Em comunidades ribeirinhas traficantes andam armados como se fossem a polícia e crianças estão sendo viciadas para se associar ao tráfico.
Na região acreana do Vale do Juruá localizada no meio da floresta amazônica está à fronteira entre Brasil e Peru. A região é considerada uma das principais rotas de tráfico de drogas do Brasil, formada pelos municípios de Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Cruzeiro do Sul. Esta, a segunda maior cidade do Acre. Os vários rios que cortam a área de 74.965,417 km² são utilizados para o escoamento de produtos entorpecentes, quase sempre a pasta-base de cocaína.
Os rios Juruá Mirim e Paraná dos Mouras, afluentes do Rio Juruá são os mais utilizados pelos traficantes. O Juruá Mirim que deságua no Juruá próximo ao município de Porto Walter é o mais usado para o transporte de cocaína. Em virtude disso nem todo mundo se arrisca a navegar pelas águas barrentas em meio à densa floresta.
A Comunidade Tamburiaco localizada próxima à cabeceira do rio, já na fronteira, é a mais temida. Segundo informações de moradores de comunidades ao longo do rio, no Tamburiaco e em outras comunidades próximas a divisa entre os dois países, brasileiros e peruanos transitam durante o dia fortemente armados, preparados para negociar droga. Os armamentos utilizados são fuzis, pistolas, metralhadoras e até granadas. Um morador que não quer ter o nome citado, disse que um dia passava com uma arma de caça e encontrou um peruano portando uma pistola, ele cumprimentou o estrangeiro que o seguiu por cerca de 15 minutos, mas não foi incomodado.
A passagem de estranhos pelo Rio Juruá Mirim é comum, os moradores supõem que sejam traficantes. Temerosos, os ribeirinhos tratam bem esses desconhecidos. "Não mexemos com eles, passam e ninguém intervém, até porque se incomodar é perigoso", diz um morador antigo que também pediu pra ter a identidade preservada.
Um outro ribeirinho revelou uma tragédia que está acontecendo nas comunidades invadidas pelos traficantes. Eles estão incentivando os menores a usarem drogas, desde cedo, conforme o morador: "As famílias estão sendo atingidas, crianças usando droga, jovens passam de três dias na mata fumando. Alguns pais vão sair de lá porque estão nervosos e não querem ver os filhos viciados", explica.
O perigo para quem se arrisca
Um homem morador em Cruzeiro do Sul identificado apenas por Marcos saiu há seis meses para o Rio Juruá Mirim e até hoje não voltou. Na cidade surgiram comentários de que ele teria ido à fronteira negociar drogas junto com dois amigos, apenas um deles teria retornado. A mulher dele não sabe com quem Marcos saiu, mas ele a informou que iria trabalhar na construção de canoas no Rio Juruá Mirim. A dona de casa pediu para não ter o nome divulgado, ficou sozinha com três filhos, um menino e uma menina que são do desaparecido. "Fiquei sem nada, agora tenho que trabalhar na agricultura para criar as crianças, fica muito difícil", ressalta a mulher.
Alguns desaparecimentos já foram notados de pessoas que sobem o Rio Juruá Mirim num caminho sem volta, mas os fatos geralmente não são levados ao conhecimento das autoridades. As famílias ficam amedrontadas e não costumam falar, por isso, não há dados concretos sobre tais fatos.
Como a droga é distribuída
Os traficantes vão comprar a droga na fronteira. Se não tiverem informações sobre barreiras da Polícia Federal ou do Exército, descem o rio em suas embarcações até Cruzeiro do Sul. Os que não se arriscam utilizam mulas (pessoas que transportam a droga).
Com algumas apreensões realizadas durante esse ano, os traficantes estão utilizando trilhas pela floresta até chegar ao Rio Paraná dos Mouras, que fica próximo de vários ramais dos municípios de Mâncio Lima e Rodrigues Alves.
Antes, o Rio Môa também era uma das principais rotas do tráfico, mas com a instalação de um Pelotão do Exército, os traficantes desviam antes da base militar para o Rio Paraná dos Mouras através de trilhas que ligam os rios.
