Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

DOIS CÓDIGOS MORAIS

Fonte: ViVER DE NOVO
Sexta-feira, 4 de Setembro de 2009


Por Olavo de Carvalho, no Diario do Comércio


Para a classe jornalística brasileira em peso, o compromisso de um soldado para com as Forças Armadas não significa nada; não há desdouro em rompê-lo. Já uma organização comunista, esta sim é uma autoridade moral que, uma vez aceita, sela um compromisso sagrado


A entrevista do Cabo Anselmo ao programa “Canal Livre” (TV Bandeirantes, 26 de agosto, aqui) é um dos documentos mais importantes sobre a história das últimas décadas e mereceria uma análise detalhada, que não cabe nas dimensões de um artigo de jornal. Limito-me, portanto, a chamar a atenção do leitor para um detalhe: o confronto do entrevistado com os jornalistas foi, por si, um acontecimento revelador, talvez até mais que o depoimento propriamente dito.

Logo de início, o apresentador Boris Casoy perguntou se Anselmo se considerava um traidor. Ele aludia, é claro, ao fato de que o personagem abandonara um grupo terrorista para transformar-se em informante da polícia. Para grande surpresa do jornalista, o entrevistado respondeu que sim, que era um traidor, que traíra seu juramento às Forças Armadas para aderir a uma organização revolucionária. A distância entre duas mentalidades não poderia revelar-se mais clara e mais intransponível.

Para a classe jornalística brasileira em peso, o compromisso de um soldado para com as Forças Armadas não significa nada; não há desdouro em rompê-lo. Já uma organização comunista, esta sim é uma autoridade moral que, uma vez aceita, sela um compromisso sagrado. Nenhum jornalista brasileiro chama de traidor o capitão Lamarca, que desertou do Exército levando armas roubadas, para matar seus ex-companheiros de farda. Traidor é Anselmo, que se voltou contra a guerrilha após tê-la servido. Anselmo desmontou num instante a armadilha semântica, mostrando que existe outra escala de valores além daquela que o jornalismo brasileiro, com ares da maior inocência, vende como única, universal e obrigatória.

O contraste mostrou-se ainda mais flagrante quando o jornalista Fernando Mitre, com mal disfarçada indignação, perguntou se Anselmo não poderia simplesmente ter abandonado a esquerda armada e ido para casa, em vez de passar a combatê-la. Em si, a pergunta era supremamente idiota: ninguém – muito menos um jornalista experiente - pode ser ingênuo o bastante para imaginar que uma organização revolucionária clandestina em guerra é um clube de onde se sai quando se quer, sem sofrer represália ou sem entregar-se ao outro lado.

Conhecendo perfeitamente a resposta, Mitre só levantou a questão para passar aos telespectadores a mensagem implícita do seu código moral, o mesmo da quase totalidade dos seus colegas: você pode ter as opiniões que quiser, mas não tem o direito de fazer nada contra os comunistas, mesmo quando eles estão armados e dispostos a tudo. Ser anticomunista é um defeito pessoal que pode ser tolerado na vida privada: na vida pública, sobretudo se passa das opiniões aos atos, é um crime. Não que todos os nossos profissionais de imprensa sejam comunistas: mas raramente se encontra um deles que não odeie o anticomunismo como se ele próprio fosse comunista. Essa afinidade negativa faz com que, no jornalismo brasileiro, a única forma de tolerância admitida seja aquela que Herbert Marcuse denominava “tolerância liberdadora”, isto é: toda a tolerância para com a esquerda, nenhuma para com a direita.

Mais adiante, ressurgiu na entrevista o episódio do tribunal revolucionário que condenara Anselmo à morte. Avisado por um policial que se tornara seu amigo, Anselmo fugira em tempo, enquanto os executores da sentença, ao chegar à sua casa para matá-lo, eram surpreendidos pela polícia e mortos em tiroteio. De um lado, os entrevistadores, ao abordar o assunto, tomavam como premissa indiscutível a crença de que Anselmo fora responsável por essas mortes, o que é materialmente absurdo, já que troca o receptor pelo emissor da informação. De outro lado, todos se mostraram indignados – contra Anselmo – de que no confronto com a polícia morresse, entre outros membros do tribunal revolucionário, a namorada do próprio Anselmo. Em contraste, nenhum deu o menor sinal de enxergar algo de mau em que a moça tramasse com seus companheiros a morte do namorado. Entendem como funciona a “tolerância libertadora”?

A quase inocência com que premissas esquerdistas não-declaradas modelam a interpretação dos fatos na nossa mídia mostra que, independentemente das crenças conscientes de cada qual, praticamente todos ali são escravos mentais da auto-idolatria comunista.

Ao longo de toda a conversa, os jornalistas se mantiveram inflexivelmente fiéis à lenda de que os guerrilheiros dos anos 70 eram jovens idealistas em luta contra uma ditadura militar, como se não estivessem entrevistando, precisamente, a testemunha direta de que a guerrilha fôra, na verdade, parte de um gigantesco e bilionário esquema de revolução comunista continental e mundial, orientado e subsidiado pelas ditaduras mais sangrentas e genocidas de todos os tempos.

