por Jeffrey Nyquist em 15 de abril de 2008
Resumo: O homem-massa é uma criatura facilmente manipulável. Ele é presa fácil dos adversários, dos vendedores de óleo de cobra e de charlatães de todo naipe.
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"Eu olhei nos olhos de Putin e vi três coisas:
um ‘K’, um ‘G’ e um ‘B’. “
– John McCain
Recentemente foi publicado na The New Criterion um ensaio de Anthony Daniels, no qual ele resume o conceito de “homem-massa”, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, como sendo aquele homem “que vai de uma distração a outra distração, que é presa de modismos absurdos, que nunca pensa em profundidade...”. Na primeira década do século XXI isso soa até familiar demais. Em 2008, vivemos numa sociedade dominada por “homens-massa”, engolida pela psicologia de massa, pela mídia de massa, pela escola de massa e pela ignorância em massa que atualmente nos circunda e avulta.
O grande público de hoje não é capaz de distinguir o importante do trivial. O que precisa ser reconhecido, e um dia será, é a distinção bastante real entre princípios elevados e aquilo que é vulgar, entre coragem moral e conformismo apenas desculpável, entre pensadores e embusteiros. E é a isto que tudo se resume. As massas cresceram fracas e indolentes. Elas não querem admitir a realidade porque nisso poderia haver uma cláusula de responsabilidade. Sendo esta a consideração principal, a negação de eventos-chave completa-se melhor através de uma maré enchente de trivialidades – a cápsula de escape da realidade do homem comum. Uma vez que você está perdido no Grande Oceano do Lixo Intelectual, serve qualquer meia-verdade, à qual você se agarra, mesmo que essa seja um bote furado e cheio de ratos.
Se tivéssemos sido treinados para pensar em termos hierárquicos em vez de em termos igualitários, se entendêssemos a base de nossa própria existência, nossa atenção crítica estaria instintivamente voltada para determinados assuntos, para aqueles que tocassem em nosso futuro político e econômico. Então, saberíamos que certas escolhas de estilos de vida são perniciosas à sociedade como um todo, que moedas fiduciárias (papéis-moeda) não duram para sempre, que ser brando na punição estraga a “criança”[1], que se você deseja a paz deve estar preparado para a guerra. Todavia, fica mais e mais evidente que o homem-massa de hoje perdeu seus instintos, perdeu de vista o que é importante e que julga tudo a partir de suposições falsas, feitas a partir de um ponto de vista igualmente falso.
Houve um tempo em que tínhamos uma civilização. Tínhamos padrões. Tínhamos noções de objetividade. Nós tínhamos uma cultura que não era vulgar. Nós olhávamos para os grandes homens do passado tal como olhávamos para a nossa posteridade. A arte era bela e tinha sentido. A política evoluía para longe da tirania. A economia dizia respeito à liberdade e responsabilidade. O que temos hoje? Temos Britney Spears e Jerry Springer. Nossos padrões erodiram-se seriamente. A subjetividade declarou, cinicamente, que a objetividade não existe. Tudo aquilo que continha princípios elevados, aquilo que não é vulgar, foi negligenciado.
Mas mais importante, e ainda mais desastroso, é que a emergência do “homem-massa” tem algo a ver com a emergência do totalitarismo (que ceifou as vidas de aproximadamente 100 milhões de pessoas no século XX). E é seguro afirmar que o totalitarismo ceifará ainda mais vidas no futuro. Mas as pessoas não querem acordar. Elas não querem reconhecer que o totalitarismo é real e avança. Ele cresce no solo da cultura de massa; leva à destruição e ao assassínio em massa, pois todo o conceito totalitário baseia-se em mentiras sustentadas pelo crime e dirigidas pela politização das frustrações e invejas pessoais. Alguma atrocidade faz parte da história quando um país invade outro, ou quando um comandante de cavalaria ou um chefe indígena cometem uma atrocidade. Os homens têm feito coisas terríveis uns aos outros ao longo dos tempos. Mas transformar o terror e o assassinato num sistema significa um novo tipo de regime.
O homem-massa não consegue ver os males do totalitarismo; ele não vê a inclinação de Hitler; ele não vê as letras”K-G-B” por detrás de Putin; ele nega o Holocausto; ele não se importa se o Irã construirá armas nucleares; ele acha que Rússia e China nunca começarão uma guerra global. O espírito filistino do homem-massa é encontrado em sua prontidão para acreditar na propaganda totalitária. É uma propaganda que inculpa a futura vítima.
O totalitarismo se ergue porque o homem-massa é suscetível e é fundamentalmente um ignorante, apesar de notavelmente “bem-informado”. A inércia do homem-massa aceita o que é ditado pela burocracia. Ele não tem nenhuma “grande idéia” ou “fé” para resguardá-lo da acomodação e transigência convenientes, ou da participação no genocídio. O oportunismo sem questionamentos do homem-massa permite-lhe exemplificar aquela mesma “banalidade do mal” à qual se referiu Hannah Arendt, em seu livro Eichmann em Jerusalém. Afinal de contas, o homem-massa sob Hitler[2], sob Stalin, se defenderia dizendo que estava apenas fazendo o seu trabalho. Ele estava apenas obedecendo a ordens.
O homem-massa é inócuo ou sinistro? Ele faz o que faz de propósito ou precisa de um planejador maligno, tal como Hitler? O que significaria dizer que o extermínio em massa de judeus na época de Hitler foi um fenômeno sociológico que nada teve a ver com a intencionalidade? Dito de outro modo, o que significa dizer que o Holocausto foi alguma coisa outra que não uma conspiração contra vítimas específicas? O que significa dizer que o aviltamento sistemático de um povo foi em virtude de “um processo histórico”?