Moradores são convidados a traficar
Um aposentado que mora em uma comunidade do Rio Juruá Mirim, afirma que foi convidado a guardar pasta-base de cocaína em casa, mas não aceitou. A proposta partiu de um funcionário público. "Eu recomendei que procurasse outro, porque comigo não ia conseguir", disse.
Um agricultor que também mora no Rio Juruá Mirim não teve o mesmo pensamento. Ele recebeu uma proposta de dois peruanos para transportar em seu pequeno barco, 8 quilos de pasta-base de cocaína para vender em Cruzeiro do Sul, em troca ganharia R$ 4 mil. No caminho foi abordado pela polícia e passou dois anos e dez meses no presídio. "A gente do seringal quando vê o dinheiro cai mesmo, mas deu tudo errado. Agora estou trabalhando ao lado da minha família pra descontar o tempo perdido. Eu aconselho quem tem essas idéias a trabalhar, a cadeia não é coisa boa", comenta o morador.
Em Mâncio Lima vários ramais interligados permitem o acesso ao Rio Paraná dos Mouras. Um jovem morador do Ramal Bahia, disse que pessoas entranhas quase sempre armadas costumam passar pelas casas e deixam veículos durante dias escondidos no mato. "Alguns que passam a pé com cargas, às vezes pedem aos moradores que têm moto para fazer a viagem pra eles, eu não me arrisco", garante.
Repressão
O 61° Batalhão de Infantaria de Selva localizado em Cruzeiro do Sul tem a missão de vigiar a fronteira, mas também combate o tráfico de drogas que é alarmante na região. O tenente coronel Alexandre Jansen comandante da unidade militar, entende que seriam necessárias instalações de outros postos militares em pontos estratégicos para um combate mais eficaz. Ele cita os exemplos dos pelotões instalados no Rio Môa e no município de Marechal Thaumaturgo que dificultam a passagem dos traficantes. "Eu propus ao comando do Exército a instalação de um novo pelotão em Porto Walter que é um meio caminho entre Juruá Mirim e Paraná dos Moras, para melhorar o patrulhamento nesses rios, impedindo que a droga chegue ao Juruá onde já fica difícil o controle, porque daí existem uma infinidade de saídas", comenta.
Para o tenente-coronel, o problema é complexo. De acordo com ele, nas cabeceiras do rio Juruá Mirim os brasileiros utilizam trilhas para fazer compras no município peruano de Cantagalo. "Eles compram alimentos que tem um preço mais em conta e é mais fácil do que vir a Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima. Então, se há essa facilidade de trânsito que eles têm pra comprar comida, também tem pra voltar com droga", explica Alexandre Jansen.
O tenente-coronel entende que viciar as crianças é uma tática normal, "primeiro trabalhar pra eles em troca de um punhado de droga, ou então, ser um consumidor deles do futuro", diz.
O delegado Marcel Antônio Neme chefe da Delegacia da Polícia Federal em Cruzeiro do Sul reconhece que a passagem de droga pela região é grande. "Uma pequena parte fica para o consumo local, o restante é enviado para Manuas e Rio Branco de onde seguem para o Sudeste e Nordeste para a exportação", explica.
Apreensões feitas pela Polícia Federal mostram que grande parte da droga que sai de Cruzeiro do Sul é pelo Rio Juruá dentro de balsas carregadas de farinha. Mas, como houve apreensões, o delegado acredita que hoje esse não seja mais o principal disfarce para o despache da pasta-base de cocaína.
Segundo o delegado, com os investimentos dos Estados Unidos para combater o tráfico de drogas na Colômbia o refino da cocaína passou a ser realizado no Peru o que torna o tráfico ainda mais intenso na fronteira com o Brasil. Uma das preocupações da Polícia Federal é com carregamentos de cimentos e produtos químicos enviados ao auto Juruá, que podem chegar ao Peru para o refino da droga. "Mas a fiscalização também é intensa nesse sentido, os produtos químicos controlados só podem ser comercializados com autorização da Polícia Federal", diz.
Marcel Antônio Neme disse que o efetivo da Polícia Federal está sendo reforçado e embarcações estão sendo adquiridas para tornar o combate ao tráfico mais eficaz e cita a importância da ajuda das comunidades com informações para o trabalho da polícia.
www.tribunadojurua.com - Genival Moura
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