, é fazer algo para alguém apenas por esperar algo deste alguém. Mas isto não é tão ruim, vocês sabem. É a condição em que a vida humana pode existir. É necessária, nesta situação, que haja um meio de troca, porque um homem que queira dar para receber algo, não terá sempre o que o outro homem, de quem ele quer receber algo, desejar como compensação. Nós temos, portanto, desenvolvido um sistema de meio de troca, um sistema de dinheiro, que faz possível ao indivíduo oferecer algo em troca por uma ação praticada por um terceiro, que é muito diferente dele em qualquer aspecto.
Passados muitos milhares de anos, nós temos desenvolvido um sistema prático em que as pessoas podem usar suas diferentes qualidades, suas diferentes tecnologias, suas diferentes habilidades e as várias coisas que eles encontram em seu ambiente geográfico, de forma a receber de outras pessoas outras coisas que elas querem ter ou obter. Nós temos desenvolvido desta forma um sistema de mercados.
O mercado, as pessoas dizem, é algo muito comum, você sabe. As pessoas perguntam: Por que dar algo a alguém somente quando você está esperando conseguir algo dele? Esta pode ser ou não uma objeção estúpida, mas o fato é que isto nos trouxe ao desenvolvimento da civilização humana da qual somos tão orgulhosos hoje. Por esta causa, temos galgado enormes progressos contra as condições que existiam nas eras passadas. Podemos dizer, como é vulgar dar a outro homem algo para beber somente porque esperamos algo em troca dele. Eu não quero dizer se isto é muito nobre ou se é muito vulgar ou não. É a base de nossa civilização a troca de bens e serviços. É a troca de bens e serviços que trouxeram a nossa civilização ao estágio que conhecemos. Esse sistema tem apenas uma alternativa. Esta alternativa é o “Princípio do Füehrer”. O “Führurtum”, um sistema com um ditador central que faz cerca de tudo por punir uns e recompensar outros.
Esta é a única alternativa ao nosso tão vulgar sistema de mercado – um sistema em que as pessoas estão sempre tentando obter algo melhor por meio de dar algo e recebendo o pagamento por isto. No nosso sistema comum, você deve ser livre para retribuir serviços tanto quanto você possa retribuí-los e receber um prêmio por eles. Este sistema de mercado que nós temos pode não ser tão nobre do ponto de vista de uma hipotética nobreza, mas é o sistema que nos tem trazido todas aquelas coisas que nós conhecemos e temos hoje. Conseguiu afastar muitas doenças e prover para as pessoas doentes e para aquelas que, por quaisquer outras razões, são impossibilitadas de fazer algo. É um sistema em que elas também podem viver e aproveitar a vida. Tudo isto é devido ao fato de que nós criamos este maravilhoso sistema de mercado.
Nós criamos este mercado mundial que faz possível que alguém que adquira uma doença na Europa possa encontrar a cura, a única cura disponível contra a sua doença. Esta cura está disponível até mesmo se for necessário viajar milhares e milhares de milhas e fundar muitos estabelecimentos, pelo que sua construção deve ter levado anos ou mesmo décadas. Estabelecemos este maravilhoso sistema em que, logicamente, apenas as pessoas que estão saudáveis e têm a força podem ativamente participar. Mas nós temos este sistema conectado com outro sistema que faz também possível dar e prover para aqueles que não estão em posição de prover por si mesmos.
Nós temos, além do mais, um sistema em que nós temos de dizer que o centro de nossas atividades é o “do ut des”, ou “eu dou de forma a receber algo”. Neste sistema, estabelecemos um meio de troca por razões técnicas porque isto faz estas trocas possíveis. Este sistema, com seu uso de um meio de troca, o dinheiro, requer certas regras especiais de modo que nós não perdemos os créditos que procuramos conservar. Podemos, além do mais, dizer que, há milhares e milhares de anos atrás, a humanidade iniciou-se com níveis muito baixos de vida, com coisas muito simples, com absoluta ignorância de todas aquelas coisas que hoje consideramos as mais altas da vida. Nestes milhares e milhares de anos a humanidade tem desenvolvido este sistema em que existem muitas e muitas coisas que hoje podem ser consideradas como inteiramente satisfatórias. Entretanto, mesmo dentro da visão destas muitas coisas muito satisfatórias, ainda prevalecem hoje muitas coisas que ainda permanecem muito insatisfatórias. Mas temos visto que este sistema desenvolveu-se etapa por etapa do fato de que os indivíduos têm se deparado com alguns métodos de se fazer algo sob condições insatisfatórias, fazendo estas condições muito insatisfatórias tornarem-se menos insatisfatórias, senão plenamente satisfatórias.