Anselmo colaborou com a polícia sob ameaça de morte, é certo, mas persuadido a isso, também, pela sua própria consciência moral: tendo visto a verdade de perto, perdeu todas as ilusões sobre o idealismo e a bondade das organizações revolucionárias – aquelas mesmas ilusões que seus entrevistadores insistiam em repassar ao público como verdades inquestionáveis – e optou pelo mal menor: quem, em sã consciência, pode negar que a ditadura militar brasileira, com todo o seu cortejo de violências e arbitrariedades, foi infinitamente preferível ao governo de tipo cubano ou soviético que os Lamarcas e Marighelas tentavam implantar no Brasil? Ao longo de seus vinte anos de governo militar, o Brasil teve dois mil prisioneiros políticos, o último deles libertado em 1988, enquanto Cuba, com uma população muito menor, teve cem mil, muitos deles na cadeia até hoje, sem acusação formal nem julgamento.

A ditadura brasileira matou trezentos terroristas*, a cubana matou dezenas de milhares de civis desarmados. Evitar comparações, isolar a violência militar brasileira do contexto internacional para assim realçar artificialmente a impressão de horror que ela causa e poder apresentar colaboradores do genocídio comunista como inofensivos heróis da democracia, tal é a regra máxima, a cláusula pétrea do jornalismo brasileiro ao falar das décadas de 60-70. Boris Casoy, Fernando Mitre e Antonio Teles seguiram a norma à risca. Desta vez, porém, o artificialismo da operação se desfez em pó ao chocar-se contra a resistência inabalável de uma testemunha sincera.

Conhecendo as muitas complexidades e nuances da sua escolha, Anselmo revelou, no programa, a consciência moral madura de um homem que, escorraçado da sociedade, preferiu dedicar-se à meditação séria do seu passado e da História em vez de comprazer-se na autovitimização teatral, interesseira e calhorda, que hoje rende bilhões aos ex-terroristas enquanto suas vítimas não recebem nem um pedido de desculpas.

Moral e intelectualmente, ele se mostrou muito superior a seus entrevistadores, cuja visão da história das últimas décadas se resume ao conjunto de estereótipos pueris infindavelmente repetidos pela mídia e consumidos por ela própria. O fato de que até Boris Casoy, não sendo de maneira alguma um homem de esquerda, pareça ter-se deixado persuadir por esses estereótipos, ilustra até que ponto a pressão moral do meio tornou impossível a liberdade de pensamento no ambiente jornalístico brasileiro.

* extraído do livro "DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE" de 2007, da SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA "REPÚBLICA" DO LULA.

"...A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) – instituída pela Lei nº 9.140/95, de dezembro de 1995 – vem cumprindo importante papel na busca de solução para os casos de desaparecimentos e mortes de opositores políticos por autoridades do Estado durante o período 1961-1988.

Desempenha esse trabalho com rigor e equilíbrio há mais de 11 anos, contribuindo para a consolidação da vida democrática brasileira. Enfrentou as dificuldades que são inerentes a tão delicada tarefa, mas conseguiu concluir o exame de quase todos os casos apresentados, garantindo reparação indenizatória aos familiares das vítimas e, sobretudo, oficializando o resgate de um período fundamental que já pertence à história do Brasil.

A Comissão encerrou, no final de 2006, uma longa primeira etapa de suas atividades. Concluída a fase de análise, investigação e julgamento dos processos relativos aos 339 casos de mortos e desaparecidos apresentados para sua soberana decisão, que se somam a outros 136 nomes já reconhecidos no próprio Anexo da Lei nº 9.140/95, vem se concentrando, agora, em dois outros procedimentos...".


© 2007 (Ano da 1ª edição)
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e não seja para venda ou qualquer fim comercial.

Série Bibliográfica

Tiragem: 5.000 exemplares

Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
Paulo de Tarso Vannuchi

Elaboração, distribuição e informações:
COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS
Esplanada dos Ministérios - Bloco T - Sala 420
70064-900 - Brasília - DF
Fone: (61) 3429 3142 / 3454 Fax (61) 3223 2260
Impresso no Brasil/Printed in Brazil
Catalogação na publicação
Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos / Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007

400p. : il. (algumas color.) ; 23 x 30 cm

ISBN 978-85-60877-00-3

1. Brasil – História I. Título. II. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - Relatório.

Um comentário:

Cachorro Louco disse...

Cavaleiro : Considero que a missão da imprensa é informar sem deformar e sem persuadir,mas penso que a maioria dos profissionais no Brasil são imbecis dotados de uma visão deturpada de realidade ,e fundamentalmente pessoas com um caráter dividido entre ser informador e formador de opiniões.
Quererm "estar na moda " intelectualmente falando,e apoiam coisas como o comunismo para serem diferentes ,mas sem embasamento .

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".