por João Luiz Mauad em 23 de setembro de 2009
C
omo bem sabem os meus dezessete leitores, tenho grande admiração pelo trabalho de Frédèric Bastiat, intelectual e político francês que viveu na primeira metade do Século IXX. Seus insights econômicos são fabulosos, sempre escritos de forma simples e didática, voltada aos leigos. Sua parábola da “vidraça quebrada” é tão educativa que deveria ser leitura obrigatória na primeira aula de qualquer curso de introdução à economia. Há nela inúmeras lições econômicas que, infelizmente, malgrado um tanto óbvias, costumam ser desprezadas ou esquecidas por economistas e políticos.
Bastiat nos mostra, por exemplo, que destruição não é lucro. Também ensina que não podemos nunca esquecer os custos de oportunidade, ou custos de escolha. A principal lição, entretanto, diz respeito ao que os modernos economistas chamam de “Lei das consequências não intencionais”. Nas palavras do próprio mestre, esta lei nos diz que "na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei, não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los... Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever."
Se Bastiat fosse leitura obrigatória em todas as faculdades de economia, talvez se evitasse que alguns economistas, muitas vezes de prestígio, saíssem por aí dizendo bobagens e propondo leis e políticas estúpidas. (Na época do Furação Katrina, que devastou a cidade de Nova Orleans, por exemplo, cheguei a ouvir economista “graúdo” dizer que toda aquela destruição tinha o seu lado bom, já que a reconstrução da cidade incentivaria a economia local. Um raciocínio tão estranho e imbecil que, tomado a sério, nos levaria a pedir a Deus que enviasse um furação ou terremoto por mês, para que nos tornássemos mais prósperos).
Mas vamos ao que interessa. Recentemente, o governo norte-americano lançou um programa que, aparentemente, foi um grande triunfo. Com o pomposo nome de CARS – Car Allowance Rebate System -, mas conhecido mesmo como “Cash for Clunkers” ou simplesmente “C4C”, o programa, que o Presidente Obama considerou “um sucesso além da imaginação”, estabeleceu que o governo pagasse um incentivo entre US$ 3,550 e 4,500 a todos os proprietários de carros antigos que os trocassem por automóveis novos. De acordo com a lei, todos os carros trocados deveriam ser inutilizados através da infusão de um produto químico nos motores.
Em pouco menos de um mês, três bilhões de dólares dos pagadores de impostos foram transferidos para os bolsos dos felizes proprietários de automóveis velhos, enquanto a indústria automobilística vendeu cerca de 700.000 veículos novos e criou, ou manteve, cerca de 42.000 empregos diretos e indiretos. Concebido com o intuito de incentivar a combalida economia americana, mas também focado nas causas ambientalistas, já que os antigos modelos beberrões e emissores de quantidades maiores de CO2 seriam trocados por veículos modernos, mais econômicos e menos poluentes, o programa, em princípio, parece realmente ter sido um fulgurante sucesso. Seus idealizadores acreditam que, por decreto, conseguiram a proeza de acelerar o tal processo natural e paulatino do capitalismo, apelidado por Schumpeter de “destruição criadora”.
Se Bastiat fosse vivo, provavelmente diria que estes são os efeitos “que se vêem”. Porém, há também alguns efeitos que “não se vêem”. E esses últimos, que os economistas chamam de “consequências não intencionais”, nos levam a acreditar que, no fim das contas, o “C4C” produzirá uma penca de resultados negativos, em longo prazo, que irão superar, em muito, os benefícios imediatos.
Para começar, Bastiat teria nos lembrado de que todos os veículos inutilizados tinham valor, e faziam parte da riqueza da sociedade. Além disso, ele provavelmente lembraria que todo dinheiro que o governo dispõe provém da própria sociedade, seja pela cobrança de impostos, seja pela venda de títulos da dívida. Logo, se esse dinheiro não tivesse sido tirado de seus donos originais, ele teria sido gasto de outras maneiras, talvez mais eficientes.
Bastiat também nos falaria dos personagens ocultos da história. Lembraria que, além dos proprietários de carros velhos, dos empregados e acionistas das montadoras, dos donos e funcionários das distribuidoras e dos ferros-velhos, ainda há outros (terceiros) interessados (os sapateiros da história da janela quebrada), os quais provavelmente sairão muito prejudicados. Eis aqui alguns personagens ocultos que não devem estar nem um pouco satisfeitos:
1. Proprietários e empregados de oficinas mecânicas. Este é um nicho de mercado dos mais importantes dos Estados Unidos. Como a frota de veículos é enorme e a vida útil dos mesmos também, não apenas pela qualidade dos carros, mas também porque se trata do principal meio de transporte do país, utilizado até pela população mais pobre, existe uma infinidade de oficinas mecânicas espalhadas pelo território americano. Como os donos de carros mais velhos são seus principais clientes, parece óbvio que a inutilização de tantos veículos fará despencar a receita desses estabelecimentos;
2. Famílias pobres e consumidores jovens. Os carros velhos, vendidos muitas vezes a preço de banana, são o sonho de consumo dos mais pobres e dos jovens debutantes do mercado de trabalho. Com a destruição de tantos carros antigos, parece evidente que os preços desses veículos ficarão bem mais salgados, tornando muito mais difícil a sua aquisição pelos menos abastados. (Como diz o ditado: corda sempre rompe do lado mais fraco);
3. Instituições de Caridade. É muito comum na sociedade americana a doação de coisas velhas para instituições de caridade. Não estamos falando só de roupas, móveis, eletrodomésticos, mas também de carros. Sim, caro leitor, é corriqueira por lá a doação desses carros velhos às obras de caridade, que costumam vendê-los em rifas, bingos beneficentes, etc.
4. Pagadores de impostos e todos os demais setores da economia, não beneficiados direta ou indiretamente pelo programa. Como sabemos, o jogo do governo é sempre um jogo de soma zero. Todo o dinheiro de que dispõe foi retirado dos contribuintes pela força. Como bem lembrou Sheldom Richman, “o governo precisa quebrar vidraças antes de distribuir benefícios. Os políticos simplesmente movem os recursos escassos de um lado para o outro, desprezando as escolhas dos consumidores, cujo dinheiro que lhes foi tomado certamente serviria para que adquirissem alguma coisa no mercado”. Quantos empregos, em setores distantes do de automóveis, não foram destruídos junto com as sucatas produzidas pelo C4C?
Finalmente, há ainda o quesito ambiental. Malgrado toda empolgação de Obama e dos “verdes”, há estudos científicos sérios demonstrando que os benefícios ambientais estariam muito abaixo daqueles alardeados pelo governo e pelas ONGs ambientalistas. Além disso, haveria maneiras bem mais baratas e eficientes de conseguir os mesmos resultados.
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