sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Postos de gasolina também possuíam os símbolos da festa. Uma imagem da Santa ou então uma mensagem era cena dominante nos recintos. Até mesmo uma pequena oficina em plena Augusto Montenegro saudava a Virgem. Do homem mais rico ao mais pobre, do dignitário ao homem comum, do governador ao eleitor, do assalariado, empresário ou funcionário público, sem contar o homem do interior, o pescador, o ribeirinho, o navegador da romaria fluvial, a popularidade da Virgem ganha uma unanimidade impressionante.
Eu mesmo cheguei a presenciar evangélicos e judeus participando do Círio de Nazaré. A festividade adquire contornos que transcendem ao próprio catolicismo. Virou algo orgânico, parte da cultura da cidade e do estado e absorve até os não-católicos. Há, é claro, uma minoria ranzinza de evangélicos, que esbravejam o “paganismo” da comemoração. No entanto, estes ficam a ver navios, de preferência, enfeitados com a imagem da Virgem.
Não menos impressionante é a procissão. Da Basílica de Nazaré até a Igreja da Sé, vemos um verdadeiro mar de gente, que se mexe como ondas. Eu tenho poucas dúvidas em afirmar que o Círio de Nazaré é a maior festa católica do Brasil. Na última noticia que li, o Círio movimentou nada menos do que dois milhões de pessoas. Quando eu fui à noite da trasladação, eu mesmo tive dificuldade de ver a Santa passar, enterrado que estava neste mar de gente. Ademais, o Círio lembra um Auto de Fé. Há pessoas que pagam “promessas”, penitências, como também milhares de pessoas seguram a corda do círio, num suplício digno do espírito medieval. E são pessoas jovens. Alguns conseguiram uma casa, tiveram uma graça alcançada por conta da saúde do pai, do filho, do irmão, da mulher ou de algum outro parente, ou então passaram no vestibular, raspando sua cabeça e recordando da sua vitória, ao ingressar na faculdade. Vi mulheres segurando ex-votos de cabeças, pernas, braços, casas ou então levando seus filhos vestidos de anjos, com asinhas de algodão. Ou então pessoas que entravam na Igreja, ajoelhadas, até o púlpito.
A procissão é genuinamente pacífica. Não vi nenhum incidente de violência ou agressão. No máximo o desconforto do “empurra-empurra” das multidões ou então os desmaios, por conta do calor e dos esforços sobre-humanos dos penitentes. E quando a berlinda da Virgem passa, o povo parece entrar numa catarse tremenda. Milhares levantam as mãos e oram. Muita gente chora. E entre as sacadas dos edifícios, as pessoas soltam fogos e balões quando a procissão passa, além de papéis picados e confetes. Enfim, é uma festa linda, que representa o fervor católico profundo do povo paraense.
Penso, cá com meus botões, sobre a mania tola de alguns promotores públicos, procuradores e militantes ateus, de se revoltarem contra os crucifixos e símbolos religiosos, em nome do chamado “Estado laico”. Recentemente fui a várias repartições do judiciário para resolver alguns problemas jurídicos e a cruz estava lá, imponente, gloriosa, dominando o recinto. Aliás, encontrei até uma capela, com direito a Virgem Maria dentro. Contudo, o “Estado laico” virou um objeto de culto, na cabeça de seus apologetas. É uma espécie de Estado sem espírito, sem tradição, sem cultura, preso a uma abstração legal criada por gente que, no fundo, possui uma confissão. Só que é uma confissão materialista da sociedade e da política.
O que seria da Prefeitura de Belém ou do Estado do Pará se ignorasse o Círio de Nazaré e a manifestação de milhões de pessoas nas ruas e nas casas, em nome do Estado laico? Os funcionários públicos, que demonstraram sua fé numa bela tradição, deveriam ser proibidos de colocar faixas ou imagens nas repartições públicas, por conta dessa laicidade? A guerra contra as cruzes também seria a guerra contra a Santa “Nazica”? Percebe-se aí o irrealismo e até o fanatismo implícito na guerra contra a religião.
O mais grotesco no ateísmo militante e no secularismo é a sua feiúra espiritual e estética. Quando a cruz é tirada de cima da parede dos tribunais e deixa um completo vazio, mal se percebe a quebra do simbolismo incutido aí. É a quebra simbólica do poder espiritual da religião cristã na vida política. Por mais que o Estado republicano seja declarado “laico”, ele não é isento das influências religiosas que desenvolveram sua cultura política, ética, moral e jurídica. Muitos apelam afirmando que a cruz significa um “privilégio” indevido do catolicismo sobre outras religiões.
