Por Demétrio Magnoli*
Já era noite. O brilho das estrelas e o suave clarão da lua refletiam-se na neve. O Regimento Pavlovsk, em uniforme de campanha, estava formado à margem do canal. Sua banda tocava a Marselhesa sob a aclamação dos soldados. Os camponeses desfraldaram a bandeira vermelha (...) na qual pouco antes se havia bordado, com letras douradas, a seguinte inscrição: "Viva a união das massas trabalhadoras revolucionárias!"
- John Reed, Os Dez Dias que Abalaram o Mundo
Não foi principalmente A Internacional, hino socialista, mas A Marselhesa, que acompanhou as jornadas revolucionárias da Rússia de 1917. Quando, há 90 anos, no 7 de novembro (25 de outubro, pelo antigo calendário juliano), os bolcheviques tomaram o poder em Petrogrado, narrou-se o evento como a seqüência inevitável da Revolução Francesa de 1789. A nossa era histórica se afigurava como uma longa transição entre o poder dos homens de "sangue azul" e a sociedade sem Estado ou classes sociais prometida pelos comunistas.
Octavio Paz assinalou que a modernidade, insurgindo-se contra a tradição, alçou a idéia de ruptura como seu valor supremo. Sob essa lógica, gerações de iconoclastas instauraram uma nova tradição: a tradição da ruptura. Eis o motivo pelo qual a noção de revolução experimentou, ela própria, uma revolução: a palavra, do latim revolutio, que nomeava a trajetória orbital dos planetas, no seu ciclo de eterno retorno, converteu-se no signo da mudança radical, que cria o novo absoluto a partir das ruínas do velho.
A modernidade, definida em 1789, ergueu-se sobre o tenso compromisso entre os princípios da liberdade e da igualdade. A Revolução de Outubro, em nome da igualdade, aboliu completamente a liberdade. Ela não foi moderna e seu arcaísmo se refletiu no culto ao Líder. Karl Marx ofereceu a uma classe, o proletariado, a chave da História. Lenin transferiu-a para um Partido, o veículo da verdade final. Stalin, o czar vermelho, concluiu o movimento, guardando-a em seu próprio bolso. O corpo embalsamado de Lenin repousa, até hoje, num mausoléu de mármore na Praça Vermelha.
Intelectuais de esquerda, saudosos dos tempos de glória de Stalin, justificam o "socialismo real" sob o argumento de que o sistema totalitário acelerou a modernização industrial e, no fim, propiciou a vitória na guerra contra o nazismo. Nas sete décadas da URSS, o PIB do país cresceu menos que o dos EUA ou o do Brasil. A crise de fome que acompanhou a coletivização rural soviética só foi superada pelas tragédias incomensuráveis da China maoísta. Uma falsa narrativa da 2.ª Guerra Mundial contamina, persistentemente, manuais de História e livros didáticos escritos pelos órfãos de Outubro. A URSS fez a guerra ao nazismo apenas depois que a aliança com a Alemanha foi rompida, por iniciativa de Hitler. Ela nunca venceria sem o fluxo de abastecimento bélico dos EUA.
Marx imaginou o socialismo como uma transição para o comunismo, o "reino de abundância" no qual trabalho e prazer se tornariam faces inextricáveis da plenitude da experiência humana. A URSS flertou com a militarização do trabalho, proibiu a organização sindical independente e ergueu o sistema do Gulag para promover a conquista da Sibéria. Walt Rostow estava certo quando qualificou o socialismo como uma "doença da modernização do capitalismo". As suas manifestações atuais, especialmente na China, continuam a fascinar uma esquerda que se recusa a aprender com a História.
É um equívoco comum traduzir a oposição entre capitalismo e socialismo como uma alternativa entre mercado e Estado. Não existe mercado sem Estado, a não ser na forma primitiva do escambo. Estado sem mercado é o que existiu, e fracassou, na URSS. A abolição do mercado gerou uma desastrosa alocação de investimentos e destruiu os impulsos de criatividade e inovação. A economia soviética ruiu sob o peso de uma imensa massa inútil de cimento, aço e máquinas. O segredo da eficiência do capitalismo está na teia de empresas pequenas e médias que não podem ser replicadas pelo Estado-Leviatã. A esquerda que não entendeu isso procura no capitalismo de Estado um sucedâneo para o socialismo.
A liberdade é indivisível. No poder, os bolcheviques esmagaram, primeiro, a liberdade da "burguesia" e, em seguida, a do "proletariado". A URSS converteu-se numa prisão de seus cidadãos, enquanto os comunistas, no mundo inteiro, proclamavam o caráter "burguês" da democracia. No Ocidente, em contraste, a democracia propiciou o desenvolvimento dos movimentos sociais, que transformaram por dentro o capitalismo. É por isso que, com a universalização dos direitos políticos e sociais, desapareceram tanto o Estado liberal do século 19 como o impulso da revolução socialista.
O "socialismo científico" declarou-se proprietário da História e impugnou a crítica, definindo os opositores como inimigos do futuro. Na URSS, os dissidentes foram declarados "loucos" e internados em manicômios, pois a divergência, quando não era traição, tinha de ser doença. As farsas judiciais dos Processos de Moscou, nos anos 1930, tiveram o apoio de quase todos os intelectuais de esquerda no Ocidente, que, mesmo conscientes das falsificações grosseiras, preferiram incorporar-se à marcha inevitável do "exército da História". Os herdeiros desses intelectuais seguem disponíveis para escrever o elogio de fuzilamentos sumários, se a causa é boa e o ditador, amigo.
A utopia comunista percorreu um ciclo completo, encerrado com a queda do Muro de Berlim. Depois daquele evento, os partidos comunistas renegaram o dogma da ditadura do proletariado, extirparam o marxismo-leninismo de seus programas e trocaram seus nomes de batismo, na esperança de reescrever a própria história. Essa operação de linguagem desatualiza a Revolução de Outubro, remetendo-a, de uma vez por todas, para o passado. Outubro, agora, é só um mês no calendário.
*Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.
E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br
Não demonstre medo diante de seus inimigos. Seja bravo e justo e Deus o amará. Diga sempre a verdade, mesmo que isso o leve à morte. Proteja os mais fracos e seja correto. Assim, você estará em paz com Deus e contigo.
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.
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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".
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