Eu não acredito que o resultado, de um lado, seja possível sem a intenção do outro lado. Não há nada diabólico a menos que seja intencional. E tudo que é intencional é individual. Hitler era um indivíduo. Seus companheiros de crime eram indivíduos. Cada um foi responsável por suas ações individuais. Não serve como desculpa declarar-se apenas um dente da engrenagem maior. Cada um obteve alguma satisfação particular na perseguição, pilhagem e matança de judeus. Imaginar que pessoas assim não podem existir, apenas porque a sua imaginação é muito limitada, é esquecer aquilo que a história já provou.
Se irromper outra guerra genocida, quais nações serão vitimadas? Quais nações estão sendo vilipendiadas atualmente? Duas nações, especificamente: (1) a dos judeus e (2) a dos americanos. A falha em não compreender a significância desse aviltamento e a falha em não reconhecer suas origens, é, de fato, uma falha triste e sombria.
Como Bernard Chazelle chamou a atenção recentemente em seu ensaio intitulado Anti-Americanism: a Clinical Study [Antiamericanismo: um estudo clínico], não há um antifrancesismo, um antipolonismo ou um antiespanholismo. E por que não há? Porque “o antiamericanismo está isolado: é um testamento vivo...”. Bem, não tão sozinho assim. É preciso lembrar o anti-semitismo, sendo ainda necessário juntá-lo ao Holocausto.
O aviltamento de um povo inteiro é algo similar a amaciar uma carne. A tarefa do aviltamento a deixa pronta para o forno.
Foi Paul Johnson, o historiador inglês, quem escreveu: “O antiamericanismo é a doença predominante entre os intelectuais de hoje”. O que ele deveria ter dito, mas falhou em esclarecer, é que os “intelectuais” de hoje são fraudes; eles são homens-massa, exatamente como aqueles a quem Ortega y Gasset se referia em seu livro A Rebelião das Massas. O fingimento de erudição e o fingimento de pensar apenas encobrem a baixeza e torpeza de alguém que, nas palavras de Anthony Daniels, “não reconhecerá aqueles que lhe são superiores”.
O homem-massa adquire idéias do mesmo modo que os ratos adquirem pulgas infestadas de peste bubônica. Ele é infectado por elas. E é perfeitamente possível que alguém dissemine a infecção intencionalmente. Pondere a seguinte sutileza: quando um estrategista americano pensa a respeito de mísseis nucleares, ele pensa em termos de dissuasão. Quando um estrategista russo pensa a respeito de mísseis nucleares, pensa em aniquilar os inimigos. Estrategistas nucleares americanos, de Herman Kahn a Vincent Pry, estavam especialmente preocupados com a dissuasão. Já os estrategistas russos, de Sokolovskiy a Sidorenko, estavam principalmente preocupados com a aniquilação do inimigo. A diferença de conceitos é importante – apesar de ser facilmente negligenciada ou nem sequer percebida.
O ódio é o ingrediente, e fazer com que os americanos odeiem-se entre si têm sido um truque especial. Talvez o homem-massa, ao odiar aquilo que tem grandeza, incline-se a odiar o seu próprio país, se a grandeza deste for suficiente. Nesse caso, um inimigo ardiloso não precisaria levantar nem um dedo sequer – ainda que a União Soviética tenha movidos céus e terras para espalhar, de 1950 a 1991, o ódio antiamericano. Uma das técnicas de propaganda mais eficazes envolvia plantar histórias falsas nos jornais ocidentais. Tais eram as “medidas ativas” de Moscou. No que diz respeito a essa técnica, o recente desertor da SVR [KGB], Sergei Tretyakov, confidenciou ao autor Pete Earley: “Nós dizíamos [após o colapso da União Soviética]: ‘Ok, agora nós somos amigos. Vamos parar de fazer isso’. E a SVR [KGB] fechou o Diretório A [Medidas Ativas]. Mas o Diretório A submeteu-se apenas a uma mudança de nome. E isso foi tudo. Ele tornou-se o Departamento MA [Medidas de Apoio], e as mesmíssimas pessoas que o dirigiam sob a KGB, continuaram a fazê-lo para a SVR”.
O homem-massa é uma criatura facilmente manipulável. Ele é presa fácil dos adversários, dos vendedores de óleo de cobra e de charlatães de todo naipe. Por favor, permitam-me dizer-lhes, caras massas: vocês têm sido o alvo especial de uma variedade superior de propaganda. Vocês foram alvejados. Vocês foram tapeados. Os fornos estão sendo aquecidos neste exato momento.
[1] NT: “Sparing the rod spoils the child”. É evidente que o autor não advoga a punição física de crianças, muito menos com varas. No contexto apresentado, a expressão idiomática, já antiga, aplica-se aos adultos à rédea solta, “crianças” sem punição, quer na área criminal ou quanto às transgressões morais cada vez mais toleradas; em suma, é ao crescente laxismo da sociedade americana que o autor se refere.
[2] NT: Hitler e Stalin foram, eles mesmos, exemplos de homens-massa no poder: vulgares, incultos, mas implacáveis e capazes de provocar fascínio e infundir terror na mente de outros homens massa. Ver Hitler e os Alemães, Eric Voegelin, São Paulo: É Realizações, 2008.
© 2008 Jeffrey R. Nyquist
Publicado por Financialsense.com
Tradução: MSM
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