QUINTA-FEIRA, 13 DE AGOSTO DE 2009
Morreu a 20 de julho passado, aos 81 anos, em Oxford, Inglaterra, o filósofo polonês Leszek Kolakowski, que combateu o marxismo e inspirou, do exílio, o movimento Solidariedade em sua terra natal. No site da preciosa Dicta & Contradicta encontrei um texto de Kolakowski em inglês, que tomei a liberdade de traduzir.
Sua obra principal é o livro "Principais correntes do marxismo: sua ascensão, queda e dissolução", publicada em 1970, que já apontava que a doutrina de Marx era "a maior farsa de nosso século", enquanto nós, no Brasil, embarcávamos com tudo nessa canoa furada. A destacar: para o filósofo, o stalinismo não era uma perversão do marxismo, mas a sua conclusão lógica.
Dominada pelo ópio dos intelectuais, a "intelequitualidade" brasileira teria muito a aprender com as lições de Kolakowski, para quem o papel da filosofia "é nunca deixar dormir a energia investigativa da mente, nunca parar de questionar o que parece ser óbvio e definitivo, sempre resistir aos recursos aparentemente invioláveis do senso comum" e "nunca esquecer que existem questões subjacentes para além dos horizontes estabelecidos da ciência, cuja importância é crucial para a sobrevivência da humanidade tal qual a conhecemos".
Com vocês Leszek Kolakowski:
Teoria geral da antijardinagem: imensa contribuição a Antropologia social, Ontologia, Filosofia Moral, Psicologia, Sociologia, Ciência Política e muitos outros campos da pesquisa científica
Os que odeiam a jardinagem precisam de uma teoria. A antijardinagem sem uma teoria é um modo de vida superficial e sem mérito.
Uma teoria só precisa ser convincente e científica. Mas, para muitos, muitas teorias são convincentes e científicas. Portanto, precisamos de várias teorias.
A alternativa à antijardinagem sem uma teoria é cultivar um jardim. No entanto, é mais fácil ter uma teoria do que cultivar um jardim.
Teoria marxista
O capital tenta corromper as mentes das massas incultas e envenená-las com “valores” reacionários. Quer “convencer” os trabalhadores de que a jardinagem é um grande “prazer” para mantê-los ocupados em seu tempo ocioso, evitando que façam a revolução proletária. Além disso, o capital quer incutir-lhes a crença de que, com seu miserável jardim, eles são verdadeiros “proprietários” e não servos, de modo a cooptá-los para o lado dos patrões na luta de classes. Portanto, cultivar um jardim é participar da grande conspiração neoliberal que aponta para a rendição incondicional das massas. Abaixo os jardins! C.Q.D.
Teoria psicanalítica
A paixão pela jardinagem é uma qualidade tipicamente inglesa. É fácil perceber a razão disso. Foi na Inglaterra que a Revolução Industrial ocorreu inicialmente. A Revolução destruiu o meio ambiente. A natureza é o símbolo da Mãe. Matando a natureza, o povo inglês cometeu o matricídio. Os ingleses são subconscientemente assombrados pelo sentimento de culpa e tentam expiar seu crime cultivando e embelezando seus jardins domésticos e pseudo-naturais. Jardinagem é a participação numa gigantesca autofrustração que perpetua o mito infantil. Não entre nessa. C.Q.D.
Teoria existencialista
As pessoas cultivam jardins para tornar humana a natureza, para “civilizá-la”. Isso, no entanto, é uma tentativa desesperada e fútil de transformar o ser-em-si no ser-para-si. Isso não só é ontologicamente impossível; é também uma forma abjeta, moralmente inadmissível de escapar da realidade, tanto quanto a diferença entre o ser-em-si e o ser-para-si jamais pode ser abolida. Cultivar um jardim, ou imaginar que se pode “humanizar” a natureza, é tentar esvaziar essa diferença e negar desesperadamente seus status ontológico intrinsecamente inumano. Cultivar um jardim é pura má-fé. Cultivar um jardim é um equívoco. C.Q.D.
Teoria estruturalista
Nas sociedades primitivas, a vida se dividia no binômio antitético trabalho/lazer, que corresponde à diferença campo/casa. As pessoas trabalhavam no campo e descansavam em casa. Nas sociedades modernas, o eixo de oposição foi invertido: as pessoas trabalham em casas (fábricas, escritórios) e descansam a céu aberto (jardins, parques, florestas, rios, etc.). A distinção é crucial como suporte do modelo conceitual com o qual as pessoas estruturam sua vida. Jardinagem é confundir a distinção entre casa e campo, entre lazer e trabalho; é esvaziar ou até destruir a estrutura oposicional que é a condição mesma do pensamento. Jardinagem é um mal-entendido. C.Q.D.
Filosofia analítica
Apesar dos muitos esforços, não se chegou a nenhuma definição satisfatória de jardim e jardinagem; todas as definições existentes apresentam uma vasta margem de incerteza sobre o que pertence ao quê. Simplesmente não sabemos o que são o jardim e a jardinagem. Assim, usar esses conceitos é uma irresponsabilidade intelectual e, de fato, a jardinagem poderia ser muito mais do que isso. É melhor não cultivar jardins! C.Q.D.
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