Olavo de Carvalho - 16/8/2009 - 20h54
Quem quer que, mais de uma década atrás, estudasse com atenção as atas do Foro de São Paulo e as confrontasse com as ações de seus membros – espalhados por duas dúzias de países – teria chegado fatalmente, tal como eu mesmo cheguei, às seguintes conclusões:
1 O Foro era uma peça vital no esquema do terrorismo e do narcotráfico internacionais (não somente latino-americanos).
2 Criação quase que exclusivamente brasileira, ele tinha no Brasil o seu centro de comando estratégico e, em outros países-membros, as suas vanguardas, incumbidas das ações táticas mais imediatas e espetaculares.
3 Isso bastava para demonstrar que a aparente distinção entre uma "esquerda revolucionária" e uma "esquerda democrática", personificadas respectivamente por Hugo Chávez e por Lula, não passava de uma camuflagem calculada para ocultar a unidade estratégica do conjunto (Cavaleiro do Templo: leia este também: http://cavaleirodotemplo.blogspot.com/2009/08/as-duas-caras-de-lula-da-silva.html).
4 No quadro do Foro, a articulação da esquerda com quadrilhas de delinquentes, que já se preparava desde os anos setenta (v. meu livro de 1993, A Nova Era e a Revolução Cultural, Apêndice I, em http://www.olavodecarvalho.org/livros/neesquerdas.htm), sofreu um upgrade formidável, permitindo que as FARC se tornassem as senhoras absolutas do narcotráfico no continente e as controladoras de várias organizações criminosas menores, como o PCC e o Comando Vermelho.
5 A articulação perfeita da violência criminosa com a luta política legal (transformada ela própria, portanto, em um instrumento do crime) estendia um manto de proteção continental sobre terroristas e narcotraficantes que operassem em países estrangeiros e tornava a América Latina inteira um território livre para a atuação desses delinquentes.
Se essas obviedades permaneceram invisíveis até muito recentemente, foi pelas seguintes razões:
l As organizações da esquerda legal tinham, em todas as redações de jornais e noticiários de TV e rádio, um número suficiente de representantes, inclusive nos mais altos postos, para desestimular e bloquear qualquer investigação séria sobre as atividades do Foro.
l As vastas conexões internacionais da organização, envolvendo interesses financeiros gigantescos, davam-lhe os meios de ter à sua disposição, infiltrados em governos, think tanks, institutos de pesquisa, universidades e empresas privadas, um enorme contingente de experts e de consultores habilitados a desviar atenções – e, se preciso, a negar peremptoriamente os fatos, utilizando o peso do seu prestígio acadêmico como arma publicitária para cobrir de ridículo quem quer que tentasse averiguar a realidade por trás das mentiras e desconversas.
l Através da estratégia gramsciana de "ocupação de espaços", a esquerda conseguiu munir-se de todos os instrumentos para desmantelar preventivamente qualquer possibilidade de oposição ideológica. O instrumento mais usado para isso foram as denúncias espetaculosas de corrupção, que destruíram tantas lideranças, ao mesmo tempo que davam aos partidos de esquerda, sob o manto da afetação de probidade, os meios para ir construindo, discretamente, esquemas de corrupção incomparavelmente maiores e muito mais eficientes do que os denunciados (dos Anões do Orçamento ao Mensalão o crescimento escalar foi de uma ameba para um dinossauro).
l No campo cultural e psicológico, a progressiva substituição dos critérios morais de senso comum pelas chantagens "politicamente corretas" destituiu as possíveis oposições até mesmo do direito a uma linguagem própria, forçando-as a adaptar-se ao vocabulário e aos modos de pensar do adversário onipotente. Com espantosa facilidade, essa operação reduziu os liberais e conservadores aos protestos vãos de uma oposição castrada, voluntariamente apolítica, que se contentava, no máximo, com críticas administrativas e vagas denúncias de corrupção, quase que literalmente copiadas do discurso "ético" da esquerda, as quais, nesse contexto, só faziam conceder ao inimigo o monopólio do combate ideológico.
l Tão avassaladora foi a conquista do espaço psicológico pela esquerda, que nos próprios meios "direitistas" qualquer tentativa de descrever o real estado de coisas era recebida com extrema má-vontade, valendo ao atrevido o apelido de "teórico da conspiração", senão a pecha de "extremista". A obstinação de liberais e conservadores em não querer enxergar o que estava se passando permitiu que o germe da revolução latino-americana crescesse e se tornasse o monstro de mil braços que agora vai dominando o continente sem encontrar resistências , senão locais e esporádicas, incapazes de fazer face a um perigo de tais dimensões.
Se algo aprendi nos dezesseis anos que decorreram desde meus primeiros avisos sobre a mais vasta e silenciosa trama revolucionária que já se viu no mundo, foi que a "burguesia" é a classe mais indefesa que existe. Acovardada perante o prestígio dos vigaristas intelectuais mais baixos e sórdidos, ela se apega a qualquer pretexto para enxergar, no inimigo que planeja assassiná-la, todas as virtudes mais róseas e fictícias e evitar assim o confronto com uma realidade temível.
O famoso "aparato ideológico da burguesia", de que falam os marxistas, jamais existiu (Cavaleiro do Templo: leia este também: http://cavaleirodotemplo.blogspot.com/2009/08/um-guru-da-educacao-brasileira-e.html). É só uma projeção invertida do próprio aparato ideológico revolucionário, destinada a impedir, mediante a denúncia preventiva de maquiavelismos imaginários, que um dia um real aparato burguês de autodefesa venha a existir.
Quando a burguesia, ao menos a brasileira, consente em dizer algo em seu favor, ela o faz com tanta discrição e delicadeza que dá a impressão de estar disputando com o adversário mais bondoso e compreensivo do mundo, e não com as "máquinas de matar" que os revolucionários se orgulham de ser.
Olavo de Carvalho é ensaista, jornalista e professor de Filosofia
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