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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O segredo da invasão islâmica

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de março de 2007


Entre as perguntas a que respondi no meu último programa True Outspeak (www.blogtalkradio.com/olavo, às 20h00 de segunda-feira), veio uma especialmente interessante do meu amigo Nahum Sirotsky, correspondente da Zero Hora em Israel. A resposta que dei resumia alguns estudos que estou fazendo para o meu livro A Mente Revolucionária, motivo pelo qual meu aluno Sílvio Grimaldo houve por bem transcrevê-la. Reproduzo-a aqui sem alterações, apenas levemente corrigida:

"Muito bem. A dúvida do Nahum é a seguinte: Como é possível um movimento de envergadura mundial sem um centro de comando, como se fosse uma coisa espontânea se espalhando pelo mundo pela simples força do automatismo? De fato isso parece um enigma. E esse é um enigma que os comentaristas políticos e os analistas estratégicos do Ocidente não vão entender jamais. Eles não têm a menor condição de entender como é o processo profundo da guerra de civilizações, porque para isso seria preciso estudar o Islam até às últimas fontes da espiritualidade islâmica, que estão bem remotas da política diária. Então esse pessoal de formação mais ou menos materialista – e mesmo o pessoal religioso – não têm, no Ocidente, uma visão dessa profundidade, não conseguem conceber como é que funciona realmente o Islam. Eles vêm que existem mesquitas, que existe o culto popular, que existem ali alguns funcionários das mesquitas, que são as lideranças religiosas aparentes, e que existe, por outro lado, a estrutura dos Estados, mas, procurando em tudo isso, eles não enxergam o centro. Para achar esse centro você precisa cavar além da superfície. Não se pode esquecer que o Islam está povoado de taricas. Taricas são organizações esotéricas estruturadas mais ou menos como ordens religiosas, que se dedicam a exercícios espirituais em acréscimo às praticas rituais obrigatórias do Islam. São práticas ditas supra-rogatórias, não são obrigatórias pela lei religiosa, são uma devoção especial que o indivíduo faz se quiser. As taricas remontam ao próprio tempo de Maomé. Havia um grupo que se reunia para fazer recitações dos nomes de Deus. Alguém perguntou a Maomé o que ele achava disso e ele disse que eram excelentes pessoas, mas que estavam fazendo algo que não era obrigatório, que eles mesmos tinham oferecido aquilo a Deus. Daí se originou uma multidão de organizações esotéricas que se ramificam por todo o Islam. Se você entra numa mesquita e ali há mil pessoas, você pode ter certeza que pelo menos metade delas pertence a alguma tarica. As taricas não se dedicam à atividade política, mas elas são a fonte profunda da unidade espiritual e, portanto, cultural do Islam. E evidentemente é lá que tudo começa.

"No Ocidente as pessoas só percebem a guerra cultural quando ela se traduz em manifestações públicas, quando se traduz numa expressão politicamente visível, mas na verdade essa guerra começa muito antes, vindo de dentro das taricas. As taricas são chefiadas por mestres espirituais chamados Sheikhs. Sheikh é um título honorífico, que quer dizer apenas uma pessoa mais velha, mas na verdade os sheikhs das taricas são como um cargo hereditário que é passado não necessariamente para um filho, mas por uma herança espiritual, cada sheikh nomeia o seu sucessor...

"A força que essas organizações representam no Islam não tem nada de comparável no Ocidente. Mesmo se você for investigar as sociedades esotéricas e secretas aqui, elas existem, é claro, mas não têm essa profundidade, não têm, sobre a totalidade da população, a autoridade espiritual tremenda que as taricas têm. [No Islam shiita, a coisa é mais complicada ainda porque há outras redes de organizações esotéricas, independentes das taricas, com uma filosofia messiânica própria.] Então é dessas taricas [e similares] que vem o comando, mas não de uma maneira direta. Não há um comando estratégico que diz 'faça isso' ou 'faça aquilo', mas é dali que surgem as idéias e as tendências e, no plano das guerras espirituais e culturais, evidentemente a ação provem das taricas. Por exemplo, eu estou seguro de que não é possível explicar a história do século XX, em absolutamente nada, sem levar em conta a ação de enviados de organizações islâmicas que agem no Ocidente há mais de um século exercendo uma influência muito sutil sobretudo na elite intelectual. Antes de vir esse ataque por baixo, que é a imigração [como arma de guerra cultural], essa agitação toda e o próprio terrorismo, muito antes disso havia uma ação por cima, através da dissolução da elite intelectual ocidental, [seguida pela] sua reorganização em termos islâmicos.

