Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

terça-feira, 1 de março de 2011

A metonímia democrática

OLAVO DE CARVALHO
Jornal da Tarde, 21 de janeiro de 1999

Devo aos leitores, talvez, uma explicação sobre o artigo anterior, que saiu muito compacto. O que eu dizia ali é o seguinte: ao contrário do que afirma Bobbio (repetindo Jefferson, segundo me lembra um amável missivista), mais democracia não é o remédio para os males da democracia: é o começo da ditadura.

Explico-me.

Com tanta freqüência e de boca tão cheia os tolos e os espertalhões falam de “democracia social”, de “democracia cultural” e até de “democracia sexual”, que acabamos esquecendo que o uso da palavra “democracia” fora do estrito domínio político-jurídico é apenas uma figura de linguagem – a qual, tomada ao pé da letra, resulta em completo nonsense .

Democracia é o nome de um regime político definido pela vigência de certos direitos. Como tal, o termo só se aplica ao Estado, nunca ao cidadão, à sociedade civil ou ao sistema econômico, pois em todos os casos o guardião desses direitos é o Estado e somente ele. Só o Estado pratica – ou viola – a democracia. A sociedade civil vive nela e se beneficia de seus direitos, mas nada pode fazer a favor ou contra ela, exceto através do Estado. O homem que oprime seu vizinho não atenta contra “a democracia”, mas apenas contra um direito individual, o qual existe só porque o oprimido e o opressor são ambos cidadãos de um Estado democrático: democracia é o pressuposto estatal desse direito, não o exercício dele pelo sr. fulano ou beltrano. Se o mesmo direito não existisse, isto é, se o Estado não o reconhecesse, não é o opressor individual que seria antidemocrático, mas sim o Estado. Quando se diz que um cidadão “pratica a democracia” porque respeita tais ou quais direitos, o uso da palavra é rigorosamente metonímico: democrática não é a ação individual em si, mas sim o quadro jurídico e político que a autoriza ou determina.

Do mesmo modo, se uma empresa decide nivelar as diferenças de salários entre seus empregados de funções idênticas, ela não está “praticando a democracia”, mas apenas pondo em prática um direito que existe porque o Estado democrático o assegura. E se ela fizer o mesmo fora de um Estado democrático, nem por isto estará implantando uma democracia, pela simples razão de que age por iniciativa isolada, incapaz, por si, de estatuir direitos. Democrático ou antidemocrático é o Estado e somente o Estado; os cidadãos e os grupos sociais são apenas obedientes ou desobedientes à ordem democrática. A democracia é nada mais que a ordem política e jurídica na qual certos atos são possíveis – e dizer que estes atos são “democráticos” é tomar o condicionado pela condição que o possibilita: é metonímia.

Mas o erro em que incorre quem toma literalmente a sério expressões como “democracia econômica” ou “democracia social” vai muito mais fundo do que um mero deslize semântico. Pois a transposição da idéia democrática para outros campos além do político-jurídico, em vez de estender a esses domínios os benefícios que a democracia assegura no seu domínio próprio, resulta apenas em ampliar o domínio político-jurídico: tudo se torna objeto de lei, tudo fica ao alcance da mão da autoridade. Mas a democracia, por essência, consiste justamente em limitar o raio de ação do governante: estendê-la é destruí-la.

Daí que a vitória mundial da idéia democrática traga, consigo, a tentação suicida de tudo democratizar, que no fim das contas é tudo politizar, dando àquele que tem o poder político um poder ilimitado sobre todos os outros domínios e esferas da vida. Só por uma ilusão verbal é que se pode imaginar uma “democracia sexual”, por exemplo, como um paraíso libertário: a submissão da vida sexual aos critérios democráticos é a universal invasão de privacidade – e esse grão-hierofante da democracia ilimitada, que é o sr. Bill Clinton, está finalmente sentindo na carne os efeitos da sua própria bruxaria.

O remédio para os males da democracia não está em mais democracia: está em reconhecer que a democracia não é o remédio de todos os males.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
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A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".