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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O DOUTOR FAUSTO DE TOMAS MANN III

NIVALDO CORDEIRO
31/10/2011

TEOLOGIA. Thomas Mann, a partir do capítulo X, vai descrever a formação universitária de Adrian Leverkhün, oportunidade em que aproveita para descrever o ambiente universitário anterior às Grandes Guerras na Alemanha, que foi o próprio ambiente vivido por ele. O personagem, apesar de ter abraçado a Música como vocação, escolhe estudar Teologia. Faz sentido do ponto de vista do interesse de quem se opõe às coisas de Deus e também para compreender a ação do Negador. Thomas Mann aproveita esse trecho para meditar sobre o bem e o mal, tema tão importante e tão caro aos seguidores do esteticismo.

No capítulo X podemos ler a fala posta na boca de Adrian: “Os alemães pensam em duas direções e fazem combinações ilícitas. Sempre querem uma coisa e outra, querem ter tudo. São capazes de produzir temerariamente antitéticos princípios do pensamento e da existência, através de grandes personalidades, mas, sem seguida, embaralham-nos, empregando as fórmulas de uns no sentido dos outros, criando uma confusão total e pensando que seja possível conciliar a liberdade e a nobreza, o idealismo e a infantilidade natural. Mas, segundo todas as possibilidades, isso não é possível.”

Essa locução enigmática precisa ser compreendida dentro do conjunto da obra de Thomas Mann e especialmente na visão relatada no José e Seus Irmãos. Neste romance Thomas Mann ainda abraçava a visão dualista, fazendo uma leitura “esotérica” dos textos bíblicos. Especialmente no momento da bênção da Jacó podemos ver o dualismo goethiano: bênção em nome do mais alto e do mais profundo. O Doutor Fausto será a superação desse dualismo em Thomas Mann e esta locução serve para mostrar a consciência do autor sobre o tema. Ele superou a armadilha espiritual proposta por Goethe, mas o povo alemão não, fato que o levou ao descaminho niilista. E Thomas Mann é enfático em atribuir a toda a gente alemã a responsabilidade pela catástrofe da II Guerra Mundial e aos muitos crimes praticados pelo nazismo.

Importante salientar a escolha da Universidade de Halle para o curso de Teologia. Berço do luteranismo e da teologia liberal, aqui serão introduzidos dois personagens fascinantes, na pele de dois professores. Thomas Mann recorda aqui o ano de 1541, que deu a Halle o primeiro superintendente luterano e diz, pelo narrador, que o primeiro superintendente tinha sido “um daqueles que tinham se bandeado das hostes humanistas às da Reforma”, magoando Erasmo de Rotterdam. Este “entristecia-se ainda mais em face do ódio que Lutero e seus seguidores mostravam com relação às letras clássicas, das quais o próprio Lutero só conhecia os rudimentos”. Thomas Mann afirma que a escola abraçou o pietismo, “que tomava conta de toda faculdade de Teologia”. Acrescenta que “os reformadores talvez devam ser reputados indivíduos retrógrados e emissários da desdita”. Preciso lembrar que a tese mais cara ao pietismo é a da predestinação, que subverte a exigência do comportamento moral.

Thomas Mann ainda acrescentou: “O pietismo, de acordo com a sua índole exaltada, queria na realidade obter uma separação nítida entre a piedade e a ciência, afirmando que nenhum movimento, nenhuma alteração nos domínios científicos podia exercer a menor influência sobre a fé. Mas isso era uma ilusão, já que em todos os tempos a teologia, voluntária ou involuntariamente, se deixou dominar pelas correntes científicas do respectivo período; sempre desejou ser filha de sua época, ainda que os tempos lhe dificultassem isso cada vez mais e a relegassem a um cantinho anacronístico”.

Concluiu: “Pode-se observar claramente como se infiltraram no pensar teológico irracionais correntes da Filosofia, em cujos domínios havia muito o não teórico, o vital, a vontade ou o instinto, numa palavra outra vez o demonismo, tinham-se tornado tema central da Teologia... Pois a teologia ligada ao espírito da filosofia da vida, do irracionalismo, corre por índole o perigo de transformar-se em demonologia”.