Este sistema é baseado no mercado. É baseado nas trocas do mercado com o uso de um meio de troca. Tal meio de troca é necessário de forma a fazer com que pessoas possam fazer aquelas coisas que hoje consideramos após milhares de anos de desenvolvimento, como absolutamente necessárias e absolutamente satisfatórias. Não estão as pessoas, portanto, justificadas quando tratam com menosprezo as condições do mercado de trocas, do dinheiro, de vender coisas ao maior preço possível que possa ser recebido, como se todas estas condições absolutamente necessárias pertencessem às mais simples coisas da vida justo porque algumas condições no mundo encontram-se insatisfatórias. Fazer as coisas mais satisfatórias requer em muitos casos que tais coisas sejam exigíveis, de modo que alguém tenta conseguir o melhor que possa ser recebido em razões de troca, e assim por diante.
Certamente nós não alcançamos um estado ideal das coisas. Não podemos alcançar este tal estado ideal das coisas porque as condições no mundo são tais que os homens têm de trabalhar para alimentar a si mesmos. Isto pode significar, deixem-nos dizer, menos agradável que simplesmente aproveitar a vida sem nenhuma necessidade de trabalhar. No sistema que temos desenvolvido, o meio de troca, o dinheiro, desempenha um importante papel. Este desempenha uma função que não pode, no horizonte que podemos enxergar, ser substituído por qualquer outra coisa. Além do mais, não podemos dizer que as condições do mundo não são muito satisfatórias porque você tem de tentar barganhar, porque você tem de tentar trocar, o que você tem contra outras coisas que você quer adquirir, e assim por diante. Alguns dizem que isto não é lá muito agradável, que isto pertence ao mais baixo nível da vida e das atividades humanas. Isto não é verdade.
Todas as grandes coisas que os homens criaram, as artes, todas as coisas nobres que os homens têm feito, as ajudas dadas às pessoas que precisam de ajuda, as ajudas dadas às pessoas que estão em más condições, todas estas coisas seriam impossíveis se nós não tivéssemos desenvolvido no curso dos séculos um sistema de mercado no qual evoluímos mais e mais os métodos de preservação da vida humana, fazendo-a mais pura e mais satisfatória tanto sob o ponto de vista ético como do artístico. Além do mais, se estamos colocando em contraste as más condições do mundo com os ideais que nós temos em nossas mentes sobre um mundo mais alto e requintado, devemos dizer que tais comparações não têm nenhum valor.
O que tem feito as pessoas melhores, o que tem dado às pessoas melhores condições e o que tem criado todas aquelas coisas que hoje consideramos como o orgulho das realizações humanas, não são devido a algumas declamações, alguns discursos, alguns sonhos sobre um mundo melhor, ou alguns esforços para realizar um mundo melhor pela força das armas. O que trouxe todas estas coisas foi o afiado trabalho diário das pessoas, os esforços destas para melhorar suas próprias condições pelo trabalho duro e fazendo coisas que eram desconhecidas em épocas passadas, e até mesmo a elas próprias em tempos anteriores recentes. Além do mais, devemos dizer que o sistema de mercado, o sistema de produzirmos algo com o propósito de dá-lo a alguém, mas somente em contrapartida de recebermos deste, algo para a melhoria de nossas próprias vidas, este sistema de mercado pode ser considerado um sistema muito vulgar, mas ainda é um sistema muito necessário.
Tal sistema não pode se comparar com certas manifestações da vida humana nas artes, na religião, na filosofia, e assim por diante, mas é este sistema que nos tem suprido de tudo. É este sistema que tem convertido as pessoas, cujos ancestrais estavam vivendo numa escala da vida que nós podemos hoje considerar extremamente insatisfatórias, em descendentes que estão continuamente comprometidos com as idéias de melhorar as condições por trabalhar mais e mais, por estudar as condições da natureza mais e mais e por encontrar métodos cada vez melhores para combater aquelas coisas que consideramos insatisfatórias. Este é o caminho correto para os homens viverem. Portanto, se algumas pessoas dizem que tudo nesta terra é ruim e que as únicas coisas satisfatórias do ponto de vista de uma filosofia superior é retirar-se do trabalho ativo e viver como anacoretas, nossa resposta a estas pessoas é “Não!”.
Olhem ao redor e aonde vocês virem até a menor das melhorias das condições, vocês podem dizer que isto é o efeito das intenções e dos trabalhos de nossos ancestrais. Nós temos apenas um método de melhorar as condições. Isto é, fazendo o mesmo que eles fizeram, tentar conseguir mais e mais, melhorar nossas condições mais e mais.
Obrigado.
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