No entanto, é querer negar a realidade elementar, ao desconsiderar que o catolicismo não é apenas mais uma religião, e sim o elemento civilizador e organizador dos valores e da cultura religiosa do país. Isso o distingue dentre outras religiões. Quando os secularistas apelam à liberdade religiosa e ao atendimento das minorias religiosas para retirar crucifixos ou símbolos religiosos católicos da esfera pública, na verdade, a estratégia tem como finalidade o simples enfraquecimento todas as religiões. Ou seja, para o Estado laico, tanto faz a cultura católica, a crença do I Ching ou o satanismo light. Todos eles são nivelados por baixo, em favor de uma cultura secular ateísta. Para o ateu militante, a nivelação religiosa consiste justamente em reduzir todo credo a uma superstição, a um capricho, que deve ser dissociado de toda a esfera política e cultural. Neste aspecto, lamentavelmente, os acólitos das religiões minoritárias acabam se tornando idiotas úteis desse jogo. Em nome do ódio comum ao catolicismo, muitos segmentos protestantes ou espíritas acabam aderindo à falácia implícita da secularização do Estado, quando na prática, acabam contribuindo para a descristianização da sociedade como um todo. É por conta desse catolicismo institucional, orgânico, que está impregnado em nossa cultura, que o cristianismo ainda tem força política. Ele é tão profundo nas raízes culturais do país, que até o protestantismo e o espiritismo adquirem todo um escopo moral católico, ainda que importem visões teológicas distintas. As vertentes do puritanismo e do calvinismo norte-americano e europeu jamais vingariam no Brasil. Como também o espiritismo original, com seu viés original pseudo-cientificista, esotérico e até gnóstico, tivera que se adaptar aos conceitos da moralidade e caridade católicas. Ou será que algum espírita kardecista brasileiro médio seguiria os ditames da Madame Blavatsky? Não é estranho que muitos espíritas ainda se casem na Igreja Católica?
As religiões minoritárias, no geral, não possuem respostas contundentes a respeito de instituições como o casamento, a família ou uma boa parte dos valores cristãos vigentes. Na prática, todas elas parecem contribuir para a secularização estatal, uma vez que não consagraram sacramentos ou ritos às instituições e as deixam livres para a mão forte do governo. A revolta protestante renegou os elementos simbólicos incutidos na tradição da Igreja. Foi também o protestantismo histórico que consagrou a estrutura familiar aos auspícios do Estado, retirando o poder da Igreja e dessacralizando a família. A diversidade teológica dos evangélicos, confusa, muitas vezes anti-histórica, fora das tradições essenciais do cristianismo, não ajuda em nada para dar uma resposta aprofundada aos anseios da sociedade cristã vigente. E do espiritismo só podemos esperar um manual de auto-ajuda, para aqueles indivíduos de formação superior fascinados por idéias esotéricas e carentes de uma ortodoxia sólida. O catolicismo, por assim dizer, é a única religião que tem um caráter genuinamente institucional e constitucional.
Não pretendo aqui desmerecer a ação muitas vezes gloriosa de evangélicos empedernidos, que lutam pelos valores do cristianismo. E tampouco de espiritas honestos, que fazem um grande trabalho de caridade. No entanto, ao atacarem a Igreja Católica, estão enfraquecendo a defesa do cristianismo. Até porque não há algo que possa substituir o vácuo deixado pelos católicos. Pelo contrário, o vácuo será ocupado pelo ateísmo militante e pela descristianização completa da sociedade. Essa descristianização não alcançará apenas os arquétipos simbólicos de cruzes ou imagens de santas, mas também a própria estrutura da família e dos valores da sociedade, pautada no cristianismo. Se hoje há uma sólida e virulenta campanha secularista e atéia, com a agenda pró-casamento gay, pró-aborto, pró-ditadura politicamente correta, é por conta do esvaziamento do espirito cristão, que começa a partir dos símbolos. E o que não é símbolo na religião?
Seria muito triste se Belém do Pará, colorida, festiva, devota na procissão do Círio de Nazaré, renunciasse aos símbolos católicos construtores de sua própria identidade religiosa. Aliás, seria ruim se a nação brasileira inteira se esquivasse dos símbolos cristãos vigentes no país. O secularismo é triste até na estética. O simbolismo do Estado laico, junto com o ceticismo e o amargor, é apenas um vazio, uma negação, o nada.
Um comentário:
Belíssimo artigo, parabéns e que DEUS vos abençoe!
Obs. Tomei a liberdade de publicá-lo no meu blog.
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