SCHLEPFUSS. Thomas Mann contrapõe as aulas de teologia de dois professores. O primeiro citado é Ehrenfried Kumpf, teólogo liberal que se gabava se saber de cor as obras de Goethe e Schiller. Essa simples afirmação já mostra o quadro ideológico e teórico da escola. É todo o panteísmo goethiano que forma a juventude alemã e lhe destila o esteticismo carregado de pietismo, dando ao mal o sentido de motor da história, levado às últimas conseqüências por Hegel e Marx. O narrador vai mostrar que Kumpf “via como Pai da Mentira o Espírito Maligno (que) exercia sua atividade justamente na razão, e raras vezes tratava disso, sem acrescentar a frase: Si Diabolus non esset medaz et homicida! (Se o diabo não fosse mentiroso e assassino...)”. Kumpf reconhecia o mal como uma realidade imediata, o que se depreende da obra de Goethe, especialmente do seu Mefistófeles, que não é uma mera criação literária, mais parecendo uma experiência do autor.

Nesse ponto entra o personagem Eberhard Schleppfuss, uma espetacular criação literária de Thomas Mann. O próprio nome revela que é Mefistófeles transformado em professor, o Coxo. Dava um curso livre eletivo de “Psicologia das Religiões”, que na verdade era um curso sobre a presença do mal. Toda a concepção demoníaca do mundo originada em Goethe ganha contornos teológicos na boca de Schlepfuss. É um duplo teológico do professor de música anteriormente descrito. Vemos pois que o próprio Mefistófeles é o pedagogo de Adrian Leverkhün. O narrador: “A ingênua convivência que o professor Kumpf tinha com o Diabo era simples brincadeira em comparação com a realidade psicológica que Schelepfuss conferia à figura do Destruidor, personificação da traição a Deus. Pois, se me permitem expressar dessa forma, acolhia ele dialeticamente na esfera divina o escândalo do pecado e o inferno no empíreo, elevando a perversidade à categoria de necessária e congênita correlação de santidade, a qual, por sua vez, seria uma contínua tentação satânica, convite quase irresistível à violação”.

À altura da página 142 é quando Thomas Mann abre parêntese pela primeira vez no Doutor Fausto para falar da II Guerra, então em curso. Esse intercurso entre a ficção e os fatos históricos é a peculiaridade do romance que não permite interpretação alternativa do tema tratado. Alemanha, teologia reformada, demonismo, esteticismo, niilismo, guerra, a proibição de amar ao próximo. Tudo se conecta maravilhosamente neste “livro do Diabo”, formando um quadro definitivo que mostra como o Ovo da Serpente foi gestado. Imagino quanto deverá ter custado a Thomas Mann, ele que, ao longo da produção do livro, adoeceu seriamente e, por muito pouco, não morreu, passando por uma cirurgia de pulmão. Depois da grave doença é que logrou concluir o livro.

A teologia de Schlepfuss não difere essencialmente daquilo que escreveram Goethe, Hegel e Marx sobre o princípio da Negação: “O Mal contribuía à perfeição do Universo e, sem aquele, este não seria perfeito. Por esse motivo, Deus o admite, já que Ele mesmo é perfeito e, portanto, deve querer a perfeição – não no sentido do Bem absoluto e sim no da universalidade e do recíproco reforço da intensidade da existência. O Mal era muito mais malvado, porque havia o Bem, o Bem muito mais belo, porque o Mal existia. Ora, talvez – isso seria discutível – o Mal não fosse mau, se não houvesse o Bem, e este não seria bom, sem a presença do Mal. Agostinho, pelo menos, ousara afirmar que a função do Mal consistia em salientar mais nitidamente o Bem, o qual seria muito mais aprazível e louvável, quando o comparássemos com o Mal. É bem verdade que nesse ponto o tomismo interveio, advertindo do perigo de crer que Deus desejasse que o Mal acontecesse”.

Percebe-se que nesses capítulos Thomas Mann registrou sua longa meditação sobre o Mal que vira emergir na Alemanha e devastar a Europa e o mundo, praticando os crimes mais cruéis. Muita coragem espiritual do Thomas Mann, que na prática desqualificou o seu autor mais querido, Goethe, juntamente com Nietzsche. “A verdadeira justificação de Deus em face do mísero espetáculo da criação consistia em sua faculdade de fazer o Bem brotar do Mal”. Essa heresia posta na boca de Schlepfuss era negada de forma dolorosa pelo espetáculo da guerra que agora se desenrolava em solo alemão. Do Mal só podia brotar o Mal, é isso que Thomas Mann pregou nesse livro magistral, deixando-se comover pelo holocausto que ceifava os judeus – e a própria Alemanha como nação.

(Continua)

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".