"Muita gente pode ter ouvido falar do famoso Georges Gurdjieff, aquele líder espiritual armênio. A função do Gurdjieff no Ocidente foi simplesmente bagunçar a elite intelectual. Quando Gurdjieff chega ao Ocidente, no começo do século, ele se apossa de inumeráreis líderes intelectuais e simplesmente os destrói espiritualmente, os deixa completamente desorientados, abrindo um rombo na carapaça da cultura ocidental moderna, cientificista e materialista, abrindo as portas para a entrada da influência oriental, que depois mais tarde se tornaria popular com o movimento da Nova Era nos anos 60. A Nova Era jamais teria sido possível se Gurdjieff não tivesse aberto essa brecha meio século antes. Um continuador dessa obra de destruição foi um indivíduo chamado Idries Shah, um inglês de origem indiana, que prosseguiu o trabalho de decomposição da elite intelectual ocidental num nível de profundidade que não chama a atenção dos analistas políticos. Por que um analista político vai se interessar por assuntos esotéricos, ocultistas, etc.? Há gente que se faz de superior a isso justamente porque não entende – não entende a profundidade do efeito dessas armas na guerra cultural.

"Ao mesmo tempo em que as taricas mandavam esses agentes para fazer o serviço destrutivo, mandavam outros para reconstruir, recolocar em ordem a cabeça dos intelectuais, [mas agora] já em termos islâmicos. E nisso se destacaram duas pessoas, René Guénon e Frithjof Schuon. Guénon é o sujeito que propõe já em substituição à cultura européia uma construção integral baseada em doutrinas orientais [as doutrinas oficiais da sua tarica]. Quando Guénon começou a falar dessas coisas por volta de 1920, ninguém prestou a mais mínima atenção. Ele fez até uma conferência na Sorbonne com o título de A Metafísica Oriental, havia umas dez pessoas lá. Passados quarenta anos, o pensamento do Guénon era o dono, o proprietário absoluto do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade de Paris, proliferando a sua influência numa escala que, no começo, seria inimaginável.

"Aí é que está a guerra cultural profunda, mas eu nunca vi algum analista ocidental, mesmo entre os melhores – um Bernard Lewis, por exemplo – dar um tratamento a isso com a profundidade que deve.

"Por exemplo, o Gurdjieff. Você tem vários movimentos artísticos no modernismo que dão a impressão de ser criações puramente ocidentais, mas que não foram nada disso: era o dedo do Gurdjieff que estava lá. Aqui nos EUA, por exemplo, o arquiteto mais influente, que foi o Frank Lloyd Wright, o sujeito que revolucionou a arquitetura americana, era um discípulo do Gurdjieff, obedecia a instruções diretas dele. Gurdjieff conseguia criar estilos artísticos como quem preenche um cheque, ele criava um atrás do outro. É um tipo de capacidade que as pessoas normalmente não imaginam. Isso não quer dizer que eu goste muito desse Gurdjieff não, mas tenho de reconhecer a sua força tremenda.

"Então é nesse nível, da unidade espiritual da tradição islâmica, que se tem que encontrar a tal da autoridade humana pela qual pergunta com muita razão o Nahum Sirotsky.

"Mas, quanto mais o tempo passa, mais vejo que a incapacidade de fazer as perguntas corretas é a grande falha da classe falante: falam, falam, mas às vezes o problema está na frente deles e eles nem percebem que existe o problema, não percebem a questão. E, não fazendo a pergunta, evidentemente não têm as respostas. Então, o mistério desse movimento tremendo, avassalador, aparentemente sem cabeça, sem comando, que vai tomando conta do mundo, até hoje não suscitou a pergunta correta porque as pessoas procuram [uma resposta] no nível do comando político ou, no máximo, religioso no sentido mais externo da coisa, e não no sentido do comando espiritual que unifica uma civilização."

Ainda voltarei a este assunto tremendamente complicado. Reproduzi a resposta só para dar ao leitor uma primeira idéia de como as coisas que ele lê na mídia a respeito da invasão islâmica são superficiais e incapazes de explicar os fatos.

Mas, por enquanto, deixemos essas alturas e vejamos o que se passa na terra de Macunaíma.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".